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quarta-feira, 16 de março de 2022

Quão longe pode-se ver com um telescópio amador?

 


Fig. 1 Região do céu na constelação da Virgem que contém o Quasar 3C273, um objeto bem distante que se pode ver com um telescópio amador. Imagem: Chris Cook, 2009. Abmedia.com.
O título deste post é muitas vezes a questão preferida de iniciantes na astronomia amadora. Para quem realmente se inicia no hobby, comprar um pequeno telescópio é a primeira coisa a se fazer. Com tantas opções disponíveis e diante de limitações de orçamento, frequentemente a primeira pergunta é sobre qual o melhor telescópio a se comprar (que cabe no bolso). A segunda é "o que podemos ver com ele e quão longe ele pode ver". Tentamos dar aqui uma resposta que permita ao iniciante saber isso para qualquer tipo de instrumento que pense em adquirir.

A escala de magnitude aparente

Sem querer, muitos iniciantes não sabem que essa pergunta nos leva direto à definição da escala de magnitudes - a maneira como se mede o brilho aparente das estrelas. Dizemos "brilho aparente" porque, obviamente, o quanto uma estrela parece brilhar para nós depende de sua distância. A escala usada para medir esse brilho é uma escala especial porque, quanto mais débil uma estrela for, maior será seu valor de magnitude - a unidade usada para medir brilho aparente, o que é algo que contraria a intuição (ou seja, esperaríamos que o valor numérico crescesse com o brilho).

Suponha que temos duas estrelas, uma com fluxo luminoso F1 e outra com fluxo luminoso F0. A estrela com fluxo F0 é mais brilhante (aparentemente) do que F1. O fluxo luminoso é uma medida de brilho e mede a quantidade luz que cada estrela faz incidir, por exemplo, sobre uma determinada área (pode ser tanto o espelho de um telescópio como a pupila do olho). Importante que se diga: o fluxo luminoso é uma medida diretamente associada ao instrumento usado para se captar a luz. O fluxo luminoso é proporcional, por exemplo, à área de captação - algo mais ou menos semelhante à diferença entre volumes de chuva captados com baldes diferentes. Quanto maior o balde, mais chuva se capta, da mesma forma, quanto maior o diâmetro do instrumento, tanto maior será o brilho aparente que ele causará a um observador - para um mesmo objeto - que fizer uso dele. 

Assim, sem perda de detalhes, apresentamos a escala de magnitudes. Uma estrela com fluxo F1 terá magnitude m1 e a estrela com brilho F0 terá magnitude m0:

m1-m0 = -2,5 log10 (F1/F0)         (Eq. 1)

Nessa fórmula "log10" é logaritmo na base 10, facilmente encontrado em muitas calculadoras.  Tanto F1 como F0 são números positivos e se sabe que o logaritmo de um número menor que 1 é negativo. Portanto, se F1 < F0, a parte direita da equação acima será positiva, de forma que a magnitude do objeto 1 será maior que o objeto 0. Um exemplo ilustrará melhor. Suponhamos que consideramos F0 como sendo o brilho da estrela Vega (α Lyr). Essa estrela tem magnitude aproximadamente igual a zero  (na verdade, para Vega, m0 = 0,03). Uma estrela com um décimo do fluxo de luz de Vega, ou seja F1 = F0/10, terá a magnitude:

m1 = -2,5*log10(0,5) = 2,5

porque log10(0,1) = -1. Portanto, quanto mais fraco o brilho de uma estrela (em comparação à Vega) tanto maior será sua magnitude aparente. Por outro lado, quanto mais brilhante ela for, menor será seu valor, pondendo inclusive ser um valor negativo. Por essa razão, o sol tem magnitude aparente -23, enquanto que a lua é vista como tendo magnitude aparente da ordem de -12. 

Aplicando a equação da escala de magnitudes para instrumentos diferentes

Esse exemplo é uma aplicação da Eq. 1 para diferentes estrelas. Mas, o que poucos sabem é que a Eq. 1 pode ser aplicado ao mesmo objeto como visto por telescópios diferentes. Para ver isso, retornamos ao caso do balde e à quantidade de chuva captada. O fluxo de luz é como o volume de chuva. Mas esse volume é proporcional à área de captação, no caso, o quadrado do diâmetro do balde. Portanto, se temos dois equipamentos com diâmetros diferentes (por exemplo, D1 e D2) então a razão entre os fluxos de luz será dada conforme a relação abaixo:

F1/F2 = (D1/D2)^2

onde ^2 significa que o valor entre parênteses está elevado ao quadrado. A olho nu - ou "a vista desarmada" - a estrela Vega tem magnitude aparente próxima a zero. O olho desarmado tem um diâmetro de pupila (dilatada) máximo da ordem de 6 mm. Se temos um instrumento com 130 mm de diâmetro - e assumindo que não há perdas de reflexão ou nas partes ópticas do instrumento, qual será a magnitude aparente de Vega vista por esse telescópio? Nesse caso, tomamos D1 = 6 mm (olho) e D2 = 130 mm (telescópio). Então (D1/D2)^2 = 0,00213. Chamando m1 a magnitude de Vega vista pelo olho desarmado e m2 a magnitude como vista pelo telescópio e substituindo na Eq. (1) a razão entre os fluxos encontramos:

m2 = 2,5*log10(0,00213) =  -6,67

ou seja, por esse instrumento, a magnitude aparente de Vega será negativa e, portanto, muito mais brilhante do que o planeta Vênus como visto pelo olho desarmado. 

