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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A119: uma bomba atômica na Lua

Nos anos 1950, USAF queria detonar bomba nuclear na Lua como demonstração de poder na Guerra Fria. Plano sereto teve participação de Gerard Kuiper e Carl Sagan.
Recentemente, o Spotify me recomendou um episódio de podcast sobre conspirações envolvendo a Lua. Alguns pontos chamaram minha atenção e, aproveitando o início das minhas férias da faculdade, resolvi tirar o pó do blog.
Foram várias groselhas ao melhor estilo Transformers: Dark Side o the Moon: bases alienígenas, mensagens dos ETs dizendo que não deveríamos retornar à Lua, supostas imagens de sondas soviéticas mostrando estruturas aparentemente artificiais e por aí vai. Também falou-se brevemente sobre o astro ser uma estação espacial gigante usada para vigiar nossa civilização. (That’s no moon…)
Minha favorita não ficou de fora: Apollo 20, a missão que teria visitado uma antiga estrutura alienígena e filmado o cadáver razoavelmente preservado de uma criatura humanoide. Para algumas pessoas, esse é um dos argumentos mais fortes contra a ideia de que a ida à Lua foi forjada.
Também foi mencionado o Cavaleiro Negro, um suposto satélite alienígena em órbita da Terra que observa a humanidade há milênios. Ele já foi tema de outro post do BdA.
Cena de Transformers: O Lado Oculto da Lua retratando o encontro da Apollo 11 com uma nave alienígena na Lua (Paramount Pictures)
Em meio a tantas groselhas, houve um tópico real que me interessou. No final dos anos 1950, militares americanos planejaram detornar uma bomba nuclear na superfície da Lua. Trata-se do Project A119.
Em plena Guerra Fria, a União Soviética (URSS) deu o primeiro passo marcante da Corrida Espacial com o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite artificial, em 4 de outubro de 1957. Nos Estados Unidos, a segunda falha do Project Vanguard ao lançar um satélite gerou o ímpeto necessário para que começassem uma competição declarada.
Tentando assumir a liderança da Corrida, o país iniciou uma série de projetos e estudos que levaram ao lançamento do Explorer 1 e à criação da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Defense Advanced Research Projects Agency, DARPA) e da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (National Aeronautics and Space Administration, NASA).
Demonstração de força  Nessa época, periódicos já reportavam o rumor de que os soviéticos estavam planejando detonar uma bomba de hidrogênio na Lua. Foi veiculado pela imprensa em 1957 que uma fonte anônima havia informado um agente do Serviço Secreto que a URSS planejavam comemorar o aniversário da Revolução com uma explosão nuclear na Lua, aproveitando o eclipse lunar de 7 de novembro.
“O último rumor correndo é de que os russos planejam explodir uma bomba H lançada por foguete na lua em 7 de novembro ou próximo disso”, reportou o Pittsburgh Press em 1° de novembro. Mencionou-se que o alvo era a região escura do terminador, a linha que divide o dia da noite. Também foi noticiado que, se o míssil falhasse, poderia atingir a Terra.
Dois dias após a publicação do artigo, os soviéticos lançaram o Sputnik 2, levando uma cadela ao espaço. Como se não bastasse, ao mesmo tempo, o presidente americano Dwight Einsenhower recebeu informações de que as capaciades de defesa americanas estavam muito aquém das soviéticas, especialmente em relação a mísseis.
No mesmo ano, Edward Teller, “o pai da bomba H”, sugeriu a detonação de dispositivos nucleares tanto na superfície da Lua quanto a certa distância dela para analisar os efeitos das explosões.
Dr. Leonard Reiffel no IIT, 1963 (Robert W. Kelley/The LIFE Picture Collection/Getty Images)
Dr. Leonard Reiffel, físico respeitado, obteve seu doutorado em 1953 no Instituto de Tecnologia de Illinois (Illinois Institute of Technology, IIT), em Chigago. Ele chegou a posições importantes na NASA, inclusive na direção do programa Apollo, e trabalhou com outros físicos renomados, como Enrico Fermi, a mente por trás do primeiro reator nuclear, no Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago (Institute for Nuclear Studies, Univversity of Chigago). Reiffel também colaborou com cientistas importantes do Terceiro Reich que trabalharam em solo americano através da Operação Clipe de Papel. Em 1958, oficiais da Força Aérea (USAF) o abordaram a respeito da possibilidade de detonar um dispositivo nuclear na Lua.
De 1949 a 1962, a Fundação de Pesquisa Armour (Armour Research Foundation, ARF), no IIT, estudou os efeitos de explosões nucleares no ambiente. Em maio de 1958, a ARF começou a pesquisa das potenciais consequencias de uma explosão nuclear na Lua – este era o Projeto A119. O programa correu sob os auspícios da USAF, que o propôs, e tinha como objetivo causar uma explosão nuclear que seria visível da Terra.
Esperava-se que isso elevasse a moral do povo americano, afetada pelas tenções da Guerra Fria e o atraso do país na Corrida Espacial. Também defendia-se que a explosão ajudaria a resolver algumas questões sobre a composição do astro, por exemplo.
