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sábado, 10 de fevereiro de 2024

O terraplanista que viajou para ver fenômeno solar e 'descobriu' que Terra é redonda: 'Foi como desilusão amorosa'

 Leandro segura um mapa terraplanista

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Em julho do ano passado, o youtuber Leandro Batista, de 36 anos, embarcou em uma viagem que acreditava que confirmaria uma crença que ele divulgava com afinco em seu canal e redes sociais, mesmo contrariando o consenso científico: o terraplanismo.

Mas ele voltou dessa viagem convencido justamente do contrário e com o novo desafio de persuadir seus seguidores da mesma coisa.

Tudo começou quando Leandro pediu ajuda para seus seguidores para pagar pela viagem e seguiu para a Noruega em uma missão autodeclarada de explorar o mundo “se baseando em um modelo de Terra plana”.

Ele não acreditava em pesquisas, fotos ou vídeos que atestam que o planeta é redondo e queria coletar suas próprias evidências para provar o contrário.

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Ele pensava que ali seria o início de uma fase decisiva de sua campanha pró-Terra plana, mas isso acabou se tornando o fim dessa crença para ele.

Meses após voltar da viagem, Leandro decidiu que não dava mais para insistir na teoria da conspiração, depois que ele confirmou na viagem o que cientistas dizem há séculos.

"No fim de dezembro, eu gravei um vídeo no canal e falei: pessoal, 'não tem como a Terra ser plana'", diz Batista à BBC News Brasil, durante entrevista no Museu Catavento, em São Paulo, que abriga uma exposição permanente sobre a origem do Universo.

Leandro afirma que agora está do lado da ampla maioria das pessoas que reconhecem que o planeta é redondo.

Também diz que se tornou uma voz contrária ao terraplanismo, um movimento que é pequeno, mas barulhento e que, embora a princípio pareça inócuo, especialistas apontam que tem duros efeitos negativos.

Em seu novo papel, o youtuber diz que tem um desafio: tentar compensar em seu canal, onde tem 140 mil assinantes, toda a divulgação que fez de uma teoria sem qualquer respaldo científico.

“Ao longo desses seis anos, produzi aproximadamente 3 mil vídeos defendendo a teoria da Terra plana", diz Leandro.

"Agora, quero produzir 3 mil para refutar ponto a ponto tudo o que eu disse antes e mostrar para as pessoas o motivo de a Terra não ser plana."

O movimento pró-Terra plana

Leandro aponta para imagem de satélite em exposição sobre o Universo, no Museu Catavento em São Paulo

CRÉDITO,GIOVANNI BELLO/ BBC BRASIL

Legenda da foto,

Leandro quer criar conteúdos para reforçar que a Terra tem o formato de globo. Na imagem acima, ele posa em exposição sobre o Universo, no Museu Catavento

Foi no começo de 2016 que o movimento terraplanista surgiu na vida de Leandro.

"Estava de folga do trabalho e me deparei com um vídeo da teoria da Terra plana. Aquilo foi tão bizarro que me prendeu", conta.

"Diziam que o governo mente, que a Nasa mente e que a gente vive em uma Terra plana. E eu quis saber mais."

Ele, que estudou até o Ensino Médio e chegou a cursar um semestre de Química, passou a pesquisar na internet e viu conteúdos que circulam há décadas em grupos negacionistas – aqueles que se recusam a acreditar em informações comprovadas cientificamente.

No caso da Terra plana, esse negacionismo é baseado na contestação do consenso científico sobre o formato redondo do planeta.

“A primeira organização dedicada a promover essa ideia nasceu em 1884 na Inglaterra, mesmo país onde, em 1956, foi criada a Sociedade da Terra Plana (STP)”, explica o pesquisador Carlos Orsi, fundador do Instituto Questão de Ciência (IQC).

A STP existiu até 2001, mas desapareceu por falta de interesse dos sócios, diz Orsi.

Anos mais tarde, foi reinaugurada e, desde então, cresceu "graças à internet, principalmente ao YouTube e às mídias sociais", conta Orsi.

