Dados recentes sugerem que erros instrumentais podem ter simulado um suposto sinal das primeiras estrelas do Universo.
Representação artística de algumas das primeiras estrelas do Universo. Acredita-se que elas emergiram em uma “alvorada cósmica” centenas de milhões de anos após o Big Bang. Crédito: Nicolle R. Fuller/National Science Foundation
A primeira grande tentativa de replicar a evidência impactante da “alvorada cósmica” – o aparecimento das primeiras estrelas do Universo 180 milhões de anos após o Big Bang – deixou o cenário confuso. Quatro anos depois que radioastrônomos relataram ter encontrado um sinal da alvorada cósmica, o radioastrônomo Ravi Subrahmanyan e seus colaboradores descrevem como fizeram uma antena flutuar em um represa no rio Sharavati, no estado indiano de Karnataka, em busca desse sinal. “Quando procuramos por ele, não o encontramos”, afirma Subrahmanyan, que liderou o trabalho no Instituto Raman de Pesquisa, em Bengaluru, Índia. Os resultados de sua equipe foram publicados na Nature Astronomy em 28/02/2022.
Os achados são “um marco muito importante no campo”, afirma Anastasia Fialkov, física teórica na Universidade de Cambridge, Reino Unido. Ela e outros colegas não estavam convencidos de que os sinais da alvorada cósmica eram reais. Os resultados da equipe do Raman são os primeiros a testar seriamente as observações anteriores, afirma Fialkov. Mas ela acredita que eles ainda não podem descartá-las completamente.
A primeira detecção
Os resultados originais causaram alvoroço nos círculos de cosmologia, pois eram os primeiros a afirmar que descobriram sinais da alvorada cósmica. A luz das estrelas mais antigas no Universo Observável teve que viajar quase 14 bilhões de anos para alcançar a Terra. Assim, até agora, ela é muito fraca para ser vista diretamente com telescópios comuns. Mas radioastrônomos buscam por um efeito indireto usando o espectro de ondas de rádio. A luz ultravioleta das primeiras estrelas deve ter deixado o hidrogênio interestelar, normalmente transparente na maior parte do espectro eletromagnético, levemente opaco em um comprimento de onda de rádio específico.
Em 2018, astrônomos relataram ter visto uma queda no espectro de rádio primordial, centrada em uma frequência de cerca de 78 megahertz. Em seguida, a equipe acreditou tratar-se de evidência da alvorada cósmica. Os pesquisadores usaram um instrumento com o formato de uma mesa de centro no outback australiano, chamado Experimento para Detectar a Época Global de Assinatura de Reionização (em tradução livre; EDGES, na sigla em inglês).
Mas o sinal do EDGES parecia ser bom demais para ser verdade. A queda no espectro era mais profunda e larga do que as teorias cosmológicas previam. Para explicar o tamanho deste sinal, físicos teóricos propuseram uma gama de mecânicas exóticas, como a presença de partículas elementares anteriormente desconhecidas, com cargas elétricas milhares de vezes menores que a de um elétron.
Diversos outros pesquisadores mostraram-se preocupados, enfatizando a dificuldade de encontrar a assinatura de rádio da alvorada cósmica. As ondas de rádio do Universo jovem são “afogadas” pela cacofonia de ruído produzida por fontes pela galáxia, que são milhares de vezes mais intensas. Procurar por sinais primordiais no espectro é comparável a tentar encontrar silhuetas de árvores no topo de uma montanha a milhares de quilômetros de distância, explica Saleem Zaroubi, astrofísica na Universidade de Groningen, na Holanda.
Para subtrair o espectro galáctico corretamente, pesquisadores têm de calcular com precisão a maneira como seu instrumento e o ambiente ao redor respondem a diversos comprimentos de onda de rádio, também conhecido como “sistemática” do experimento. Por exemplo, a equipe do EDGES trabalhou duro para modelar os efeitos causados pelo solo do deserto no Observatório de Radioastronomia de Murchison, no oeste da Austrália, e passou dois anos revisando os dados antes de publicá-los. Mas alguns cientistas ainda não estavam convencidos.
