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domingo, 22 de maio de 2022

Pedra extraterrestre trouxe à Terra as primeiras evidências tangíveis de uma supernova

 


Amostras da pedra extraterrestre Hipátia ao lado de uma pequena moeda. Crédito: Jan Kramers 

Nova química "forense" indica que a pedra chamada Hipátia, do deserto egípcio, pode ser a primeira evidência tangível encontrada na Terra da explosão de uma supernova do Tipo Ia. Estas raras supernovas são alguns dos eventos mais energéticos do Universo. 

Esta é a conclusão de um novo estudo publicado na revista Icarus, por Jan Kramers, Georgy Belyanin e Hartmut Winkler da Universidade de Joanesburgo e outros. Desde 2013, Belyanin e Kramers descobriram uma série de pistas químicas altamente invulgares num pequeno fragmento da pedra de Hipátia. 

Na nova investigação, eles eliminam "suspeitos cósmicos" para a origem da pedra num processo meticuloso. Juntaram uma linha temporal que se estende até às fases iniciais da formação da Terra, do nosso Sol e dos outros planetas do nosso Sistema Solar. 

Uma linha temporal cósmica 

A sua hipótese sobre a origem de Hipátia começa com uma estrela: uma estrela gigante vermelha colapsou numa estrela anã branca. O colapso teria acontecido dentro de uma gigantesca nuvem de poeira, também chamada de nebulosa. Essa anã branca encontrava-se num sistema binário com uma segunda estrela. A anã branca acabou por "comer" a outra estrela. A certa altura, a anã branca "esfomeada" explodiu como uma supernova do Tipo Ia dentro da nuvem de poeira. 

Após o arrefecimento, os átomos de gás que restavam da supernova do Tipo Ia começaram a aderir às partículas da nuvem de poeira. "De certa forma, poderíamos dizer que 'apanhámos' uma explosão de supernova do Tipo Ia 'em flagrante', porque os átomos de gás da explosão foram apanhados na nuvem de poeira circundante, que eventualmente formou o corpo parente de Hipátia," diz Kramers. Uma enorme "bolha" desta mistura de poeira e átomos de gás da supernova nunca interagiu com outras nuvens de poeira. 

Milhões de anos depois e eventualmente a "bolha" tornar-se-ia lentamente sólida, um aglomerado cósmico de poeira. O "corpo parente" de Hipátia tornar-se-ia uma rocha sólida, algures nas fases iniciais da formação do nosso Sistema Solar. Este processo aconteceu provavelmente numa parte exterior fria e calma do nosso Sistema Solar - na nuvem de Oort ou na cintura de Kuiper. 

A um determinado ponto, a rocha mãe de Hipátia começou a deslocar-se para a Terra. O calor da entrada na atmosfera, combinado com a pressão do impacto no Grande Mar de Areia, no sudoeste do Egipto, criou microdiamantes e estilhaçou a rocha mãe. A pedra de Hipátia apanhada no deserto deve ser um dos muitos fragmentos do impactor original. 

"Se esta hipótese estiver correta, a pedra de Hipátia seria a primeira evidência tangível na Terra de uma explosão de supernova do Tipo Ia. Talvez igualmente importante, mostra que uma 'parcela' individual anómala de poeira do espaço exterior poderia na realidade ser incorporada na nebulosa solar da qual o nosso Sistema Solar foi formado, sem estar completamente misturada," diz Kramers. "Isto vai contra a visão convencional de que a poeira a partir da qual o nosso Sistema Solar foi formado foi completamente misturada." 

Três milhões de volts para uma amostra minúscula 

Para reconstituir a linha temporal de como Hipátia pode ter-se formado, os investigadores utilizaram várias técnicas para analisar a estranha pedra. Em 2013, um estudo dos isótopos de árgon mostrou que a pedra não se formou na Terra. Tinha de ser extraterrestre. Um estudo de 2015 sobre gases nobres no fragmento indicou que pode não ser de nenhum tipo conhecido de meteorito ou cometa. 