Estudos  Uma equipe de 10 membros liderada por Reiffel foi reunida no IIT para estudar a possível visibilidade da explosão, potenciais benefícios à ciência e efeitos na superfície lunar. Nesta equipe, estavam Gerard Kuiper (astrônomo famoso pela região povoada por pequenos mundos além da órbita de Netuno) e seu aluno de doutorado de 24 anos Carl Sagan (ele mesmo), responsável pela projeção matemática da expansão de uma nuvem de poeira no espaço ao redor da Lua – elemento essencial para determinar a visibilidade a partir da Terra.
Inicialmente, consideraram usar uma bomba de hidrogênio, mas a USAF vetou a ideia pelo dispositivo ser muito pesado para o lançador que usariam. Decidiram usar uma ogiva W25, de 1,7 quilotons. Pequena e leve e com potência relativamente baixa. Para comparação, Little Boy, lançada sobre a cidade japonesa de Hiroshima em 1945 tinha de 15 kilitons.
A ogiva detonaria no impacto com a superfície. A nuvem de poeira resultante seria iluminada pelo Sol e seria possível vê-la da Terra. Segundo Reiffel, o progresso da USAF no desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais tornaria o lançamento possível em 1959.
Montagem de explosão na Lua (Collective Evolution)
Em janeiro de 1959, a USAF cancelou o projeto por receio de reação negativa do público e pelo risco à população caso algo desse errado no lançamento. Também consideraram que isso significaria uma militarização direta do espaço e que uma alunissagem seria um feito mais aceito pelos públicos americano e internacional. Segundo Reiffel, as implicações da contaminação radioativa para projetos de pesquisa e colonização também levaram a essa decisão.
Soviéticos  A contra-parte soviética do A119 também nunca foi executada. De fato, houve esse projeto soviético. Os únicos documentos oficiais revelados acerca dele indicam que começou em 1958, não em 1957, como a fonte anônima teria informado. O plano oficial soviético também difere do que foi relatado pela imprensa.
Iniciado em janeiro de 1958, era parte de uma série de propostas sob o codinome E. E-1 era sobre alcançar a Lua. E-2 e E-3 envolviam o envio de uma sonda ao lado distante da Lua para fotografar a superfície. A fase final, E-4, era uma explosão nuclear na Lua como demonstração de força. Como ocorreu aos americanos, os soviéticos optaram por cancelar os projetos E ainda no planejamento por preocupações quanto às segurança e confiabilidade do veículo lançador.
O Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares, de 1963, e o Tratado do Espaço Sideral, de 1967, impediram maiores estudos a respeito de uma detonação nuclear na Lua. A essa altura, EUA e URSS já haviam conduzido várias explosões nucleares de grande altitude, como as Operações Hardtack I, Argus, Dominic I e II e o Projeto K.
Em 1969, os EUA conseguiram sua vitória na Corrida Espacial com a aluissagem da Apollo 11. Em dezembro daquele ano, Gary Latham, cientista do programa Apollo sugeriu detonar um dispositivo nuclear “pequeno” na Lua para facilitar a pesquisa de sua composição geológica. A ideia foi dispensada pois interferiria com a medição da radiação natural do astro.
Segredos  A existência do Projeto A119 permaneceu altamente secreta até meados dos anos 1990, quando o escritor Keay Davidson descobriu a história pesquisando para a biografia de Carl Sagan. O envolvimento de Sagan com o projeto apareceu em sua aplicação para uma bolsa acadêmica no Instituto Miller, da Universidade da Calofórnia, em Berkeley, em 1959.
Carl Sagan na Universidade Cornell, 1974 (Santi Visalli Inc./Getty Images)
Na aplicação, Sagan deu detalhes da pesquisa, o que Davidson sentiu ser uma violação da segurança nacional. O vazamento consistia na revelação de dois papers secretos do A119: Possible Contribution of Lunar Nuclear Weapons Detonations to the Solution of Some Problems in Planetary Astronomy (Possível Contribuição de Detonações Lunares de Armas Nucleares à Solução de Alguns Problemas na Astronomia Planetária), de 1958, e Radiological Contamination of the Moon by Nuclear Weapons Detonations (Contaminação Radiológica da Lua por Detonações de Armas Nucleares), do ano seguinte.
Em um paper de 1961 para o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, Sagan mencionou um paper de 1958 atribuído a I. Filosofo, Cosmic Radiation and Lunar Radioactivity (Radiação Cósmica e Radioatividade Lunar). Os papers mencionados por ele estavam entre oito documentos criados pelo A119 – todos destruídos em 1987.
A biografia Carl Sagan: A Life foi publicada em 1999. Pouco tempo depois, uma resenha publicada na Nature destacou a descoberta do vazamento de informações. Foi aí que Reiffel decidiu quebrar o anonimato em uma carta ao periódico confirmando que a atividade de Sagan era considerada uma brecha na confidencialidade do projeto.
Reiffel também revelou detalhes dos estudos e suas palavras foram amplamente divulgadas. A admissão pública do projeto foi acompanhada da denúncia do trabalho realizado, com o cientista notando que estava “horrorizado” por tal projeto, que mexeria tanto com a opinião pública, um dia ter sido considerado.

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