Estrelas de nêutrons são tão regulares que também são conhecidas como pulsares. Só que às vezes esses astros ficam impulsivos e saem do compasso.
No jargão gamer, glitch é uma falha na transmissão ou processamento de dados, resultando em comportamentos inesperados para um jogo: o personagem pode começar a se mover de forma bizarra, a trilha sonora perde a linha ou a imagem fica toda distorcida e ilegível. Por definição, um glitch sempre ocorre de maneira súbita e sua causa é desconhecida, mas o erro costuma ser causado por uma quebra acidental do código — algo que os programadores chamam de bug. Nos últimos anos, o termo tem se espalhado para outros setores. Nas artes gráficas, a estética glitch — que aplicamos à concepção artística da abertura — é a exploração deliberada de erros de processamento ou formação de imagens, que acabam ficando pontilhadas, borradas ou com brilhos estourados. Mas a astrofísica também descobriu glitchs naturais.
Uma estrela de nêutrons é como um game moderno: pesada e densa mas de funcionamento muito regular. Quando existe, o movimento giratório dessa estrela é tão preciso e tem intervalos tão curtos que o fenômeno é chamado de pulsar. Só que nem esses astros pós-apocalípticos — que nascem após uma supernova esmagar os prótons e elétrons de uma estrela, formando uma esfera maciça de nêutrons — são perfeitos. Tal como um game moderno, algumas estrelas de nêutrons também dão pau. Esse tipo de acontecimento tem sido chamado de glitch pelos astrofísicos.
Se um glitch tecnológico é marcado pelas distorções de forma e função, um astrofísico é parecido. Um pulsar com glitch tem deformações súbitas no seu ritmo de rotação, que se acelera brevemente antes de voltar ao normal. Só 5% das estrelas de nêutrons ficam bugadas dessa forma. Uma delas é o Pulsar de Vela, situado a 1000 anos-luz de nós nos céus do hemisfério sul.
Os glitchs de Vela são ainda mais incomuns, pois têm regularidade: observa-se uma ocorrência a mais ou menos cada três anos. Os casos mais recentes foram registrados em 2016. Com base nesses dados, registrados pelo rádio-telescópio de Mount Pleasant, na Tasmânia (Austrália), uma equipe internacional de astrônomos e astrofísicos propõe uma explicação para o glitch estelar.
Liderados pelo Dr. Greg Ashton, da Monash University (Austrália), os pesquisadores analisaram os dados e perceberam que, durante um glitch, o Pulsar de Vela passa a girar ainda mais rápido. Essa impulsividade do pulsar é causada pela estrutura da estrela de nêutrons, segundo estudo recém-publicado na Nature Astronomy.
O descompasso seria uma evidência de uma estratificação no interior do pulsar, que não seria tão homogêneo quanto se pensa. Em vez disso, haveria pelo menos duas camadas de nêutrons com consistências distintas. O glitch acontece quando a camada superfluida de nêutrons no interior da estrela começa a se movimentar mais rápido e tenta subir à superfície. Só que no caminho existe uma crosta rígida de nêutrons. Quando as duas camadas se chocam, o pulsar ganha velocidade, girando mais rápido do que o normal. A aceleração extra é anulada por outra camada superfluida, que toma o lugar da primeira. Desse modo, o astro volta a girar com a mesma precisão de sempre.
Segundo Ashton e seus colaboradores, esse mecanismo por trás dos glitchs já foi proposto diversas vezes na literatura especializada. O que acontece em Vela, dizem os autores, é a primeira evidência empírica da explicação teórica para esse comportamento. Ironicamente, como num game bugado, os dados de observação não se encaixam perfeitamente com a teoria. Uma esquisitice notada em Vela é que, logo antes de entrar em glitch, a estrela parece frear sua própria rotação.
Ashton et al. não têm explicação para essa frenagem, mas suspeitam que ela pode estar na raiz do glitch desta e talvez de outras estrelas de nêutrons. Ou isso ou o próprio telescópio é que ficou bugado num momento crucial. Assim, espera-se que novas observações sejam ser realizadas, de preferência por outras equipes, com outros equipamentos e em outras estrelas.
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