Pop up my Cbox

sábado, 10 de fevereiro de 2024

'Esperar o inesperado' ? Como assim?

 

Voltemos aos gases, que podem ser detectados a distâncias muito maiores. Os cientistas consideram também a busca por outros poluentes gasosos, além dos CFCs. O dióxido de nitrogênio (NO2) é um exemplo.

"A maior parte do NO2 do nosso planeta vem da atividade industrial", diz Giada Arney, do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa.

Arney é uma das autoras de um estudo de 2021 sobre o potencial de descoberta de civilizações extraterrestres através da busca por poluição de NO2 pela galáxia.

Na Terra, cerca de 65% do NO2 é proveniente de emissões geradas pelos carros, navios, aviões e usinas de energia, entre outras fontes antropogênicas.

Ao contrário dos CFCs, o NO2 não permanece na atmosfera por milhares de anos, o que pode dificultar sua descoberta em outros planetas. Mas, por outro lado, os altos e baixos das concentrações de NO2 poderiam oferecer uma indicação dos níveis de atividade industrial em planetas específicos.

"É possível também pensar em tecnoassinaturas temporárias, que podem fornecer informações adicionais sobre o que está acontecendo na atmosfera do planeta", explica Arney.

A cientista conta que ela e seus colegas tiveram a ideia do seu estudo quando os níveis de NO2 na atmosfera da Terra caíram abruptamente durante as medidas de isolamento da pandemia de covid-19.

Medições de campo revelaram que o nível de NO2 desabou em cerca de 30% em alguns países com rigorosas políticas de isolamento. E as reduções das emissões de NO2 também foram observadas por satélites em órbita da Terra.

Por isso, não é fora de propósito sugerir que uma civilização alienígena que esteja nos observando possa vir a constatar essa alteração.

CRÉDITO,GETTY IMAGESIlustração da emissão de carbonos na atmosfera

Legenda da foto,

Ilustração da emissão de carbonos na atmosfera

Além da vida curta do NO2 na atmosfera, existe outra questão importante: ,uitas fontes naturais produzem o gás, desde relâmpagos até incêndios florestais.

Por isso, encontrar NO2 na atmosfera de um planeta pode não ser uma prova definitiva do desenvolvimento de motores a combustão interna por uma civilização alienígena, por exemplo, nem de qualquer outra fonte emissora desse gás.

Arney e seus colegas defendem que, na Terra, as fontes naturais sozinhas não produziriam quantidade suficiente de NO2 para que o gás fosse detectável à distância. Ou seja, observar dióxido de nitrogênio na atmosfera de outro planeta pode realmente indicar a existência de algum tipo de atividade industrial.

Os cientistas já estão estudando a luz refletida por planetas distantes, para tentar determinar quais substâncias podem estar presentes.

Em setembro de 2023, pesquisadores relataram ter detectado metano e dióxido de carbono, por meio do telescópio espacial James Webb, na atmosfera de um planeta chamado K2-18b.

O planeta orbita uma estrela anã a cerca de 120 anos-luz da Terra.

Esta foi uma descoberta importante. Ela sugere que o planeta pode ser banhado por um oceano de água.

"É a primeira vez em que conseguimos chegar perto de dizer que existe um oceano em um exoplaneta", afirma Nikku Madhusudhan, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Mas ele e seus colegas também encontraram evidências de um composto ainda mais interessante na atmosfera do K2-18b: sulfóxido de dimetila (DMS).

Na Terra, apenas organismos vivos produzem esse composto, mas ele também é emitido por certas fontes industriais, como moinhos de processamento de madeira, por exemplo.

Madhusudhan destaca que este é um resultado preliminar e é preciso aguardar novas confirmações para se ter certeza da existência de DMS. Mesmo assim, em princípio, pode ser uma bioassinatura — um sinal de vida — e, quem sabe, até uma tecnoassinatura, se seres extraterrestres estiverem processando materiais de forma similar ao que fazemos na Terra.

Mas o cientista acha difícil imaginar uma civilização alienígena industrializada em um mundo que pode estar totalmente coberto pela água.

Ainda assim, Madhusudhan acredita que a busca por vida em outras partes do Universo deve considerar possibilidades que nos surpreendam.

