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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Para onde foi a atmosfera marciana?


Essa é uma das questões mais intrigantes a respeito do planeta vermelho. Sabemos que houve água em Marte no passado. Não faltam evidências a respeito. Várias características em sua superfície mostram isso: vales extensos, planícies alisadas por grandes enchentes e até mesmo crateras inundadas em tempos remotos, por exemplo. Outras evidências mostram que há água no subsolo marciano ainda hoje. Em alguns casos um pouco dessa água aflora, mas rapidamente se evapora por causa da baixíssima pressão atmosférica, mas deixa para trás marcas na superfície que permitem deduzir sua presença. Isso sem mencionar a água aprisionada sob a forma de gelo nos polos marcianos. A maior parte do gelo nos polos é composta por gelo de gás carbônico, o nosso famoso gelo seco, mas tem gelo de água também.  Só que quantidade de água no passado era muito maior do que imaginamos existir hoje em Marte e a grande pergunta é, para onde ela foi. A reposta passa por saber para onde foi a atmosfera marciana. Para a água se manter em estado líquido é preciso que a pressão atmosférica seja alta o suficiente para que ela não se evapore imediatamente. 

E essa pressão não precisa ser tão alta assim, veja que basta uma pressão similar à da Terra, até um pouco menos. Claro que a temperatura tem um papel fundamental, mas com atmosfera densa e um pouco de efeito estufa a temperatura em Marte seria alta o suficiente para manter água líquida em boa parte do planeta. E o que houve com a atmosfera? A NASA enviou uma sonda em 2014, chamada MAVEN, com o propósito de investigar a fuga de gases atualmente no planeta vermelho e com isso teorizar sobre o que pode ter acontecido no passado.

Assim que a MAVEN entrou na órbita de Marte, enviou algumas fotos mostrando o planeta literalmente evaporando em hidrogênio e oxigênio. Recentemente, outras imagens mostraram como essa evaporação se altera com as tempestades solares. Esse processo ocorre na Terra, por exemplo, mas ele não é suficiente para alterar significativamente nossa atmosfera. Algum processo em Marte deve ter ajudado a melhorar a evaporação de sua atmosfera.

Essa semana, em um trabalho publicado na Nature Astronomy, Nicolas Heavens e seus colaboradores mostram como esse processo de evaporação pode receber uma ajudinha das tempestades de areia. Marte tem tempestades de areia frequentemente. Elas acontecem em escalas locais, algumas bem grandes e chegam a durar alguns meses. Lembra daquela tempestade no filme Perdido em Marte? A intensidade ali foi exagerada, mas ao meu ver ela durou muito pouco em relação às tempestades reais. Como a atmosfera marciana é bem rarefeita, a poeira fica muito mais tempo em suspensão. 

Mas o fato é que algumas vezes uma tempestade local pode encontrar condições favoráveis e se tornar uma tempestade global. Foi assim em 1977, 1982, 1994, 2001 e 2007. Essa foto de Marte foi obtida pelo telescópio espacial Hubble antes e durante a grande tempestade de 2001, o planeta inteiro ficou coberto por poeira por mais de um mês.

Analisando os dados das tempestades locais, Heavens e seus colaboradores perceberam que nessas ocasiões o vapor d’água é carregado para uma altura entre 50 e 100 km. A essa altura a ação dos raios ultravioleta é mais intensa e as moléculas de água são quebradas rapidamente formando hidrogênio e oxigênio. Em estado livre os dois gases rapidamente se perdem no espaço, principalmente o hidrogênio que é muito leve. 

E uma parte do oxigênio pode retornar para a superfície e pode ser capturado pelo ferro das rochas marcianas, formando o óxido de ferro, a popular ferrugem, que deixam a superfície de Marte com a cor alaranjada. Uma tempestade local já ajuda na fuga dos gases da atmosfera e o que a pesquisa sugere é que uma tempestade global deve fazer esse mecanismo ficar ainda mais eficiente ao jogar vapor d’água na alta atmosfera no planeta inteiro. Uma maneira de testar? Esperar por uma tempestade global.

As tempestades de areia locais costumam ocorrer durante a primavera e verão do hemisfério norte, situação que deve acontecer neste ano e, como um ano marciano é quase dois anos terrestres, deve se estender por 2019. Modelos climáticos de Marte sugerem que há grandes chances de uma tempestade local crescer o suficiente para encobrir o planeta no final de 2018 e durar até o início de 2019. É isso o que os autores da pesquisa estão torcendo, pois desde 2007 não houve nenhuma tempestade global e a MAVEN ainda não testemunhou nada assim.

Mas é uma situação curiosa, é tipo torcer para o paciente ficar piorar para confirmar o diagnóstico. Uma tempestade global poderia arruinar o jipe Opportunity que opera com painéis solares e atrapalharia até mesmo o Curiosity, mesmo abastecido por uma bateria nuclear. Uma tempestade global colocaria em risco o pouso da sonda InSight que está programado para acontecer no fim de novembro. Mesmo que ela consiga pousar, ela também iria sofrer por depender de energia solar para operar. O timing para uma tempestade global não é dos melhores, mas certamente ela deve acontecer em algum momento e a teoria de Heavens e seus amigos será testada.

Mas isso não resolve o problema. A quebra das moléculas de água por raios UV, mesmo que impulsionada pelas tempestades de areia, não deve ter sido o único mecanismo responsável pela perda da atmosfera marciana. Descobrir quais são esses mecanismos é o papel da MAVEN e das sondas planejadas para os próximos anos.
Fonte: G1

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