A NASA reacendeu nossas esperanças de encontrar vida alienígena quando anunciou a primeira evidência direta de água líquida em Marte. Mas antes de começarmos a nos entregar a fantasias de caranguejos espaciais e seres reptilianos, devemos lembrar que Marte é um mundo frio com uma atmosfera fina. E isso levanta uma questão óbvia: que tipos de formas de vida realmente poderiam viver lá? Para tentar responder a esta pergunta, a jornalista científica Maddie Stone, que escreve para sites como o Gizmodo, foi buscar informações em artigos e livros, entre eles: “Spectral evidence for hydrated salts in recurring slope lineae on Mars”, publicado este ano na revista “Nature Geoscience”; “Some like it cold: understanding the survival strategies of psychrophiles”, publicado no “EMBO Repots”, em 2014; “Polyextremophiles: Life Under Multiple Forms of Stress”, obra de 2013, editada por Joseph Seckbach, Aharon Oren e Helga Stan-Lotter; e “A Microbial Oasis in the Hypersaline Atacama Subsurface Discovered by a Life Detector Chip: Implications for the Search for Life on Mars”, publicado em 2011 na revista “Astrobiology”. Stone explica que qualquer vida em Marte hoje é quase certamente microbiana, mas, além disso, não podemos ter certeza de nada até que realmente consigamos estudá-la. Ainda assim, podemos fazer algumas suposições sobre a natureza da vida marciana, dando um mergulho profundo em algumas das amostras mais estranhas de biologia no planeta Terra.
FRIO E SALGADO
Para a Agência Espacial Norte-Americana, a “evidência mais forte até agora” de que a água líquida flui de forma intermitente na superfície marciana vem de uma nova análise espectroscópica, que encontrou sais percloratos hidratados em manchas de escoamento nas paredes de crateras marcianas. Dissolver o sal na água é uma das melhores maneiras de evitar que ela congele em temperaturas abaixo de zero, e sais de perclorato, que consistem em cloro e oxigênio ligado a vários outros átomos, fazem este trabalho melhor do que a maioria dos sais. Sabe-se que certos percloratos evitam que líquidos congelem a temperaturas tão baixas quanto -70 graus Celsius. Então, acredita-se que em Marte a água líquida salgada ocasionalmente flui para baixo nas paredes das crateras, depositando faixas sal à medida que evapora na atmosfera fina do Planeta Vermelho.
Uma das coisas que ainda não sabemos é se toda essa água tem origem em reservatórios do subsolo, ou se os sais percloratos estão literalmente puxando vapor de água do ar. Porém, antes de nos afundarmos em nossa especulação biológica, é importante ter em mente que estas salmouras podem ser extremas demais para abrigarem qualquer tipo de vida. “Há salmouras na Terra que são muito salgadas para ter vida”, observa Chris McKay, astrobiologista da NASA e entusiasta da terraformação de Marte, em entrevista ao Gizmodo. “A mais famosa delas é o Don Juan Pond, na Antártida. A salmoura [marciana] é ainda mais salgada do que a salmoura de cloreto de cálcio no Don Juan Pond. Seja como for, estas salmouras ainda são um bom lugar para começarmos a imaginar os tipos de habitats que poderiam existir em Marte, e as adaptações que a vida precisaria ter para sobreviver em tais condições. Então, que tipo de formas de vida podem viver em água muito fria e muito salgada?
MICRORGANISMOS RESISTENTE
Ao longo dos anos, os cientistas identificaram uma ampla gama de micróbios halofílicos (que podem se desenvolver em ambientes com concentrações muito altas de sal) e psicrófilos (capazes de viver e de se reproduzir a temperaturas muito baixas) aqui na Terra. Recentemente, encontramos até mesmo alguns psicro-halofílicos – isso mesmo, que amam o frio e o sal – que prosperam em lagos salgados da Antártida ou veias de líquido prensadas entre camadas de gelo glacial. Os limites de temperatura e de salinidade para estes organismos não estão bem estabelecidos, embora tenha sido proposto um limite aproximada de -12° C para a divisão celular e -20° C para funções metabólicas básicas. Um psicro-halofílico, o Psychromonas ingrahamii, se cria a temperaturas tão baixas quanto -12° C e concentrações de sal de até 20%.
Mas como os micróbios da Terra conseguem viver neste tipo de ambiente? Para não derreter como uma lesma quando entra em contato com o sal, os halofílicos puxam o sal para dentro de suas células. Ser salgado coloca o gradiente da osmose a favor destes organismos (ou seja, a água flui para a célula, não para fora dela), mas também tem a vantagem adicional de garantir que não congelem – o que tornaria o metabolismo praticamente impossível. Já no caso dos psicrófilos, uma série de outras adaptações ajuda a protegê-los dos efeitos do frio. Membranas celulares psicrófilas tendem a ser ricas em ácidos graxos insaturados em comparação com as gorduras saturadas (como se fosse azeite de oliva vesus manteiga), e contêm proteínas de transporte adicionais para materiais que entram e saem da célula.
