O planeta Terra não vai nos sustentar para sempre. Cedo ou tarde, uma
catástrofe vai acontecer, e a vida humana vai ficar inviável neste
planeta. Quando este dia chegar, seremos extintos, a menos que tenhamos
aprendido a viver no espaço.
E olha que nós já tentamos, mas até agora não conseguimos criar um
ambiente seguro para a vida como ela existe aqui, na Terra, lá no
espaço.
A nossa primeira tentativa de criar tal ambiente autônomo, a
Biosfera-2, fracassou por apresentar problemas sérios: os níveis de
oxigênio baixaram, os de gás carbônico subiram, os “oceanos”
(artificiais) sofreram acidificação, todos os animais morreram, exceto
as baratas e formigas (que pragas!), e as colheitas fracassaram, levando
os biosferanautas a passar fome. Com isso, além do físico, o aspecto
psicológico dos moradores desse ambiente deteriorou também.
Enfim, a Biosfera-2 teve que ser cancelada, e, em vista de tantas
dificuldades, nenhum projeto parecido foi posto em prática depois desse.
Mas será que podemos nos dar a tal luxo? Muitos pesquisadores
consideram essa uma importante área de pesquisa. Se quisermos viajar
mais longe do que fomos até hoje, perder a dependência do planeta Terra
não é só necessário; é essencial para explorar cantos do universo os
quais demoraremos mais que uma vida humana para alcançar.
Além disso, também é uma questão de sobrevivência. Atualmente, toda a
humanidade está em um só planeta. Porém, se algo acontecer a esse
planeta ou a nossa civilização, é vital saber que podemos sustentar uma colônia em outro lugar.
Se você acha que o mundo não vai acabar tão cedo, pode estar certo.
No entanto, as ameaças são reais. A possibilidade de um impacto de
asteroide, uma guerra nuclear, um desastre nanotecnológico, ou
degradação ambiental severa são todos perigos que podem causar uma
situação de urgência por um lar extraterrestre.
Obviamente, não dá para fazer uma colônia espacial da noite para o
dia, mas é certo que, em algum momento no futuro, teremos de fazê-la, se
quisermos sobreviver como espécie.
Engatinhando
O primeiro passo em direção a colônias espaciais é o desenvolvimento
de uma biosfera totalmente funcional para ocupação humana a longo prazo.
Ainda não sabemos como fazer isto, então esta deve ser a nossa maior
prioridade. Alguns pontos que temos que descobrir é como manter os
níveis de gás carbônicos baixos e uma temperatura interna estável, como
evitar a acidificação da água, além de uma maneira de manter a sanidade
em ambientes confinados.
Em seguida, precisamos resolver o problema de viagens longas ao
espaço. Os primeiros materiais que precisamos podem ser levados da Terra
(por foguete ou elevador espacial), ou os materiais necessários podem
ser “colhidos” a partir de fontes locais, como os asteroides.
Entretanto, viver em uma biosfera orbital ainda tem alguns desafios
únicos. O crescimento de plantas em um ambiente de gravidade zero é
possível, mas difícil (elas tendem a crescer em orientações bizarras).
Há também os problemas causados nas pessoas pela longa exposição a
gravidade zero, além dos efeitos a longo prazo da radiação solar.
Mas se existem os problemas, também já existem algumas soluções
propostas para eles. Em 1974, o físico Gerard O’Neil delineou um habitat
orbital consistindo de enormes cilindros que giram ao longo de seu eixo
na velocidade de uma rotação por minuto. O resultado é uma gravidade
artificial ao longo das superfícies internas.
Inicialmente, as estações autossuficientes devem ser bastante simples
– projetos pilotos destinados a provar que o homem pode viver no espaço
e independente da Terra – um precedente importante para quaisquer
missões posteriores no espaço, ou para projetos de colonização a outros
corpos espaciais.
Com o passar do tempo, os projetos terão que considerar a possibilidade de missões mais complexas e de duração maior. Como Ben Austen avisou,
podemos ter problemas como endogamia. A solução que ele propôs foi
manter nos habitats um estoque de DNA para expandir o pool genético
existente. Uma solução mais radical seria aproveitar a cibernética,
engenharia genética, e tecnologias de extensão da vida para lidar com
estes problemas à medida que forem surgindo.
O que ainda não sabemos, entretanto, é quanto tempo uma ramificação
da humanidade pode viver sozinha na órbita terrestre. É concebível que
uma base autossustentável funcione por gerações, mas não parece uma
solução razoável a longo prazo para o futuro da civilização humana,
principalmente se o planeta estiver inacessível por qualquer motivo.
E é por isto que devemos focar nossos esforços na construção de sistemas fechados na lua, Marte, e além.
Biosferas extraterrestres mas planetárias
No ano 2000, a NASA completou um estudo que custou US$200 milhões (aproximadamente R$410 milhões), chamado “Roadmap to Settlement”
(“Roteiro para assentamento”, em tradução livre), no qual eles
descreveram o potencial para uma colônia lunar, na qual os habitats
poderiam ser construídos vários metros abaixo da superfície lunar (ou
cobertos dentro de uma cratera existente) para proteger os colonos de
radiação cósmica de alta energia. O trabalho também delineia a
construção de uma planta nuclear, conjuntos de paineis solares, e vários
métodos para extrair cobre, silício, alumínio e outros materiais da
superfície.
Não faz muito tempo, a NASA confirmou a presença de água congelada na lua
– um ingrediente crítico para qualquer colônia autossustentável. A
maior parte desta água está no polo norte, mas é uma boa quantia: cerca
de 600 milhões de toneladas.
