Telescópio espacial contribuiu com importantes descobertas. Campo de pesquisa avança mais rapidamente com atuação conjunta de diferentes projetos.
Em 2017, o Telescópio Espacial de Raios Gama Fermi, da NASA, desempenhou um papel fundamental em duas importantes descobertas que ocorreram com apenas cinco semanas de intervalo. Mas o que parece ser uma boa sorte extraordinária é, na verdade, o produto de pesquisa, análise, preparação e desenvolvimento que se estende por mais de um século.
O Fermi é uma parceria de astrofísica e física de partículas, desenvolvida em colaboração com o Departamento de Energia dos EUA e com contribuições importantes de instituições acadêmicas e parceiros na França, Alemanha, Itália, Japão, Suécia e Estados Unidos.
Em 17 de agosto de 2017, o telescópio detectou a primeira luz já vista a partir de uma fonte de ondas gravitacionais – ondulações no espaço-tempo produzidas, neste caso, pela fusão de duas estrelas de nêutrons superdensas. Apenas cinco semanas depois, uma única partícula de alta energia descoberta pelo Observatório de Neutrinos IceCube da Fundação Nacional de Ciência (NSF), dos Estados Unidos, foi rastreada até uma galáxia distante alimentada por um buraco negro supermassivo graças a uma erupção de raios gama observada pelo Fermi.
“Por milênios, a luz foi nossa única fonte de informação sobre o universo”, comentou Julie McEnery, cientista de projeto do Fermi no Centro de Voo Espacial Goddard, da NASA, em Greenbelt, Maryland. “As recentes descobertas conectam a luz, nosso mais conhecido mensageiro cósmico, a ondas gravitacionais e partículas como neutrinos – novos mensageiros entregando diferentes tipos de informação que estamos apenas começando a explorar.”
Raízes As origens dessas descobertas remontam à pesquisa de ponta em 1887. Foi quando os físicos Albert Michelson e Edward Morley realizaram um experimento para detectar uma substância, chamada de éter, postulada como um meio que permitia que as ondas de luz viajassem através do espaço. Como a experiência deles mostrou e muitas desde então confirmaram, o éter não existe. Mas o resultado negativo serviu comouma das inspirações da para teoria da relatividade especial, de Albert Einstein, de 1905. Em1915, ele generalizou a ideia em uma teoria completa da gravidade, que previa a existência de ondas gravitacionais.
Um século depois, em 14 de setembro de 2015, o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser (LIGO), da NSF, detectou essas vibrações espaço-temporais pela primeira vez, quando as ondas da fusão de dois buracos negros atingiram a Terra. Neste período, houve um fluxo constante de avanços, incluindo lasers, instrumentação aprimorada e computadores e software cada vez mais poderosos.
“Da mesma forma que inventar as tecnologias de detectores levou décadas, o mesmo aconteceu com a estrutura teórica e computacional para analisar e interpretar observações multi-mensageiros”, disse Tyson Littenberg, principal investigador do grupo de pesquisa do LIGO no Centro de Voo Espacial Marshall, da NASA, em Huntsville, Alabama. “Passamos por inúmeras simulações para testar novas ideias e melhorar os algoritmos existentes, de modo que estivéssemos preparados para aproveitar ao máximo as primeiras observações, e esse de trabalho básico de pesquisa e desenvolvimento continua.”
Até 2005, nem sequer era possível simular em detalhes o que acontece quando um par de buracos negros orbitantes se aglutina. O avanço veio quando equipes separadas do Goddard e da Universidade do Texas em Brownsville desenvolveram independentemente novos métodos computacionais que superaram todos os obstáculos anteriores. Uma compreensão precisa dos sinais das ondas gravitacionais foi um passo importante na evolução das técnicas projetadas para detectá-las e caracterizá-las rapidamente.
“Outro desenvolvimento fundamental foi a pipeline de análise altamente otimizado e a infraestrutura de tecnologia da informação que pode comparar o modelo teórico com os dados, reconhecer a presença de um sinal, calcular a localização da fonte no céu e formatar a informação de forma que o restante da comunidade astronômica poderia usar”, comentou Tito Dal Canton, do programa de pós-doutorado da NASA e membro de um grupo de pesquisa do LIGO no Goddard, liderado por Jordan Camp.
Os astrônomos precisam saber o mais breve possível sobre eventos de vida curta, para que possam mobilizar uma vasta gama de telescópios no espaço e no solo. Em 1993, cientistas do Goddard e do Marshall começaram a desenvolver um sistema automatizado para distribuir os locais de explosões de raios gama (GRBs) – explosões distantes e poderosas que normalmente duram um minuto ou menos – para astrônomos em todo o mundo em tempo real. Localizada no Goddard, a Rede de Coordenadas de Raios Gama / Rede de Astronomia Transiente, liderada por Scott Barthelmy, seu principal investigador, agora distribui alertas de muitas missões espaciais, bem como instrumentos baseados em terra, como o LIGO e o IceCube.
