Telescópios são na verdade filtros de luz. O objetivo principal em termos de funcionalidade de um sistema telescópico é aumentar a quantidade de luz (e não o tamanho da imagem) proveniente de um objeto. Como tudo na Natureza, isso tem um custo. Esse custo vem em forma de uma limitação na capacidade de distinguir objetos localizados muito próximos, ou seja, separar a imagem de duas “fontes ideais” localizadas arbitrariamente próximas uma da outra.
O que acontece quando a luz proveniente de um objeto distante (em particular uma estrela) atinge o telescópio ? As frentes de onda que contêm informação sobre a estrela são distorcidas pelo sistema óptico. No caso dos telescópios refletores, as frentes de onda são obrigadas a convergir para um ponto, o ponto focal.
Fig. 2 A imagem de uma estrela é formada pela reflexão e “difração” das frentes de onda na superfície de um espelho refletor (no caso de telescópios refletores). |
Acontece que o espelho tem uma dimensão finita. Nas bordas do espelho acontece um fenômeno que revela a natureza ondulatória da luz: as frentes de onda originais são “difratadas” (Fig. 2). Essa difração não permite que a imagem final reproduza com todos os detalhes a imagem original da estrela. Por causa disso, não é possível, por exemplo, ver detalhes na superfície da estrela. É possível ver que, se as frentes de onda originais forem distorcidas – como no caso dentro da atmosfera terrestre – a imagem é severamente piorada. Quaisquer outros meios ópticos que se interponham entre o espelho e a estrela distante causam distorção na imagem formada no ponto focal do espelho. Com telescópios de lentes – no caso dos refratores – também ocorre difração da luz nos cantos da lente.
Para descrever com precisão o processo de passagem da frente de onda pelo espelho do telescópio, precisamos de ter em mãos uma teoria que trate esse sistema. Em óptica é possível separar dois aspectos do fenômeno: um ligado a descrição da trajetória dos raios de luz desde a estrela, reflexão no espelho e convergência ao ponto focal; e outro ligado aos efeitos de difração. Isso colocado, as considerações aqui feitas se aplicam a qualquer sistema óptico com “abertura” circular e com diversos tipos de arranjos de obstrução. Para calcular a imagem por eles formada, é suficiente descrever a parte ondulatória (difrativa) da formação de imagem. As imagens reproduzidas de estrelas correspondem ao que se pode ver por sistemas bem colimados próximos ao "eixo óptico" do sistema.
Telescópios de espelho fazem uso, em geral, de suportes especiais para os espelhos secundários ou apresentam furações na superfície do espelho principal. Como é a imagem de uma estrela formada por diferentes tipos de arranjo de suporte? Neste post vamos descrever isso através de simulações numéricas. Isso porque é possível calcular a imagem de uma estrela, usando a teoria da óptica física.
Em primeiro lugar, vemos na Fig. 1 uma imagem produzida por um sistema do tipo "refrator", sem obstáculos ou perfurações. Para se observar uma imagem como essa é necessário que a atmosfera esteja límpida, com baixos gradientes de temperatura – como no caso da condição atmosfera após uma forte chuva. A Fig. 1 mostra o chamado disco de “Airy”, que em óptica física é a própria “função de ponto espalhado” (point spread function) do instrumento. Com essa função é possível – também por meio de computadores – simular a imagem de qualquer objeto extenso (como no caso de planetas). Ela é caracterizada por um disco central, circulado por uma série de “anéis”, conhecidos como “anéis de difração”.
Mas, essa imagem não aparece em outros tipos de instrumentos. Por exemplo, suponhamos um telescópio Newtoniano com suporte de secundário "simples", como mostrado na Fig. 4(a). Essa é a imagem que alguém vê ao olhar através do suporte da ocular de um telescópio Newtoniano com a ocular removida. Nesse caso, a imagem formada de uma estrela será de um ponto ladeado por dois "riscos" que, se ampliados, revelam a formação de uma figura de difração com vários anéis e "espículas" de difração. Isso está mostrado na Fig. 4(c).