Novos experimentos
Desde então, diversos experimentos competidores vêm tentando checar as descobertas do EDGES. Em uma tentativa de escapar da confusão gerada pela interferência de frequências de rádio de atividades humanas – em particular de estações de rádio FM – as equipes montam antenas em algumas das regiões mais remotas da Terra.
Subrahmanyan – agora na CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation) em Perth, Austrália – optou pela abordagem inovadora de ir sobre as águas. Ele e sua equipe foram para lagos na Índia para fazer flutuar diversas encarnações de seu instrumento, chamado de Medição do Espectro de Fundo de Rádio de Antena Formatada (SARAS, na sigla em inglês). A SARAS tinha um formato cônico com o objetivo de facilitar o cálculo de sua resposta a ondas de rádio, e a água abaixo significa que a equipe não precisou lidar com a estrutura incerta ou com as propriedades de rádio do terreno.
“Eu fiquei impressionado pela esperteza que eles aplicaram no design do instrumento”, afirma Lincoln Greenhill, radioastrônomo no Centro Harvard–Smithsonian para Astrofísica, em Cambridge, Massachusetts (EUA).
A equipe do SARAS inicialmente experimentou em lagos de alta altitude, mas a água ou tinha muito sal, ou pouco muito sal, o que afetava como ela transmitia ondas de rádio. Eventualmente, os pesquisadores encontraram perto de casa um lago com a salinidade ideal. Eles coletaram dados com uma antena chamada SARAS 3, flutuada em um bote de isopor em uma represa ao longo do lago Sharavati, em março de 2020.
Subrahmanyan afirma que os resultados da SARAS 3 eliminam a detecção de sinais da alvorada cósmica do EDGES. “No que nos diz respeito, ela não é astrofísica”, afirma ele. A causa da queda nas medições observada pelo EDGES é, possivelmente, um erro instrumental, notam os autores em seu artigo. No entanto, Subrahmanyan afirma que é difícil especular sobre que tipo de efeito poderia produzir o resultado de 2018.
Ainda não acabou
“Estamos felizes em ver a SARAS 3 funcionando bem e capaz de fazer medições nos níveis necessários para busca de sinais espectrais similares aos que encontramos nas observações do EDGES”, afirma Judd Bowman, astrônomo na Universidade do Estado do Arizona em Temple (EUA), e cientista líder do EDGES. Mas Bowman não está convencido que a SARAS 3 eliminou os resultados de sua equipe. “Esses são instrumentos desafiadores e muitos dos problemas sistemáticos que podem afetar o EDGES também podem ocorrer para a SARAS 3”, afirma ele.
A equipe da SARAS não bateu o martelo nas descobertas do EDGES, afirma Cynthia Chiang, radioastrônoma na Universidade McGill em Montreal, Canadá. “Longe disso”, afirma ela. Chiang lidera um experimento que busca detectar sinais da alvorada cósmica nas Ilhas do Príncipe Eduardo, na costa da África do Sul. Ela também está envolvida em um experimento no Ártico canadense e em um outro que talvez seja montado nos Andes chilenos.
Diversos outros trabalhos estão em andamento, e mais estão iniciando. Subrahmanyan está começando um novo experimento no CSIRO, e seu antigo colaborador em Raman, o cosmólogo experimental Saurabh Singh, irá continuar os testes em uma nova antena SARAS. Singh também está participando de uma proposta na Organização de Pesquisa Espacial Indiana para uma espaçonave que poderia escapar da interferência na frequência de rádio da Terra ao conduzir medições no lado distante da Lua. Qualquer que seja o destino das observações do EDGES, Singh afirma que a equipe por trás delas merece crédito por reaver o interesse na alvorada cósmica. “Ela reviveu essa área de pesquisas”, afirma ele.
Fonte: sciam.com.br
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