Em 2018, a equipa da Universidade de Joanesburgo publicou várias análises, incluindo a descoberta de um mineral, o fosfeto de níquel, não encontrado em qualquer objeto do nosso Sistema Solar. Nessa fase, Hipátia estava a revelar-se difícil de analisar mais a fundo. Os traços de metais que Kramers e Belyanin procuravam não podiam ser realmente "vistos em detalhe" com o equipamento que tinham. Precisavam de um instrumento mais poderoso que não destruísse a pequena amostra. 

Kramers começou a analisar um conjunto de dados que Belyanin tinha criado alguns anos antes. Em 2015, Belyanin tinha feito uma série de análises sobre um feixe de protões nos Laboratórios iThemba em Somerset West. Na altura, o Dr. Wojciech Przybylowicz manteve a máquina de três milhões de volts a zumbir. 

Em busca de um padrão 

"Em vez de explorar todas as incríveis anomalias que Hipátia apresenta, quisemos explorar se existe uma unidade subjacente. Queríamos ver se existe algum tipo de padrão químico consistente na pedra," diz Kramers. Belyanin selecionou cuidadosamente 17 alvos na minúscula amostra para análise. Todos foram escolhidos por estarem bem longe dos minerais terrestres que se tinham formado nas fendas da rocha original após o seu impacto no deserto. 

"Identificámos 15 elementos diferentes em Hipátia com muito maior precisão, com a microssonda de protões. Isto deu-nos os 'ingredientes' químicos de que precisávamos, para que Jan pudesse dar início ao próximo processo de análise de todos os dados," diz Belyanin. 

O feixe de protões também exclui o Sistema Solar 

A primeira grande pista nova da análise do feixe de protões foi o nível surpreendentemente baixo de silício nos alvos da pedra Hipátia. O silício, juntamente com o crómio e o manganês, eram menos de 1% esperados para algo formado dentro do nosso Sistema Solar interior. Além disso, quantidades elevadas de ferro, enxofre, fósforo, cobre e vanádio eram notórias e anómalas, acrescentou Kramers. 

"Encontrámos um padrão consistente de abundância de elementos vestigiais que é completamente diferente de qualquer coisa no Sistema Solar, primitivo ou evoluído. Os objetos na cintura de asteroides e os meteoros também não correspondem a este padrão. Por isso, de seguida olhámos para fora do Sistema Solar," diz Kramers. 

Não é da nossa vizinhança 

Depois, Kramers comparou o padrão de concentração de elementos de Hipátia com o que se esperaria ver na poeira entre as estrelas do braço solar da nossa Galáxia, a Via Láctea. "Procurámos ver se o padrão que obtemos da poeira interestelar média no nosso braço da Galáxia se enquadra no que vemos em Hipátia. Mais uma vez, não havia qualquer semelhança," salienta Kramers. 

Nesta altura, os dados do feixe de protões também tinham excluído quatro "suspeitos" de onde Hipátia poderia ter-se formado. Hipátia não se formou na Terra, não fazia parte de nenhum tipo conhecido de cometa ou meteorito, não se formou a partir da poeira média do Sistema Solar interior e também não a partir da poeira interestelar média. 

Não era de uma gigante vermelha 

A próxima explicação mais simples possível para o padrão de concentração de elementos na amostra de Hipátia seria uma estrela gigante vermelha. As estrelas gigantes vermelhas são comuns no Universo. Mas os dados do feixe de protões excluíram também o fluxo exterior de massa de uma estrela gigante vermelha: Hipátia contém demasiado ferro, muito pouco silício e concentrações demasiado baixas de elementos pesados mais pesados do que o ferro. 