Fig. 4 Perfil de sombra projetada no espelho secundário de um telescópio Newtoniano (a). Imagem de uma estrela (b). Imagem ampliada de contraste aumentado do padrão de difração (c). |
Se o suporte form em "aranha", ou seja, um conjunto de três hastes distantes 120 graus que tem o secundário no centro (Fig. 5(a)), o perfil será como mostra a Fig.5(b). Essa imagem é a da clássica estrela de seis pontas. Observe que como cada haste produz duas espículas separadas por 180 graus, três hastes produzirão seis espículas separadas por 60 graus cada uma. Pode-se apreciar com mais detalhes as espículas de difração ampliadas como vistas pelo sistema da Fig. 5(a) na Fig. 6(a). Essa é uma imagem com intensidade aumentada de uma estrela como vista por um telescópio refletor do tipo Newtoniano contendo um suporte em aranha.
Fig. 5 (a) Perfil de suporte secundário em aranha. (b) Imagem estelar formada. |
Efeito da difração: estrelas duplas.
Nas imagens simuladas acima, não levamos em consideração o efeito da turbulência atmosférica. Isso é bastante característico, porém, basta tentar observar uma estrela por um telescópio em uma noite qualquer; dificilmente a atmosfera estará calma o suficiente para resultar nas imagens como mostradas anteriormente. Em noites límpidas, haverá instantes de estabilidade em que se poderá contemplar imagens muito semelhantes às aqui apresentadas.
O maior efeito da difração ocorre na observação de estrelas duplas. Em geral, estrelas duplas ou binárias são estrelas que parecem muito próximas, tão próximas que não é possível separar cada elemento a vista desarmada. Usando telescópios de determinadas dimensões e grandes aumentos isso é possível, dependendo da distância "aparente" entre cada estrela e da diferença de brilho entre elas. A Fig. 7 mostra uma simulação de uma "dupla cerrada" ou binária próxima ao chamado "limite de Dawes". Esse limite estabelece a distância angular aparente a partir da qual duas estrelas começam a ser separadas. Cada figura mostra versões de imagem em diferentes tipos de telescópio, como explica a legenda. O que acontece se a companheira for menos brilhante que a outra? Isso está mostrado na Fig. 8. Nessa simulação, uma estrela duas magnitudes abaixo de sua companheira principal (que tem maior brilho) é mostrada através de dois telescópios diferentes conforme explica a figura.
Fig. 8 Mesmo caso que Fig. 8, porém a estrela secundária está duas magnitudes abaixo da primária. (a) Imagem por um refrator. (b) Imagem por um refletor com suporte em "aranha". |
Devemos deixar claro que os perfis reproduzidos só são realmente observados em instrumentos muito bem colimados (com óptica boa) e em condições de observação excepcionais. Isso muitas vezes é difícil de se conseguir na prática. As imagens simuladas mostram o perfil de intensidade para uma componente de frequência da luz apenas. Entretanto, variações no comprimento de onda da luz provocam uma mudança muito pequena na posição dos principais máximos e mínimos de difração, de forma que as simulações são uma excelente aproximação para o que se pode ver.
Nesse post apresentamos uma sequência de simulações numéricas de imagens de estrelas em telescópios de diferentes tipos para condições de atmosfera com turbulência nula. A abertura do telescópio funciona como um grande filtro de Fourier sendo que a imagem de um objeto pontual (como no caso de uma estrela) é a própria transformada da abertura (a conhecida função de Airy). A formação da imagem de objetos extensos pode ser pensada como a interferência de multiplas fontes que formam o objeto (nas quais ele pode ser dividido). Essa fonte fundamental é conhecida em inglês
com “point spread function” e é fundamental na análise e processamento de imagens astronômicas. As simulação aqui apresentadas foram feitas usando uma planilha .mcd do software MathCAD (versão 2000)
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