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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Planetas geologicamente ‘vivos’ devem ser comuns na Via Láctea, diz estudo

 



É consensual entre os cientistas que a Terra é um planeta com vida em parte por ser um planeta “vivo”, ou seja, geologicamente ativo. São esses processos que ajudam a produzir o campo magnético terrestre e alimentam o chamado ciclo do carbono, ambos essenciais à biosfera. E agora um trabalho feito por um grupo internacional de pesquisadores com liderança brasileira demonstrou que ao menos essa característica geofísica não é peculiar ao nosso planeta; pelo contrário, deve ser comum em planetas rochosos espalhados por todo o disco da Via Láctea.

Os pesquisadores analisaram 53 estrelas gêmeas solares, ou seja, astros que mostram aproximadamente a mesma massa, o mesmo diâmetro e propriedades gerais muito similares às do Sol. Por meio de espectrógrafos, é possível analisar a “assinatura de luz” dessas estrelas todas e, a partir disso, identificar sua composição.

O grupo estava à procura de tório na composição desses astros. Isso porque se trata de um elemento radioativo importante na composição do interior planetário; ao sofrer decaimento, ele é uma fonte de calor interno, e com isso ajuda a manter o planeta geologicamente ativo.

“Confirmamos que há um grande orçamento energético do decaimento de tório para manter a convecção do manto dentro de potenciais planetas rochosos ao redor de gêmeas solares, desde a formação do fino disco galáctico até agora”, escreveram os pesquisadores em artigo publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

O trabalho tem como primeiro autor Rafael Botelho, orientando de doutorado de André Milone no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e tem importantes implicações para uma avaliação do potencial para a vida na Via Láctea. “O mais empolgante é que parece que o tório também é abundante em gêmeas solares velhas, significando que o disco da galáxia pode estar repleto de vida, tanto no espaço quanto no tempo”, diz Botelho.

Não custa lembrar que o Sistema Solar é relativamente recente, comparado à idade da galáxia. Enquanto o Sol e sua família de planetas nasceram cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, a Via Láctea, ainda que numa forma mais primitiva, já está por aí há mais de 10 bilhões de anos. Ou seja, há estrelas e planetas muito mais velhos que o Sol e a Terra, e a implicação é que mesmo nesses tempos mais antigos já havia concentração suficiente de tório para servir como “bateria de energia” para a atividade geológica.

É uma descoberta importante, uma vez que sabemos que o Universo nasceu apenas com elementos leves (hidrogênio, hélio e lítio), há 13,8 bilhões de anos, e foi apenas gradualmente se tornando mais enriquecido em elementos pesados, conforme as primeiras gerações de estrelas os foram fabricando e os espalhando pelo espaço ao fim de suas vidas. Aparentemente, esse processo de enriquecimento aconteceu de forma relativamente rápida, de modo que mesmo em épocas bem mais remotas já havia um inventário respeitável de fontes radioativas de calor para o interior de planetas.

O trabalho dá maior amplitude a um estudo feito anteriormente por um grupo da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, que analisou a presença de tório em 13 gêmeas solares. Com uma amostra mais robusta de 53, com as mais variadas idades, a nova pesquisa consolida as conclusões originais. Em ambos os casos, os dados espectrais das estrelas vieram do Harps, instrumento instalado no telescópio do ESO (Observatório Europeu do Sul) em La Silla, no Chile.


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