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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Gaia descobre megafusão na história da Via Láctea



Missão para mapear Via Láctea descobriu estrelas com assinaturas químicas e trajetórias diferentes das demais. Tais astros orginam-se de outra galáxia; fusão ocorreu há 10 bilhões de anos.
O missão europeia Gaia fez uma importantíssima descoberta sobre a formação de nossa Galáxia como conhecemos hoje. Ao invés de se formar sozinha, a Via Láctea se fundiu a outra grande galáxia no início de sua vida, por volta de 10 bilhões de anos atrás – e as evidências estão espalhadas por todo o céu.
Lançada em dezembro de 2013, a missão da Agência Espacial Europeia (ESA) usa um satélite para medir posição, movimento e brilho de estrelas com precisão sem precedentes e construir um mapa tridimensional da Galáxia. Em abril deste ano, o projeto disponibilizou uma avalanche de dados para a comunidade astronômica, com informações sobre 1,7 bilhões de estrelas.
Usando os primeiros 22 meses de observações, uma equipe de astrônomos liderada por Amina Helmi, da Universidade de Groningen, na Holanda, examinou sete milhões de estrelas – aquelas para as quais todas as velocidades e posições tridimensionais estão disponíveis – e descobriu que cerca de 30 mil delas eram parte de uma “coleção diferente” movendo-se pela Via Láctea.
Estas estrelas em particular estão passando pela nossa vizinhança estelar. “Estamos tão profundamente integrados nessa coleção que suas estrelas nos rodeiam quase completamente, podendo ser vistas pela maior parte do céu”, declarou a ESA em seu site.
Ilustração da fusão entre as galáxias Via Láctea e Gaia-Encélado, ocorrida há cerca de 10 bilhões de anos; posições e movimentos das estrelas de Gaia-Encélado (setas amarelas) nesta fase inicial da fusão são baseadas em simulações de choques similares (ilustração e composição: ESA; simulação: Koppelman, Villalobos e Helmi; galáxia: NASA/ESA/Hubble)
Embora estejam entremeadas com outras estrelas, elas se destacaram nos dados da Gaia por se moverem em trajetórias alongadas na oposição contrária à da maioria das outras bilhões de estrelas da Galáxia, incluindo o Sol.
Elas também se destacaram no diagrama Hertzprung-Russel, usado para comparar cor e brilho de estrelas, indicando que pertencem a uma população estelar claramente distinta.
Fusão  O alto número de estrelas com este movimento incomum intrigou Amina e seus colegas, que suspeitaram que elas teriam algo a ver com a história da formação da Via Láctea. No passado, a equipe havia usado simulações por computador para estudar o que acontece com estrelas quando duas grandes galáxias se fundem. Quando compararam com os dados da Gaia, as simulações combinaram com as observações.
“A coleção de estrelas que encontramos com a Gaia tem todas as propriedades do que você esperaria dos resíduos de uma fusão galáctica”, disse Amina, principal autora do estudo publicado na última quarta-feira (31) na NatureA fusão que levou à formação do halo estelar interno e o disco espesso da Via Láctea.
Em outras palavras, a coleção é o que esperavam de estrelas que eram parte de outra galáxia e foram consumidas pela Via Láctea. Agora, elas formam a maior parte do halo interno da Galáxia – um componente difuso de estrelas velhas que nasceram nas eras primordiais e agora rodeia o volume principal da Via Láctea conhecido como bojo central e disco.
O disco em si é composto de duas partes. A mais fina, com algumas centenas de anos luz de espessura, contém o padrão de braços espirais de estrelas brilhantes. A mais espessa, com alguns milhares de anos luz de espessura, contém entre 10% e 20% das estrelas da Galáxia e suas origens têm sido difíceis de determinar. De acordo com as simulações da equipe, a galáxia absorvida também poderia ter perturbado as estrelas pré-existentes da Via Láctea para ajudar a formar o disco espesso.