Suas enzimas são estruturalmente mais flexíveis do que aquelas de organismos adaptados a temperaturas mais normais. Alguns desses bichos produzem até mesmo proteínas anticongelantes, que ajudam a limitar o crescimento de cristais de gelo dentro de suas células. Por fim, análises genéticas mostram que psicrófilos tendem a abrigar um grande número de “elementos de DNA móveis” – genes que codificam características adaptativas ao frio que podem ser trocados de micróbio para micróbio. Por isso, se um psicrófilo em uma salmoura da Antártida, por exemplo, está perdendo uma determinada proteína que é fundamental para a sobrevivência, ele pode adquirir as impressões genéticas que precisa de um vizinho.
UM ERMO TÓXICO E CHEIO DE RADIAÇÃO
As adaptações dos psicro-halofílicos na Terra sugerem as possíveis estratégias de vida de micróbios marcianos. Porém, ainda existem outros grandes, enormes desafios que quaisquer formas de vida em Marte teriam que superar. Em primeiro lugar, há o fato de que Marte, por não ter uma camada de ozônio, é atingido por doses diárias esterilizantes de radiação UV. Depois, há a verdadeira natureza dos sais que encontramos até agora nas salmouras marcianas. Percloratos são compostos altamente corrosivos, tóxicos para a maioria dos organismos na Terra. Basicamente, os micróbios teriam de superar o fato de que Marte é um grande deserto cheio de radiação e tóxico. Uma maneira de evitar a radiação seria viver no subsolo. Talvez as faixas de perclorato que estamos vendo sejam indicativos de aquíferos subterrâneos, e talvez esses aquíferos ofereçam um refúgio livre de radiação.
Contudo, nós não sabemos se este é o caso. Na verdade, em uma conferência de imprensa, a Nasa deixou claro que ela favorece uma outra hipótese para a formação de salmouras de perclorato – um processo conhecido como deliquescência, em que sais literalmente puxam a água da atmosfera. É difícil imaginar a vida como a conhecemos prosperando na água salgada que condensa a partir da atmosfera, apenas para re-evaporar logo depois. Mas talvez não seja impossível – mais uma vez, podemos encontrar situações análogas aqui na Terra. No deserto do Atacama, um dos ambientes mais secos e mais cheios de radiação do planeta, os cientistas encontraram microrganismos que vivem em filmes finos de água líquida na superfície de cristais de sal.
De acordo com o artigo publicado em 2011 na revista “Astrobiology”, estas camadas finas de água são, provavelmente, formadas por deliquescência. Talvez a maior razão para os astrobiólogos estarem interpretando com ceticismo a descoberta de água líquida em Marte tenha a ver com o próprio perclorato. Como principal autor deste estudo, Lujendra Ojha, disse ao poral Space.com, percloratos têm uma “atividade de água” muito baixa, ou seja, a água dentro deles não é fácil de ser usada pela vida. “Se [estas] salmouras são saturadas de perclorato, então a vida como a conhecemos na Terra não poderia sobreviver com uma atividade de água tão baixa”, afirmou. E, como já citado, além da baixa atividade de água, o perclorato é tóxico para a maioria da vida na Terra.
MUITAS POSSIBILIDADES
Contudo, devemos manter a mente aberta, porque se há uma coisa que a vida microbiana na Terra tem demonstrado constantemente é uma espantosa capacidade de se adaptar a ambientes tóxicos. Há insetos que se desenvolvem em locais de drenagem ácida de minas altamente corrosivos e lagos de arsênico. Nós já documentamos micróbios do ártico se adaptando ao aumento dos níveis de poluição por mercúrio. Microbiólogos chegaram até a encontrar provas de enzimas bacterianas aqui na Terra que podem degradar perclorato. Deixando de lado as salmouras de perclorato, poderia haver outros ambientes em Marte mais hospitaleiros para a vida. Como apontou a geóloga espacial Emily Lakdawalla em seu blog, outro ambiente promissor são os filmes finos de água que a sonda espacial Phoenix, também em Marte, observou no solo no seu local de aterragem circumpolar.
“Um lugar menos acessível, mas também menos atingido pela radiação e mais continuamente habitável estaria no subterrâneo profundo, onde o calor interno de Marte poderia manter águas subterrâneas líquidas por longos períodos de tempo”, escreve Lakdawalla. Esta água subterrânea é uma das coisas que a sonda InSight da NASA poderia nos ajudar a encontrar. Termos evidências definitivas de água líquida em Marte não significa que há vida em Marte – mas oferece, sim, alguma esperança tangível. A chegada de uma sonda ao Planeta Vermelho com a capacidade de recolher amostras para caçar “fósseis químicos” ou outras provas de vida está prevista para 2020. Mesmo com todos estes poréns, dado o que sabemos e o que estamos aprendendo sobre o ambiente marciano, parece justo dizer que qualquer vida que nós encontrarmos lá será bastante impressionante.
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