"Precisamos esperar o inesperado", diz.

Novos telescópios

A grande expectativa dos projetos de busca por civilizações tecnologicamente avançadas por meio dos gases poluentes é que, nas próximas décadas, nossas capacidades de observação sejam drasticamente aumentadas, segundo Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.

"É impressionante que esses traços de gases sejam potencialmente detectáveis", explica ela.

Greaves destaca que os próximos telescópios a serem inaugurados serão apropriados para este tipo de análise.

Além do telescópio espacial James Webb, que fica em órbita do Sol, existe o Telescópio Extremamente Grande, do Observatório Europeu do Sul. Trata-se de uma construção com base terrestre no Chile que deve iniciar operações em 2028.

A Nasa atualmente planeja desenvolver um telescópio espacial chamado de Grande Pesquisador de Infravermelho, Óptico e de Ultravioleta – Luvoir, na sigla em inglês – para os anos 2030.

Arney e seus colegas consideraram as capacidades deste equipamento ao calcular como poderiam detectar NO2 em outros planetas.

E existe o Observatório dos Mundos Habitáveis, um telescópio especificamente projetado para procurar bioassinaturas — e, por extensão, talvez tecnoassinaturas — no final da década de 2030 ou nos anos 2040.

Para Greaves, "se conseguirmos persistir por um monótono período de alguns anos, será fascinante".

Área de construção no Chile

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

O Telescópio Extremamente Grande (ELT, na sigla inglês) está atualmente em construção no Chile. Quando for inaugurado, ele permitirá que os cientistas investiguem o espaço com ainda mais detalhes

Mas os telescópios ópticos têm suas limitações.

Andrew Siemion, do Instituto Seti, nos Estados Unidos, afirma que a maior parte do trabalho da sua organização se concentra na detecção de sinais de rádio alienígenas na nossa galáxia.

O Instituto Seti foi criado para procurar vida em outras partes do Universo.

"Dedicamos talvez 5% do nosso tempo e análise a algumas dessas outras ideias", explica ele.

Siemion destaca que as emissões de rádio podem ser detectadas "em toda a galáxia". Isso significa que a nossa possibilidade de observá-las pode ser maior.

Ele salienta ainda que, como todas as possíveis tecnoassinaturas indicadas até agora são essencialmente baseadas em poluentes produzidos pelo seres humanos, existe o risco de considerarmos que as civilizações extraterrestres seriam muito similares à nossa.

E não existe nenhuma garantia de que isso seja verdade.

Como diz Madhusudhan, "espere o inesperado", sem assumir uma visão antropocêntrica da vida em todo o Universo.

Com isso em mente, o Instituto Seti vem se concentrando cada vez mais na busca por anomalias nos dados e não por traços específicos que poderíamos considerar como vindos de uma população alienígena, segundo Siemion.

Qualquer ponto estranho em um conjunto de dados de observações cósmicas pode ser a indicação que estamos procurando.

"Não precisamos entrar na mente dos ETs, por assim dizer, e imaginar o que eles poderiam fazer, nem exigir que eles tenham o mesmo tipo de evolução tecnológica dos seres humanos", explica Siemion.

Em outras palavras, não é preciso nem mesmo saber exatamente o que procurar. Precisamos apenas encontrar algo inesperado que mereça pesquisas adicionais.

Talvez todas essas tecnoassinaturas propostas, mesmo estando potencialmente no caminho certo, sejam mais um reflexo da nossa consciência cada vez maior de que os seres humanos são uma espécie bagunceira e poluidora.

Talvez haja até um grau de culpa embutido nesta suposição. Nós nos consolamos imaginando que os alienígenas cometeriam os mesmos erros que nós.

Como diz Arney, formas de vida verdadeiramente inteligentes podem não produzir tecnoassinaturas baseadas em poluentes, como CFCs, por longos períodos da sua história. Talvez o façam apenas por breves momentos e limpem suas atividades em seguida.

Neste caso, teríamos que ter sorte para procurar essas assinaturas no momento certo.

"Fico imaginando por quanto tempo a poluição irá se expressar", afirma Arney. "Gosto de esperar que uma civilização aja de forma eficiente."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Nenhum comentário:

Postar um comentário