Essa equação pode ser usada para se determinar o diâmetro que um instrumento deve ter para que um objeto visto por ele atinja a magnitude 5,5 - que é a magnitude aparente da estrela mais débil que olho humano adaptado consegue ver. O que temos que fazer? Inverter a equação, colocando na parte esquerda a magnitude aparente de um objeto muito distante. 

Assim, ao invés de dizer que um instrumento de tantos milímetros de diâmetro consegue observar  um objeto a tantos "milhões de anos luz de distância", escolhemos o objeto - no caso podemos aqui usar o quasar 3C 273 que pertence à constelação da Virgem (ver Fig. 1) como exemplo. Esse objeto tem magnitude 12,9. A equação que deve ser resolvida é:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10(6/D2)^2) 

porque, o objeto - com magnitude aparente (a vista desarmada) 12,9 será levado ao limite de visibilidade (5,5) com um instrumento de diâmetro D2 a ser determinado. Para saber esse valor, resolvemos a equação:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10((6/D2)^2) ->
7,4        = -5,0*log10(6/D2)     ->
-1,48      =      log10(6/D2)     ->
10^(-1,48)  = 6/D2                ->
D2 = 6*(1/0,03311)                ->
D2 = 181,2 [mm]

Portanto, um telescópio de aproximadamente 182 mm de diâmetro (aproximadamente 7 polegadas) permitirá a observação do quasar 3C 273 que está localizado a 2,4 bilhões de anos-luz de distância! Observe que, por tal instrumento, esse objeto será visto como uma estrela de magnitude 5,5 - no limite da visão desarmada com a pupila dilatada. Na prática, o observador terá que usar um telescópio com diâmetro um pouco maior (por exemplo, 200 mm) para compensar as perdas de reflexão e absorção na óptica do instrumento e é conveniente evitar a poluição luminosa que reduz o contraste do objeto em relação ao fundo do céu.

Ao se questionar quão longe pode um telescópio ver, servem exemplos de quasares. A tabela a seguir (segundo http://spider.seds.org/spider/Misc/qso.html) é um apanhado deles (com magnitude abaixo de 17,0) que estariam teoricamente ao alcance de amadores.

Designat. Name     RA (2000.0) Dec       Con  mag     z      Notes
0026+129  PG       00:29:13.7 +13:16:04  Psc  14.78   0.142
0405-123  PKS      04:07:48.4 -12:11:37  Eri  14.82v  0.574
0521-365  PKS      05:22:57.9 -36:27:31  Col  14.62v  0.061  BL
0537-441  PKS      05:38:49.8 -44:05:09  Pic  16.48v  0.894     br 12.1
0735+178  OI 158   07:38:07.4 +17:42:21  Gem  14.85v  0.424  BL
0754+100  OI 090.4 07:57:06.7 +09:56:34  Cnc  14.5v          BL
0754+394  1E       07:57:59.9 +39:20:27  Lyn  14.36   0.096 
0851+202  OJ 287   08:54:48.9 +20:06:32  Cnc  14.0v   0.306? BL
1101+384  Mrk 421  11:04:27.3 +38:12:32  UMa  13.5v   0.031  BL br 12.0
1133+704  Mrk 180  11:36:26.8 +70:09:24  Dra  14.49v  0.046  BL
1219+755  Mrk 205  12:21:44.1 +75:18:37  Dra  14.5    0.070
1226+023  3C 273   12:29:06.8 +02:03:07  Vir  12.86v  0.158     br 11.7
1253-055  3C 279   12:56:11.2 -05:47:21  Vir  17.75v  0.538     br 11.0
1351+640  PG       13:53:15.8 +63:45:45  Dra  14.84   0.088
1510-089  PKS      15:12:50.6 -09:06:00  Lib  16.52v  0.361     br 11.6
1514-241  AP Lib   15:17:41.8 -24:22:19  Lib  14.8v   0.049  BL
1634+706  PG       16:34:29.0 +70:31:32  Dra  14.90p  1.334
1652+398  Mrk 501  16:53:52.2 +39:45:37  Her  13.88v  0.034  BL
2155-304  PKS      21:58:51.9 -30:13:30  PsA  13.09v  0.17   BL
2200+420  BL Lac   22:02:43.3 +42:16:40  Lac  14.72v  0.07   BL

O número z da tabela é proporcional à distância. O quasar 3C 273 tem z = 0,158 e magnitude 12,86 e já calculamos qual o diâmetro mínimo para sua observação.  Bem distante é o objeto PG 1634+706 (sobre ele ver: http://quasar.square7.ch/fqm/1634+706.html e a Fig. 2) com z = 1,33, o que corresponde a 9 bilhões de anos luz de distância (ou aproximadamente 4 000 Mpc). Com magnitude visual aparente de 14,9, ele está ao alcance de telescópios amadores de grande diâmetro. O leitor pode repetir os cálculos acima com esse objeto para saber exatamente qual o valor numérico dessa abertura.

Fig. 2 Que tal observar o objeto PG 1634+706 na constelação do Dragão?  Localizado a 9 bilhões de anos luz de distância, esse talvez seja um dos corpos celestes mais distantes que se pode ver com instrumentos amadores. (Créditos: DSS2 /  Mapa de 14´× 14´ /  por S. Karge).

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