“Em 2010, o movimento começou a chamar a atenção da imprensa e, por volta de 2016, já havia celebridades dando declarações em defesa da Terra Plana”, detalha o pesquisador.

No Brasil, o assunto ganhou destaque na última década, e foram criados inúmeros grupos nas redes sociais e diversos canais no YouTube dedicados à teoria da Terra plana.

Entre os adeptos dessa teoria, estão pessoas dispostas a aceitar todo tipo de teoria da conspiração e muitos "literalistas bíblicos", ou seja, aqueles que argumentam que a Bíblia diz que a Terra é plana e, por isso, não há como contestar tal afirmação.

"A Bíblia não diz explicitamente que a Terra é plana, mas várias passagens dão a entender isso, quando se fala por exemplo 'em quatro cantos da Terra' e o Salmo 136, que diz que Deus 'estendeu a Terra sobre as águas'", diz Orsi.

O inventor e escritor inglês Samuel Birley Rowbotham, considerado o "pai do terraplanismo", usava esse argumento no século 19, explica o pesquisador.

"Historicamente, os grandes líderes de movimentos terraplanistas sempre foram homens inspirados por uma leitura muito literal da Bíblia", afirma Orsi.

"Hoje em dia, a maioria dos terraplanistas prefere argumentar com o público em termos que soam científicos, mas esse fundo bíblico segue presente em muitos deles, principalmente nos que se apresentam como evangélicos conservadores."

Leandro aponta para globo terrestre em exposição sobre o Universo, no Museu Catavento em São Paulo

CRÉDITO,GIOVANNI BELLO/ BBC BRASIL

Legenda da foto,

Movimento negacionista, terraplanismo ganhou força nos últimos anos principalmente por meio das redes sociais e de plataformas de vídeos

Essa crença no terraplanismo também pode trazer riscos. Isso porque está baseada na ideia de que há uma conspiração de autoridades, estudiosos e outras pessoas na sociedade para mentir ao público, apresentando o que seria uma suposta "versão" dos fatos.

Isso pode fazer com que os adeptos da ideia da Terra plana - ou outras teorias do gênero - sempre duvidem ou refutem o que é dito por cientistas e governos sobre um determinado tema. E pode estimular atitudes antidemocráticas, como negar o resultado de uma eleição, ou que atentam contra a saúde pública, como negar a existência de uma epidemia ou se recusar a tomar vacinas.

"Existem pesquisas que mostram que a adesão a uma teoria de conspiração torna a pessoa mais vulnerável a embarcar em outras", diz Orsi.

"Mesmo que a crença na Terra plana seja, em si, até que bastante inócua, ela abre caminho para outras conspirações com consequências mais graves: por exemplo, se os cientistas estão mentindo sobre a forma da Terra, talvez também estejam mentindo sobre vacinas."

Leandro reconhece que os seus vídeos pró-terraplanismo podem ter feito com que muitas pessoas duvidassem da Ciência de forma geral.

"Nunca duvidei de toda a Ciência, apenas dessa questão sobre o formato da Terra. Mas acredito que tive alguma influência, sim (em levar pessoas a negarem a ciência em outras questões)", diz.

Apesar disso, ele afirma não se arrepender de ter defendido a teoria da conspiração.

"Acreditava, de fato, que a Terra poderia ser plana. Duvidei da Ciência, mas depois pude provar pra mim mesmo que ela está certa."

No Brasil, segundo Orsi, o terraplanismo é formado basicamente por influenciadores como Leandro, que são pontos centrais em torno dos quais se formam redes de amigos e colegas com ideias parecidas, disseminadas principalmente pelo YouTube.

“Tudo de maneira muito informal, sem uma liderança explícita”, diz Orsi.

“Há comunidades online que podem ser bem diferentes entre si, mas que se reúnem e se organizam em torno dessa ideia de que a Terra é plana”, completa.

Uma pesquisa feita pelo Instituto Datafolha em 2019, um dos principais levantamentos sobre o tema, mostrou que 90% dos brasileiros acreditam que a Terra é redonda, enquanto 7% dizem que ela é plana e os demais afirmam não saber.

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