Barreira encontrada entre os dois Cinturões de Van Allen impede que "elétrons assassinos" atinjam o planeta
Um
“escudo invisível”, formado por processos de natureza ainda não
totalmente compreendida pelos cientistas, ajuda a proteger a Terra de
uma perigosa radiação vinda do espaço. Identificado entre os dois
Cinturões de Van Allen — faixas que concentram partículas eletricamente
carregadas ao redor do planeta devido à atuação do seu campo magnético
—, o escudo bloqueia elétrons em alta velocidade (e, portanto, de alta
energia) a cerca de 11 mil quilômetros da superfície. A exposição a
esses elétrons é capaz de “fritar” os circuitos eletrônicos de satélites
e representa também uma séria ameaça à saúde de astronautas. Caso
bombardeassem a superfície do nosso planeta, tais partículas
praticamente inviabilizariam o desenvolvimento da vida nele. A
descoberta do escudo, que os cientistas compararam aos campos de força
que protegem as naves da série de ficção “Jornada nas estrelas”, foi
possível graças a dados acumulados durante os 20 primeiros meses de
operação das sondas gêmeas Van Allen.
Elas
foram lançadas pela Nasa em agosto de 2012 justamente para estudar os
cinturões de mesmo nome e, particularmente, a maneira como eles são
afetados pelo chamado clima espacial o constante vento solar e as
eventuais tempestades geomagnéticas provocadas por erupções de nossa
estrela. O que não se previa é que as sondas detectariam um “limite”
para a ocorrência dos elétrons de alta energia que compõem grande parte
do cinturão externo, localizado a aproximadamente 2,8 vezes o raio da
Terra, ou cerca de 11 mil quilômetros de altitude.
É como se esses elétrons estivessem se
chocando com uma parede de vidro no espaço compara Daniel Baker, diretor
do Laboratório de Física Atmosférica e Espacial da Universidade do
Colorado em Boulder, nos EUA, e principal autor de artigo sobre o
achado, publicado na edição desta semana da revista “Nature”. Como os
escudos criados pelos campos de força em “Jornada nas estrelas” e usados
para repelir as armas de alienígenas, o que estamos observando é um
escudo invisível que bloqueia esses elétrons. É um fenômeno extremamente
intrigante.
Cientistas procuram explicação
Até agora, os cientistas achavam que esses
elétrons de alta energia, que circulam em torno do nosso planeta a mais
de 160 mil quilômetros por segundo ou mais da metade da velocidade da
luz, fossem lentamente atraídos em direção às camadas mais altas da
atmosfera da Terra, onde então seriam gradualmente absorvidos pelas
moléculas do ar. Mas a barreira aparentemente impenetrável detectada
pelas sondas impede até que eles cheguem tão perto. Diante disso, os
pesquisadores analisaram uma série de cenários que poderiam explicar
como este escudo foi criado e se mantém. O primeiro suspeito foi o
próprio campo magnético da Terra, cujas linhas de força aprisionam os
elétrons e prótons capturados do vento solar e de outros processos
astrofísicos nos Cinturões de Van Allen, fazendo com que eles “quiquem”
de um polo ao outro.
Essa explicação, porém, foi descartada
diante do fato de que, mesmo sobre a chamada Anomalia do Atlântico Sul
um “buraco” no campo magnético perto da costa oriental da América do Sul
onde ele é cerca de 30 vezes mais fraco do que em qualquer outra região
de nosso planeta e poderia servir como passagem para que os elétrons de
alta energia atingissem a atmosfera, essas partículas mantiveram a
respeitosa distância limite de cerca de 11 mil quilômetros. Já outra
explicação envolveria a ação de transmissões de rádio de longo alcance e
baixa frequência feitas pela própria Humanidade e que alguns cientistas
propuseram serem capazes de “expulsar” grande parte dos elétrons de
alta energia das proximidades do nosso planeta.
Mas, embora essas transmissões tenham se
mostrado realmente capazes de “vazar” até alta atmosfera, os dados das
sondas da Nasa revelaram que as ondas de rádio só afetam elétrons com
energias moderadas, e não os que viajam a velocidades mais próximas à da
luz. Assim, os pesquisadores se voltaram para a chamada plasmasfera, a
gigantesca e tênue nuvem de gases frios e ionizados que se espalha em
torno da Terra a partir de uma altitude de cerca de mil quilômetros até
algumas dezenas de milhares, para além do Cinturão de Van Allen externo.
Segundo os cientistas, ondas magnéticas de baixa frequência produzidas
pela plasmasfera, tal como o “chiado” em uma transmissão de rádio,
seriam as responsáveis por desviar os elétrons de alta energia,
“erguendo” o escudo.
Barreira poderia ser rompida
Ainda assim, Baker acredita que o “chiado”
da plasmasfera é apenas parte da explicação, e seria preciso ver como
essa barreira vai se comportar quando atingida por tempestades
geomagnéticas mais intensas. Creio que o fundamental aqui é continuar a
observar essa região em grandes detalhes, o que agora podemos fazer
graças aos poderosos instrumentos a bordo das sondas Van Allen — diz. —
Se o Sol eventualmente bombardear a magnetosfera terrestre com uma
ejeção de massa coronal, suspeito que ela será capaz de romper o escudo
por um período de tempo.
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