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domingo, 14 de junho de 2020

Astrônomos amadores se destacam no mapeamento do espaço

 Observatório espacial Kepler é uma das ferramentas mais poderosas para a análise de corpos além do Sistema Solar. A partir de suas capturas, os computadores da Nasa analisam uma quantidade gigantesca de dados em busca de padrões que identifiquem planetas de tamanho semelhante ao da Terra. Mas é um projeto civil, capitaneado pela Universidade de Yale em parceria com a Zooniverse, que ganhou repercussão recentemente por apostar que o olho humano é essencial nessa tarefa. A julgar por avanços protagonizados por astrônomos amadores nos últimos meses, o site Planet Hunters pode se tornar uma tendência - e garantir a qualquer um a possibilidade de participar desse novo mapeamento espacial. Mais de 100 mil usuários já contribuíram com a plataforma. "É uma época empolgante para ser um pesquisador de exoplanetas!", comemora John Brewer, estudante de doutorado em astronomia da Yale que criou o software embrionário do projeto Planet Hunters, inaugurado em dezembro de 2010. Conforme Brewer, qualquer um pode participar. "É preciso um grande esforço para escrever software tão bom quanto o olho humano em identificar padrões sutis", explica. "Ao tentar descobrir a trajetória do planeta você está, na verdade, olhando apenas para um periódico enfraquecimento da luz de uma estrela com uma forma característica. Acontece que os nossos olhos são muito bons nessa tarefa, e precisa pouco treinamento para qualquer um se tornar proficiente".
 
No ano passado, um planeta com quatro sóis, descoberto pelas análises do Planet Hunters, foi registrado como PH1, homenagem ao projeto. Ao todo, o site gerou cinco trabalhos científicos, com diversas descobertas - muitas não detectadas pela equipe da Nasa. Em janeiro, um trabalho liderado por Ji Wang apresentou 42 descobertas (Wang e Al, 2013), uma delas já confirmada como um planeta orbitando a zona habitável (onde pode haver água) de sua estrela. Conforme Brewer, embora o planeta seja um gigante gasoso, como Júpiter, é possível que tenha uma lua grande o suficiente para possuir atmosfera e ser habitável. No início, eu não tinha certeza de como o Planet Hunters se sairia contra algoritmos de computadores. Mas estamos descobrindo que os 'caçadores de planetas' são ainda mais eficazes em encontrar trajetórias de longo período, nas quais planetas habitáveis poderiam residir", revela Debra Fischer, uma das fundadoras do projeto e professora de astronomia da Yale. "Nós precisamos começar a catalogar os planetas. Assim que tivermos nomes e endereços, podemos começar a visitá-los - ou, ao menos, mirá-los para procurar sinais de vida".

Inundação de dados
Segundo Augusto Damineli, professor da pós-graduação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), os astrônomos profissionais estão "inundados com dados". Ele acredita que trabalhos de amadores possam não apenas complementar o trabalho de profissionais, mas também sugerir novas direções e descobertas: "Eles precisam interpretar e modelar os dados que colhem, sob o risco de que ninguém faça isso. Os dados não falam nada por si só, da mesma forma que um monte de tijolos não resulta uma bela casa. Precisam de um arquiteto".

Exércitos de mentes
De acordo com Damineli, astrônomos amadores tendem a se tornar ainda mais importantes na próxima década. Isso porque, no próximo ano, começa a construção do Large Synoptic Survey Telescope (LSST), telescópio de 6,4m de diâmetro, de grande campo, que será instalado no Chile e filmará o céu profundo periodicamente, cobrindo todo o céu visível. O professor afirma que serão gerados centenas de alarmes de descobertas de variabilidade a cada noite. "Serão necessários exércitos de mentes para interpretar esses fenômenos, pois os profissionais não serão suficientes para essa tarefa. Devemos montar equipes de amadores, com softwares adequados, dedicados a regiões do céu ou a tipos de variabilidade para dar conta do recado", adverte. Esse telescópio poderoso, que produzirá ainda mais dados para cientistas já sobrecarregados, deve entrar em operação completa em 2022.

Colaboração
Conforme o professor, apesar da recente evidência, amadores sempre desempenharam função importante no desenvolvimento da astronomia. "Esse papel foi crucial na época dos primeiros telescópios e primeiros espectrógrafos (anos 1800-1900). Mesmo na era dos grandes telescópios, os amadores ocupam nichos variados, desde a observação visual e imageamento com câmaras CCD montadas em pequenos telescópios (caso dos corpos do sistema solar) até a descoberta de estrelas variáveis (sistemas duplos, explosões de novas e supernovas) e espectroscopia", aponta Damineli. Essa troca de informações entre amadores e profissionais parece ter se tornado mais fácil com a internet e suas ferramentas. "Na verdade, só precisa de alguém com paciência, olhar atento e interesse em colaborar com a ciência", garante Brewer. Caso mais incentivo seja necessário, Damineli define assim o interesse pelo espaço: "O cosmos é um laboratório de física imenso (infinito?) e, a cada avanço teórico ou observacional, se revela mais surpreendente do que a própria ficção".

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