Como nosso universo começou? Essa é uma questão que ainda não está totalmente resolvida na comunidade científica, mas, até pouco tempo atrás, havia uma espécie de consenso.
Agora, o debate acabou de esquentar: 33 dos físicos mais famosos do mundo publicaram uma carta feroz defendendo uma das principais hipóteses que temos para a origem do universo, em resposta a um artigo escrito em fevereiro no qual três físicos criticaram pesadamente a teoria da inflação – a ideia que o universo expandiu apenas como um balão logo após o Big Bang.
Os dois lados
O artigo, divulgado na Scientific American, chegou a afirmar que o modelo “não pode ser avaliado usando o método científico” – o equivalente acadêmico de dizer que não é ciência de verdade. Ele foi assinado por Paul Steinhardt e Anna Ijjas, da Universidade de Princeton, e Abraham Loeb da Universidade de Harvard.
Em resposta, 33 dos maiores físicos do mundo, incluindo Stephen Hawking, Lisa Randall e Leonard Susskind, publicaram uma resposta na mesma revista, em forma de carta aberta, explicando por que a teoria da inflação é testável e válida.
Teoria da inflação
A teoria da inflação foi inicialmente proposta pelo cosmólogo Alan Guth, agora no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 1980. Baseia-se na ideia de que uma fração de segundo após o Big Bang, o universo se expandiu rapidamente e, no momento em que desacelerou, o que tinha sido um reino quântico foi esticado até ficar suave e plano, com exceção de manchas de matéria mais densa que mais tarde se tornaram galáxias, estrelas e planetas.
Nos anos seguintes, a ideia original de Guth foi aprimorada e atualizada por outros físicos, como Andrei Linde, que passaram suas carreiras refinando o modelo de inflação, que por sua vez se tornou a principal teoria sobre como o universo nasceu.
Curiosamente, um dos ex-colegas de Guth e Linde, o físico Paul Steinhardt, faz parte do trio que agora está desafiando a teoria. Guth, Linde e Steinhardt ganharam juntos, em 2002, a prestigiosa Medalha Dirac “pelo desenvolvimento do conceito de inflação na cosmologia”.
O artigo
Nos anos que se seguiram, Steinhardt tornou-se um crítico ativo da teoria inflacionária. Ele e seus colegas, no artigo polêmico, destacaram a pesquisa recente sobre o fundo de micro-ondas cósmico, que não corresponde às previsões da teoria inflacionária, e o fato de que a inflação teria gerado ondas gravitacionais primordiais, que nunca foram encontradas. Os dados sugerem que os cosmólogos devem reavaliar esse paradigma favorecido e considerar novas ideias sobre como o universo começou”, resume o artigo.
Essas críticas não incomodaram a comunidade científica: pelo contrário, todos consideram esses tipos de argumentos saudáveis no mundo da ciência. O que realmente irritou Guth, Linde e os outros 31 signatários da carta foi a sugestão de que a teoria inflacionária não pode ser testada e, portanto, não é realmente ciência.
“Eles fizeram a afirmação extraordinária de que a cosmologia inflacionária não pode ser avaliada usando o método científico e afirmam que alguns cientistas que aceitam a inflação propuseram descartar uma das propriedades definidoras [da ciência]: a testabilidade empírica, e portanto promovem a ideia de algum tipo de ciência não empírica”, escreveram os físicos em sua carta aberta.
A resposta
Os 33 físicos afirmaram que discordar de um número de declarações que o trio fez em seu artigo, mas, na carta, iriam se concentrar apenas no desacordo categórico com as declarações sobre a testabilidade da inflação.
Seu argumento é que a teoria da inflação é baseada em muitos modelos, e não há nenhuma ilusão de que todos esses modelos estejam corretos. Nos últimos 37 anos, alguns desses modelos fizeram previsões corretas e testáveis – incluindo a densidade de massa média do universo, e sua forma plana. Muitos ainda não foram resolvidos.
De qualquer maneira, esses modelos são todos testáveis, defendem os signatários, o que significa que são ciência, e podem ser provados ou refutados dependendo da evidência que encontrarmos nos próximos anos.
Sean Carroll, um dos físicos que assinou a carta, escreveu em seu blog que as teorias são julgadas de acordo com as previsões que fazem que podem ser testadas, e não as que fazem e não podem ser testadas. “É absolutamente verdade que existem questões importantes sem resposta para o paradigma inflacionário. Mas o certo é trabalhar em tentar respondê-las, ou mudar e trabalhar em outra coisa, uma opção perfeitamente respeitável. E não afirmar que as questões são em princípio impossíveis de responder e, portanto, o campo caiu fora do domínio da ciência”.
Vida que segue
Os autores do artigo original, desde então, responderam à carta ampliando o debate. Eles mantiveram sua posição – que a inflação já foi testável, mas “o que começou na década de 1980 como uma teoria que parecia fazer previsões definidas tornou-se uma teoria que não faz previsões definidas”.
Infelizmente, não há uma resolução para este debate no horizonte, com ambos os lados batendo os pés no chão. A única coisa que ambos concordam é sobre o fato de que a teoria da inflação não é perfeita, e todos devemos ter mente aberta sobre o que realmente aconteceu no nascimento de nosso universo conforme novos dados aparecem.
Ou, conforme Guth disse ao portal Gizmodo quando perguntado o que aconteceria a seguir: “Eu acho que cada um de nós vai continuar com sua pesquisa”.
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