A medição do rácio deutério/hidrogénio pela Rosetta no vapor de água em redor do Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. O gráfico mostra os diferentes valores do rácio, observados em vários corpos do Sistema Solar. Os pontos de dados estão agrupados por cor para planetas e luas (azul), meteoritos condritos da cintura de asteróides (cinzento), cometas originários da nuvem de Oort (roxo) e cometas da família de Júpiter (rosa). O ponto de dados do cometa 67P/C-G, medido pela Rosetta, está a amarelo. O símbolo diamante representa dados obtidos "in situ", os círculos representam dados obtidos por métodos astronómicos. A parte inferior do gráfico mostra o valor do rácio deutério/hidrogénio medido no hidrogénio molecular na atmosfera dos gigantes gasosos (Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno) e uma estimativa do valor típico no hidrogénio molecular da nebulosa protosolar, a partir da qual todos os objectos do Sistema Solar se formaram. O rácio para os oceanos da Terra é 1,56x10^-4 (linha horizontal no gráfico). O valor para o cometa da Rosetta é 5,3x10^-4, mais de três vezes superior. Crédito: sonda: ESA/ATG medialab; cometa: ESA/Rosetta/NavCam; dados: Altwegg et al. 2014 e referências presentes
A sonda Rosetta da ESA descobriu que o vapor de água do seu alvo cometário é significativamente diferente daquele presente cá na Terra. A descoberta alimenta o debate sobre a origem dos oceanos do nosso planeta. As medições foram feitas no mês que se seguiu à chegada da sonda ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, no dia 6 de Agosto. É um dos primeiros resultados e dos mais esperados da missão, porque a origem da água da Terra ainda é uma questão em aberto. Uma das principais hipóteses sobre a formação da Terra é que estava tão quente quando se formou há 4,6 mil milhões de anos atrás, que o teor original de água deve ter evaporado para o espaço. Mas, hoje, dois-terços da superfície está coberta por água. Então, de onde veio?
Neste cenário, deve ter sido entregue após o nosso planeta ter arrefecido, provavelmente por colisões de cometas e asteróides. A contribuição relativa de cada classe de objecto para o abastecimento de água do nosso planeta é, no entanto, ainda debatida. A chave para determinar de onde a água veio está no seu "sabor", neste caso a proporção de deutério - uma forma de hidrogénio com um neutrão adicional - em relação ao hidrogénio normal. Esta proporção é um indicador importante da formação e evolução inicial do Sistema Solar, e as simulações teóricas mostram que deve mudar com a distância ao Sol e com o tempo nos primeiros milhões de anos.
Um dos objectivos principais é comparar o valor de diferentes tipos de objectos com aquele medido nos oceanos da Terra, a fim de quantificar a influência de cada das classes na água da Terra. Os cometas em particular são ferramentas únicas para estudar o início do Sistema Solar: eles contêm material deixado para trás após a formação do disco protoplanetário a partir do qual os planetas nasceram, devendo por isso reflectir a composição primordial dos seus locais de origem. Mas graças à dinâmica do Sistema Solar jovem, este não é um processo simples. Os cometas de longo período, que são oriundos da distante nuvem de Oort, formaram-se originalmente na região de Úrano-Neptuno, suficientemente longe do Sol para a água gelada sobreviver.
Mais tarde, foram espalhados para os distantes confins do Sistema Solar como resultado de interacções gravitacionais com os gigantes gasosos à medida que estes se estabeleciam nas suas órbitas. Por outro lado, pensa-se que os cometas da família de Júpiter, como o cometa da Roseta, formaram-se mais longe, na Cintura de Kuiper para lá de Neptuno. Ocasionalmente estes corpos são perturbados e enviados para o Sistema Solar interior, onde as suas órbitas tornam-se controladas pela influência gravitacional de Júpiter. De facto, o cometa da Rosetta viaja agora em torno do Sol entre as órbitas da Terra e de Marte, no seu ponto mais próximo, e um pouco além da de Júpiter no seu ponto orbital mais distante, com um período de aproximadamente 6,5 anos.
Ilustração que mostra os dois reservatórios principais de cometas no Sistema Solar: a Cintura de Kuiper, a uma distância de 30-50 UA (UA: unidade astronómica, a distância entre a Terra e o Sol) do Sol, e a Nuvem de Oort, que poderá estar a 50.000-100.000 UA do Sol. Pensa-se que o Cometa Halley seja originário da Nuvem de Oort, enquanto o 67P/C-G, o foco da missão Rosetta, é originário da Cintura de Kuiper. Está agora numa órbita com a duração de 6,5 anos em redor do Sol, entre as órbitas da Terra e Marte no periélio e mesmo para lá de Júpiter no afélio. Crédito: ESA
As medições anteriores do rácio de deutério/hidrogénio noutros cometas mostraram uma gama vasta de valores. Dos 11 cometas cujas medições foram levadas a cabo, apenas o Cometa 103P/Hartley 2, da família de Júpiter (em observações feitas pela missão Herschel da ESA em 2011), coincide com a composição da água da Terra. Por outro lado, certos meteoritos, vindos originalmente de asteróides da cintura principal, também correspondem à composição da água da Terra. Assim sendo, apesar do facto dos asteróides terem um teor de água em geral muito menor, um grande número de impactos pode ainda ter resultado nos oceanos da Terra.
É contra este pano de fundo que as investigações da Rosetta são importantes. curiosamente, a relação entre o deutério e o hidrogénio, medida pelo instrumento ROSINA (Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis) da Rosetta, é mais de três vezes superior à dos oceanos da Terra e do seu companheiro da família de Júpiter, o Cometa Hartley 2. De facto, é ainda maior do que a de qualquer outro cometa da nuvem de Oort [já medida]. Esta descoberta surpreendente pode indicar uma origem diversa para os cometas da família de Júpiter - formaram-se talvez numa maior gama de distâncias no jovem Sistema Solar," afirma Kathrin Altwegg, investigadora principal para o ROSINA e autora principal do artigo que relata os resultados, publicado esta semana na revista Science.
"A nossa descoberta também exclui a ideia de que os cometas da família de Júpiter contêm apenas água parecida à dos oceanos da Terra, e dá mais peso aos modelos que colocam mais ênfase nos asteróides como o principal mecanismo de entrega para os oceanos da Terra. Nós sabíamos que a análise 'in situ' da Rosetta traria surpresas para o grande quadro da ciência do Sistema Solar, e esta notável observação certamente acrescenta combustível no debate acerca da origem da água da Terra," afirma Matt Taylor, cientista do projecto Rosetta da ESA.
"À medida que a Rosetta continua a seguir o cometa na sua órbita em redor do Sol ao longo do próximo ano, estaremos mantendo uma vigilância apertada sobre como evoluiu e se comporta, o que nos dará uma visão única sobre o mundo misterioso dos cometas e sobre a sua contribuição para o nosso conhecimento da evolução do Sistema Solar."
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