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quarta-feira, 16 de março de 2022

A questão dos nomes astronomia, astrofilia e o significado da astronomia amadora.

 

D. Pedro II (1825-1891)
No dia 2 de Dezembro é conhecido nacionalmente como 'dia do astrônomo'. Esse é também o dia de nascimento de Pedro de Alcântara ou D. Pedro II que é reconhecido (merecidamente) como patrono da astronomia brasileira. Sempre nesse dia surge a dúvida se a comemoração deve incluir não somente os astrônomos profissionais mas os amadores também. Para tentar resolver a dúvida, devemos antes discutir um pouco sobre o significado próprio dos nomes usados para designar a ciência da astronomia e a prática da observação do céus "sem compromisso", como realizada por amadores.

Por que as ciências que estudam fenômenos, ocorrências relacionados à vida se chama "biologia", e aquela que estuda fenômenos e ocorrências relacionados aos astros se chama "astronomia"? Além disso, não se fala em uma 'física amadora' ou uma 'biologia amadora'; não se ouve falar (em clubes) de 'físicos amadores' ou 'biólogos amadores', então, porque existiria 'astronomia amadora'? 

A julgar pela disposição das palavras, o certo seria substituir "astronomia" por "astrologia" (no mesmo sentido de "biologia"), enquanto que o significado presente de "astrologia" deveria ser "astromancia" (de 'mancia' que significa 'adivinhação, ou seja, a astromancia seria a prática da adivinhação futura pela observação dos astros). 

O mesmo ocorre com o uso do temo 'astrônomos amadores' para designar pessoas que têm interesse diletante pelos astros. De fato, a astronomia amadora nada tem de científica na acepção correta desse termo porque a atividade dos 'astrônomos amadores' apenas guarda com os astrônomos profissionais o objeto da observação dos astros. Astrônomos amadores, com raríssimas exceções, não estão envolvidos com o desenvolvimento ou exploração ativa de um paradigma científico ou teorias criadas para explicar fenômenos celestes.

De fato, pode-se destacar três "áreas de atuação" para astrônomos amadores:
  1. Especialização na aquisição de imagens de corpos celestes por meio de equipamentos construídos amadoristicamente ou adquiridos no mercado. São os "imagers" em inglês;
  2. Dedicar-se ao ensino e divulgação de astronomia para crianças, jovens e adultos;
  3. Colaborar com alguma campanha de observação no levantamento de dados em rede para uso por profissionais (estrelas variáveis, cometas, análise de dados online de projetos de 'big science': telescópios espaciais etc) ;
Recentemente, surgiu uma quarta classe de 'interessados em astronomia', que não observam nada no céu, mas passam horas na frente de computadores replicando mensagens e textos de material sobre astronomia e imagens astronômicas. De qualquer forma, a chance de uma contribuição efetiva ao progresso da ciência astronômica só é relevante com o terceiro grupo listado acima e, mesmo assim, na dependência das descobertas serem validadas por algum profissional.

Apenas porque têm um interesse diletante pelo céu, quando chegam mesmo a desenvolver algumas técnicas de observação, ou se valem de recursos tecnológicos semelhantes a de astrônomos profissionais, não os coloca no mesmo patamar de atividade desses últimos...

Porém, muitos diletantes em astronomia amadora acabam fazendo eco a vozes do cientificismo ingênuo de nossa época e pregam uma 'religião cética', quando pretendem extrapolar as descobertas específicas da ciência astronômica para qualquer outro fenômeno. Mas,  ciência de verdade nada tem a ver com esse cientificismo. Ciência é uma atividade complexa, que exige anos de treinamento e dedicação e que não se resume a tirar algumas fotos do céu ou fazer um relatório de observação.

Mas, existiria um nome mais preciso para designar a prática da astronomia amadora conforme as três classes descritas acima? Uma boa sugestão seria talvez um neologismo como 'astrofilia': astrônomos amadores seria 'astrófilos' ou praticantes da 'astrofilia' (sem o termo amador adicional, 1).

O fato é que, consagrado pelo uso e sem nenhuma referência à lógica da semântica original dos radicais, a atividade de 'astronomia amadora' está incorporada em parte ao imaginário popular como uma prática científica, mas ela verdadeiramente não é. Isso não muda em nada o fato de que as comemorações do dia 2 de dezembro devem, merecidamente, abarcar todo os interessados, sejam eles profissionais ou meros amantes do céu.

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