Se a gente considerar que o problema da radiação possa ser resolvido,
pode ser possível criar fazendas alimentadas pela luz do sol em
ambientes hermeticamente fechados. Se começarmos as fazendas no polo
norte, os especialistas estimam que meio hectare (5.000 m², ou 50x100m,
um pouco menos que um campo de futebol) de fazenda espacial pode
alimentar 100 pessoas.
Quem for para viver nestas colônias terá desafios consideráveis. A
lua tem uma noite longa, de 14 dias terrestres, o que poderá limitar a
energia solar e fazer com que a colônia suporte temperaturas extremas. A
lua também tem muito pouco dos elementos leves, como carbono,
nitrogênio e hidrogênio. A sua baixa gravidade, ⅙ da terrestre,
provávelmente causará problemas a longo prazo. Além disso, a lua não tem
atmosfera, e praticamente não tem nenhum potencial para um futuro
projeto de “terraformação”. Na melhor das hipóteses, a lua servirá como
uma estação modelo para projetos futuros, ou um local para ficarmos
durante um curto tempo, caso alguma catástrofe atinja a Terra.
Como o roteiro da NASA sugere, uma colônia na lua pode nos ajudar a
preparar uma missão para Marte. Provavelmente seria sábio criar, testar e
treinar uma colônia autossustentável um pouco mais perto de casa antes
de dar o passo em direção a Marte.
E por que Marte? Marte tem muito mais potencial que a lua. O dia
solar marciano tem 24 horas e 39 minutos, e uma superfície igual a 28,4%
da superfície terrestre. O planeta vermelho também tem uma inclinação
axial de 25 graus (a Terra tem inclinação de 23,4 graus), resultando em
estações similares às terrestres (embora elas durem o dobro, já que o
ano marciano corresponde a 1,88 anos terrestres).
E o que é mais importante, Marte tem uma atmosfera, uma diversidade mineral significativa (como ferro-níquel), e água. De fato, análises recentes mostram que Marte pode ter tanta água subterrânea quanto a Terra.
Marte, então, é um excelente lugar para a humanidade testar uma
colonização (ou reiniciar sua civilização), caso ocorra uma catástrofe
na Terra. Se considerarmos tudo que Marte tem para oferecer, ele pode
suportar uma colônia vivendo em habitats fechados por um período
indefinidamente longo de tempo.
Assumindo um cenário em que a Terra não exista, colonos eventualmente
terão que pesar os prós e contras de seus esforços. Pode fazer mais
sentido retornar para a Terra para tentar recuperar a mesma, já que
terraformar uma Terra danificada pode ser muito mais fácil que
terraformar Marte. Em uma última análise, isto vai depender das
condições da Terra, que podem ser muito ruins.
Entre os cenários ruins previstos, considere um efeito estufa que
tornaria o planeta semelhante a Vênus (o que o tornaria pior que Marte),
ecofagia nanotecnológica (o cenário da gosma cinza na qual nano-robôs
autorreplicantes teriam convertido virtualmente tudo em uma polpa
inútil), ou um impacto de asteroide (que seria um problema apenas
temporariamente).
Dito isto, talvez Marte seja o único corpo em nosso sistema solar que
valha a pena colonizar. Júpiter e Saturno têm algumas luas que valem a
pena se considerar, mas a distância a que se encontram do sol pode
trazer problemas.
Finalmente, há também a possibilidade que os colonos queiram se
aventurar no espaço profundo e encontrar planetas completamente novos
para habitar – incluindo planetas semelhantes à Terra, e que estão
prontos para ocupação imediata.
Cronogramas
Fazer predições sobre cronogramas para habitabilidade sustentável e
permanente fora do planeta não é fácil, principalmente por que ninguém
está realmente trabalhando nisto. A maior parte dos nossos projetos
assume que a Terra estará sempre lá, pronta para ajudar qualquer colônia
que precise.
Mas, supondo que possamos direcionar nossos esforços na construção de
uma biosfera, não é de todo absurdo imaginar que podemos desenvolver
nossa primeira biosfera autossuficiente no fim dos anos 2020 ou até mais
cedo. Já se passaram 20 anos desde o último projeto, e há uma boa
chance que a ciência e tecnologia atual possam resolver muitos dos
problemas encontrados durante aquelas missões.
Também é possível que habitats orbitais independentes sejam
construídos nos anos 2030. Se nossa tecnologia tiver avançado,
possivelmente teremos uma inteligência artificial ou técnicas mais
sofisticadas de modelagem para resolver os problemas, e impressoras 3D e
montadores moleculares que farão com que a vida dos colonizadores seja
mais fácil.
Após este estágio, as tecnologias necessárias para configurar uma
colônia fechada na lua, Marte ou em qualquer outro lugar já estarão
prontas. Se não acontecer nenhuma revolução ou outro evento
imprevisível, podemos ser capazes de viver de forma independente fora do
planeta em algum momento entre 2030 e 2050.
Por fim, há outra forma mais radical de garantir nossa existência, em
caso de catástrofe: assumindo que “uploads” de humanos sejam possíveis
em algum momento, seria sábio fazer um “backup” da civilização, e
guardá-lo fora do nosso planeta.
A ideia foi proposta pelo autor Vernor Vinge, que sugeriu que
enterrássemos um supercomputador na lua ou outro lugar, hospedando uma
civilização completa. Alternativamente, esta civilização poderia ser
enviada em uma missão ao espaço profundo na esperança de reviver uma
nova sociedade em algum lugar. Mas, considerando a natureza altamente
especulativa desta possibilidade, e levando em conta que um desastre
pode acontecer a qualquer momento, devemos continuar a buscar uma
solução viável para humanos puramente biológicos.
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