Nem de uma supernova do Tipo II 

O "suspeito" seguinte a considerar era uma supernova do Tipo II. As supernovas do Tipo II "cozinham" muito ferro. São também um tipo relativamente comum de supernova. Mais uma vez, os dados do feixe de protões para Hipátia descartaram um suspeito promissor com "química forense". Uma supernova do Tipo II era altamente improvável como fonte de minerais estranhos como o fosfeto de níquel na amostra. Havia também demasiado ferro, em comparação com o silício e o cálcio. 

Era tempo de examinar de perto a química prevista de uma das explosões mais dramáticas do Universo. 

Fábrica de metais pesados 

Uma espécie mais rara de supernova também produz muito ferro. As supernovas do Tipo Ia só ocorrem uma ou duas vezes por galáxia, por século. Mas fabricam a maior parte do ferro no Universo. A maior parte do aço na Terra foi outrora o elemento ferro criado pelas supernovas do Tipo Ia. Além disso, a ciência estabelecida diz que algumas supernovas do Tipo Ia deixam para trás pistas muito distintas de "química forense". Isto é devido à forma como algumas supernovas do Tipo Ia são criadas. 

Primeiro, uma estrela gigante vermelha no fim da sua vida colapsa numa estrela anã branca muito densa. As estrelas anãs brancas são geralmente incrivelmente estáveis durante períodos muito longos e muito pouco suscetíveis de explodir. No entanto, há exceções a esta regra. Uma anã branca pode começar a "puxar" matéria de outra estrela num sistema binário. Pode dizer-se que a anã branca "devora" a sua estrela companheira. Eventualmente a anã branca fica tão pesada, quente e instável que explode como uma supernova do Tipo Ia. 

A fusão nuclear durante a explosão de supernova do Tipo Ia deve criar padrões de concentração de elementos altamente invulgares, preveem os modelos teóricos científicos aceites. Além disso, a estrela anã branca que explode numa supernova do Tipo Ia não explode apenas em fragmentos, mas literalmente explode em átomos. A matéria da supernova do Tipo Ia é entregue ao espaço como átomos de gás. 

Numa extensa pesquisa bibliográfica de dados estelares e resultados de modelos, a equipa não conseguiu identificar nenhum outro alvo químico semelhante ou melhor adequado para a pedra de Hipátia do que um conjunto específico de modelos de supernovas do Tipo Ia. 

Evidência de elementos forenses 

"Todos os dados e modelos teóricos de supernovas do Tipo Ia mostram proporções muito mais elevadas de ferro em comparação com o silício e cálcio do que os modelos das supernovas do Tipo II," diz Kramers. "A este respeito, os dados laboratoriais do feixe de protões sobre Hipátia encaixam nos dados e modelos de uma supernova do Tipo Ia." 

No total, oito dos 15 elementos analisados estão em conformidade com as gamas de proporções previstas em relação ao ferro. Esses são os elementos silício, enxofre, cálcio, titânio, vanádio, crómio, manganês e níquel. 

Contudo, nem todos os 15 elementos analisados em Hipátia encaixam nas previsões. Para seis dos 15 elementos, as proporções foram entre 10 e 100 vezes superiores aos intervalos previstos pelos modelos teóricos para supernovas do Tipo Ia. Estes são os elementos alumínio, fósforo, cloro, potássio, cobre e zinco. "Uma vez que a anã branca é formada partir de uma gigante vermelha moribunda, Hipátia pode ter herdado estas proporções de elementos para os seis elementos de uma estrela gigante vermelha. Este fenómeno tem sido observado em anãs brancas noutras investigações," acrescenta Kramers. 

Se esta hipótese estiver correta, a pedra de Hipátia seria a primeira evidência tangível na Terra de uma explosão de supernova do Tipo Ia, um dos eventos mais energéticos do Universo. A pedra de Hipátia seria uma pista para uma história cósmica que começou durante a formação inicial do nosso Sistema Solar e seria encontrada muitos anos mais tarde, entre outros seixos, num remoto deserto egípcio.

Fonte: Astronomia OnLine

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