Fantasmas O histórico dos neutrinos começou com o físico francês Henri Becquerel e sua descoberta de radioatividade em 1895. Em 1930, depois de estudar um processo radioativo chamado decaimento beta, Wolfang Pauli sugeriu que provavelmente envolvia uma nova partícula subatômica, posteriormente apelidada de neutrino. Agora sabemos que os neutrinos possuem pouca massa, viajam quase à velocidade da luz, vêm em três variedades e estão entre as partículas mais abundantes no universo. Mas como eles não interagem imediatamente com outras formas de matéria, os neutrinos não foram descobertos até 1956.
Em 1912, Victor Hess descobriu que partículas carregadas, agora chamadas de raios cósmicos, entram continuamente na atmosfera da Terra de todas as direções, o que significa que o espaço é preenchido com elas. Quando raios cósmicos atingem moléculas de ar, a colisão produz uma chuva de partículas – incluindo neutrinos – que passa através da atmosfera. Para pesquisar de fontes astronômicas de neutrinos, experimentos foram colocados no subsolo para reduzir a interferência dos raios cósmicos e construídos detectores muito grandes para desvendar os sinais fracos dos neutrinos tímidos à publicidade.
Neutrinos produzidos por reações nucleares dentro do núcleo do Sol foram detectados pela primeira vez em 1968 graças a um experimento usando cem mil galões americanos (1 galão americano equivale a 3,758 litros), de fluido de limpeza a seco em uma mina de ouro de Dakota do Sul. Descobrir a próxima fonte astronômica de neutrinos levaria outros 19 anos. A supernova 1987A, uma explosão estelar em uma galáxia próxima, continua a ser a supernova mais brilhante e mais próxima vista nos últimos 400 anos e é a primeira pela qual a estrela original pode ser identificada em imagens anteriores à explosão. Teóricos previram que os neutrinos, que escapam de uma estrela em colapso com mais prontidão do que a luz, seriam o primeiro sinal de uma nova supernova. Horas antes da luz visível de 1987A chegar à Terra, experimentos no Japão, nos EUA e na Rússia detectaram uma breve explosão de neutrinos, tornando a supernova a primeira fonte de neutrinos identificados além do Sistema Solar.
“Se nenhum desses experimentos estivesse em operação na época, o sinal de neutrinos passaria despercebido”, disse Francis Halzen, o principal investigador do IceCube, um observatório de neutrinos construído em um quilômetro cúbico de gelo no Pólo Sul. “Não é suficiente desenvolver a tecnologia, refinar teorias ou até mesmo construir um detector. Precisamos fazer observações com a maior frequência possível para ter a melhor chance de captar eventos breves, raros e cientificamente interessantes. Tanto o Fermi quanto o IceCube estão operando continuamente, fazendo observações ininterruptas do céu.”
Luz A terceira linha histórica pertence aos raios gama, a forma de luz de maior energia, descoberta em 1900 pelo físico francês Paul Villard. Quando um raio gama de energia suficiente interage com a matéria, ele fornece uma demonstração perfeita da mais famosa equação de Einstein, E = mc², transformando-se instantaneamente em partículas – um elétron e sua contraparte de antimatéria, um pósitron. Por outro lado, colida um elétron com um pósitron e terá um raio gama.
O satélite Explorer 11, da NASA, lançado em 1961, detectou os primeiros raios gama no espaço. Em 1963, a Força Aérea dos EUA começou a lançar uma série de satélites como parte do Projeto Vela. Esses satélites, cada vez mais sofisticados, foram projetados para verificar a conformidade com um tratado internacional que proibiu testes de armas nucleares no espaço ou na atmosfera. A partir de julho de 1967, cientistas ficaram cientes de que os Vela estavam detectando eventos breves de raios gama que não tinham relação alguma com os testes de armas.
Essas explosões foram GRBs, um fenômeno inteiramente novo, agora conhecido por marcar a morte de certos tipos de estrelas massivas ou a fusão de estrelas de nêutrons em órbita uma da outra. A NASA explorou ainda mais o céu em raios gama com o Observatório de Raios Gama Compton, que operou de 1991 a 2000 e registrou milhares de GRBs. A partir de 1997, observações críticas do satélite ítalo-holandês BeppoSAX provaram que as GRBs estavam localizadas muito além da nossa galáxia. O Compton foi sucedido pelo Observatório Neil Gehrels Swift, da NASA, em 2004 e pelo Fermi em 2008, missões que continuam explorando o céu em alta energia e que acompanham os alertas do LIGO e do IceCube.
“Nos campos de observação, o acaso favorece apenas a mente preparada”, observou Louis Pasteur, o químico e microbiologista francês, em uma palestra de 1854. Apoiado por décadas de descobertas científicas e inovações tecnológicas, o florescente campo da astronomia multi-mensageira está cada vez mais preparado para o próximo momento de sorte.
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