Concepção artística de Gliese 667Cd, um dos três mundos na zona habitável da estrela Gliese 667C. Será que dá para a gente respirar por lá?
Não sei quanto a você, mas esta me deixou arrepiado. Um grupo internacional de pesquisadores, envolvendo americanos, argentinos e um chinês, usou o Telescópio Espacial Hubble para identificar planetas similares à Terra que podem muito bem ter uma atmosfera rica em oxigênio. Entre esses mundos com ar potencialmente respirável por criaturas como nós estão os planetas localizados na zona habitável da estrela Gliese 667C, uma anã vermelha a meros 22,7 anos-luz daqui, parte de um sistema estelar triplo. Trata-se de uma recordista em mundos na região do sistema em que a água — composto essencial à vida — pode se manter em estado líquido. Dos sete planetas ao redor de Gliese 667C, três estão na zona habitável! E o melhor de tudo: são superterras, possivelmente similares ao nosso mundo, só que um pouco maiores.
PARECE, MAS NÃO É
Quem acompanha essa coisa da busca por sinais de vida em planetas fora do Sistema Solar pode achar que a revelação acima é bombástica e definitiva. Afinal, o pensamento convencional sugere que uma substância como oxigênio molecular (O2) só pode se acumular numa atmosfera planetária se for constantemente reabastecida, e a principal forma conhecida de isso acontecer é ter organismos fotossintetizantes em ação, capazes de converter gás carbônico em oxigênio. Se ETs analisassem de longe a atmosfera da Terra, por exemplo, ao observar a composição do nosso ar, eles poderiam supor, sem medo de errar, que se trata de um planeta com vida.
Pois bem. Acontece que, no caso de planetas ao redor de estrelas diferentes do Sol, essa regra não é tão confiável assim. O que Feng Tian, da Universidade Tsinghua, em Pequim, e seus colegas fizeram foi analisar o padrão de radiação de oito estrelas anãs vermelhas que sabidamente abrigam planetas em seu redor. Ao usar dois instrumentos do Hubble, eles descobriram que a grande maioria dessas estrelas emite muito mais radiação ultravioleta que o nosso Sol. Lá, eles calcularam que os raios UV intensos reagem com atmosferas primitivas contendo gás carbônico e água e resultam na produção de oxigênio molecular, daquele que respiramos, e ozônio.
“Nesse caso, a atmosfera de um planeta sem vida pode ser parecida com a que a Terra tinha 2,2 bilhões de anos atrás, após o chamado Grande Evento de Oxidação [momento da história terrestre em que o oxigênio produzido por criaturas fotossintetizantes começou a se acumular na atmosfera]“, afirmou Feng Tian, ao apresentar o trabalho durante a reunião anual da Sociedade Astronômica Americana (AAS, na sigla inglesa), em Denver, Colorado.
A BOA E A MÁ
Na prática, o resultado então significa mais dificuldade para descobrir sinais químicos indubitáveis de vida extraterrestre. Quando os astrônomos finalmente tiverem os instrumentos para estudar a atmosfera dos mundos ao redor de Gliese 667C (o que deve acontecer assim que o Telescópio Espacial James Webb, sucessor do Hubble, estiver no espaço, a partir de 2018), a detecção de oxigênio não poderá ser tratada como evidência direta de fotossíntese biológica. Na real, os cientistas terão de verificar o papel da estrela, checar a quantidade de oxigênio presente e descartar a hipótese de que o gás tenha sido totalmente introduzido na atmosfera por uma rota abiótica, ou seja, sem uma mãozinha de vida.
Talvez a única maneira de confirmar que de fato há algo vivo nesses mundos distantes seja buscar a assinatura da clorofila — substância essencial à fotossíntese — na luz emanada do planeta. Mas isso não vai ser nada fácil. Por outro lado, não consigo deixar de me entusiasmar com duas coisas. Primeiro, um planeta cuja atmosfera já é oxigenada por natureza pode induzir uma história evolutiva bem diferente da que vimos por aqui. Muitos biólogos acreditam que a grande explosão de formas de vida em nosso planeta (com o surgimento da rica biodiversidade que se vê hoje) se deu quando os níveis de oxigênio atingiram um patamar suficientemente elevado para sustentar criaturas multicelulares de grande porte.
E isso levou um bocado de tempo para acontecer por aqui (durante pelo menos metade dos seus 4,6 bilhões de anos, micróbios simples foram a coisa mais sofisticada viva na Terra). Agora, imagine um planeta em que essa fase de preparação é pulada de uma vez só. Será que isso aceleraria o desenvolvimento biológico? Será que poderíamos ter uma cadeia alimentar sem organismos fotossintetizantes em sua base? Aposto que tem biólogo por aí que cortaria um braço para saber a resposta…
Segundo, mesmo que esses mundos não sejam habitados, não consigo deixar de me animar com a hipótese de que existem planetas aí fora praticamente prontos para colonização por criaturas da Terra. Tendo oxigênio, pressão atmosférica adequada e água líquida na superfície, talvez fosse possível viver lá livremente ou, no máximo, com uma máscara simples para filtrar algum gás nocivo que estivesse presente no ar. Isso lembra a noção dos planetas Classe-M, vistos nas séries “Jornada nas Estrelas”, que eram caracterizados por atmosferas oxigênio-nitrogênio, mas não necessariamente habitados.
Claro, ainda falta muito, em termos de tecnologia, para que a humanidade possa vencer as imensas distâncias interestelares e explorar de perto esses mundos. Mas não me parece impossível imaginar que, em dez séculos, exista uma colônia humana num dos planetas de Gliese 667C. Imagine ter três sóis no céu, num mundo tão diferente da Terra, e ainda assim bizarramente similar
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