Ilustração de resíduos estelares de Gaia-Encélado em fusão com a Via Láctea; posições e movimentos das estrelas de Gaia-Encélado (setas amarelas) são baseadas em simulações de choques similares (ilustração e composição: ESA; simulação: Koppelman, Villalobos e Helmi)
Estrelas que se formam em galáxias diferentes possuem composições químicas únicas que combinam com a galáxia hospedeira. Assim, as estrelas em questão carregam a assinatura química de sua galáxia original.
“Ficamos certos de nossa interpretação apenas após complementar os dados da Gaia com informação adicional sobre a composição química de estrelas, fornecida pela pesquisa APOGEE”, comentou a segunda autora do estudo, Carine Babusiaux, da Universidade  de Grenoble Alpes, na França.
“Esperávamos que as estrelas se fundissem com as [galáxias] satélites no halo”, disse Amina. “O que não esperávamos encontrar era o fato de que a maioria das estrelas do halo de fato tivesse uma origem compartilhada, em uma fusão muito grande.”
Amina explicou que as estrelas nativas da Via Láctea “são grupos bastante homogêneos, o que indica que compartilham uma origem comum”. Por outro lado, “as estrelas mais jovens da Gaia-Encélado são na verdade mais jovens do que as estrelas nativas, sobretudo na região hoje do disco principal.”
Gigante  Os astrônomos chamaram a galáxia de Gaia-Encélado, em homenagem a um dos Gigantes da mitologia grega, da prole de Gaia, a Terra, e Urano, o Céu. “Segundo a lenda, Encélado foi enterrado sob o Monte Etna, na Sicília, e era responsável por terremotos locais. Similarmente, as estrelas de Gaia-Encélado estavam profundamente enterradas nos dados da Gaia e sacudiram a Via Láctea, levando à formação do disco espesso”, comentou Amina.
A equipe também encontrou centenas de estrelas variáveis e 13 aglomerados globulares na Galáxia que seguem trajetórias similares às das estrelas de Gaia-Encélado, indicando que eram parte dela. Aglomerados globulares são grupos de até milhões de estrelas unidas mutuamente pela gravidade orbitando o centro de uma galáxia.
O fato de que tantos aglomerados puderam ser ligados à Gaia-Encélado é outra indicação de que ela deve ter sido uma galáxia grande. Análises mais detalhadas revelaram que era aproximadamente do tamanho de uma das Nuvens de Magalhães – duas galáxias satélites com cerca de um décimo do tamanho atual da Via Láctea.
À época da fusão, porém, a própria Via Láctea era muito menor, de forma que a razão entre as duas estava próxima de quatro para um. Esse foi, portanto, um momento e tanto para a história da Galáxia.
Distribuição celeste de estrelas detectadas na segunda divulgação de dados da missão Gaia; estrelas da galáxia Gaia-Encélado, que se fundiu com a Via Láctea há 10 bilhões de anos, são representadas com diferentes cores conforme sua paralaxe, as mais próximas em roxo e as mais distantes em amarelo; aglomerados globulares com trajetórias similares às dessas estrelas são representados por círculos brancos; estrelas variáveis também associadas a Gaia-Encélado aparecem como estrelas em ciano (ESA/Gaia/DPAC; A. Helmi et al 2018)
“Ver que agora estamos começando a desvendar a história de formação da Via Láctea é muito animador”, disse Anthony Brown, da Universidade de Leiden, na Holanda, co-autor do estudo e presidente do Executivo do Consórcio de Processo e Análise de Dados Gaia.
Desde as primeiras discussões sobre a criação da missão Gaia, 25 anos atrás, um de seus principais objetivos era examinar as várias correntes estelares na Via Láctea e reconstruir sua história primitiva.
“Gaia foi construída para responder tais questões”, diz Amina. “Agora, podemos dizer que esta é a forma como a Galáxia se formou naquelas épocas primitivas. É fantástico. É simplesmente tão lindo e te faz sentir tão grande e tão pequeno ao mesmo tempo.”
“Pela leitura dos movimentos de estrelas espalhadas pelo céu, agora somos capazes de rebobinar a história da Via Láctea e descobrir um marco importante em sua formação e isso é possível graças à Gaia”, comentou Timo Prusti, cientista de projeto da Gaia na ESA.

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