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quinta-feira, 25 de maio de 2017

A equação mais instigante do Universo

Só existem duas possibilidades existem: ou estamos sozinhos no Universo ou não estamos. Ambas são igualmente assustadoras. (ARTHUR C. CLARKE)
Em novembro de 1961, um grupo de 11 cientistas brilhantes se reuniu em Green Bank, na Virgínia Ocidental, Estados Unidos, para discutir um tema no mínimo pouco ortodoxo: “vida extraterrestre inteligente”. O evento foi proposto por J. Peter Pearman, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, para “examinar, à luz do conhecimento atual, as perspectivas de existência de outras sociedades na galáxia com as quais comunicações poderiam ser possíveis; tentar estimar seu número; considerar alguns dos problemas técnicos envolvidos no estabelecimento de comunicação; e examinar modos pelos quais nossa compreensão do problema possa ser melhorada”.
Apesar do caráter informal e do pequeno número de participantes, a reunião representava a nata da sociedade científica. Para que se tenha uma ideia do nível do encontro, o menos prestigiado dos acadêmicos presentes era um jovem astrônomo de 27 anos, ainda em seu pós-doutorado, chamado Carl Sagan.
Para organizar a reunião, Pearman contou com a colaboração do radioastrônomo Frank Drake, que no ano anterior havia conduzido a primeira busca sistemática de sinais de rádio contendo mensagens de origem extraterrestre. Entre abril e julho de 1960, o cientista havia usado o radiotelescópio do Observatório Nacional de Radioastronomia de Green Bank para observar as estrelas Tau Ceti e Epsilon Eridani, ambas relativamente próximas e similares em idade e tamanho ao nosso Sol. Durante seis horas por dia, Drake apontaria a enorme antena de 26 metros na direção de cada uma das estrelas e procuraria emissões na frequência de 1,42 gigahertz. Essa sintonia foi escolhida por Drake porque era a mesma emanada pelo hidrogênio – o elemento mais abundante do Universo – no espaço interestelar. Considerando que esse comprimento de onda, 21 centímetros, era relativamente livre de interferência cósmica, exigia pouca energia para transmissão e atravessava com facilidade atmosferas similares à terrestre, o cientista supôs que seria o escolhido por alienígenas inteligentes para enviar mensagens a seus potenciais vizinhos.
Podia ser um chute no escuro, mas pelo menos seres inteligentes de proveniência terrestre pensavam mais ou menos do mesmo jeito. Em 19 de setembro de 1959, o italiano Giuseppe Cocconi e o americano Philip Morrison, ambos então ligados à Universidade Cornell, nos Estados Unidos, escreveram um artigo para a prestigiosa revista científica Nature sugerindo a “busca por comunicações interestelares” na mesma frequência escolhida de forma independente por Drake no ano seguinte. Os alvos também foram parecidos. Cocconi e Morrison sugeriram que a busca começasse por observações de Tau Ceti, 02 Eridani, Epsilon Eridani e Epsilon Indi.
Frank Drake (Wikicommons/Superinteressante)
Sabendo do tamanho da controvérsia que seria tratar cientificamente a busca por civilizações alienígenas, os autores do artigo dedicam o último parágrafo a se defender.
“O leitor pode querer consignar essas especulações totalmente ao domínio da ficção científica. Propomos, em vez disso, que essa linha de argumentação demonstra que a presença de sinais interestelares é inteiramente consistente com tudo que sabemos, e que, se os sinais estiverem presentes, os meios para detectá-los estão agora à disposição. Poucos negarão a profunda importância, prática e filosófica, que a detecção de comunicações interestelares teria. Nós, portanto, sentimos que um esforço discriminado por sinais merece uma atenção considerável. A probabilidade de sucesso é difícil de estimar; mas, se nunca buscarmos, a chance de sucesso é zero.”
Em dois dedos de prosa, Cocconi e Morrison apresentaram a justificativa clássica para todos os esforços hoje coletivamente conhecidos como SETI (Busca por Inteligência Extraterrestre, na sigla em inglês). Não que os financiadores governamentais de pesquisa concordem com eles.
Drake, sem saber do artigo da dupla, seguiu os mesmos passos, com seu esforço de observação de Tau Ceti e Epsilon Eridani. Ele também não era ingênuo de imaginar que obteria sucesso imediato, o que fica demonstrado pelo nome que deu à tentativa: Projeto Ozma. A inspiração era a obra literária de L. Frank Baum, escritor que supostamente mantinha comunicação com Oz por rádio para então escrever o que se passava naquela terra mágica e distante. Mas Drake ficou surpreso ao ouvir, logo no primeiro dia de observação, 8 de abril de 1960, um sinal forte e pulsado. “Será possível que é tão fácil assim?”, perguntou-se o radioastrônomo, num misto de pavor e empolgação.
Acabou que era só um sinal produzido por uma aeronave militar secreta, o primeiro de uma longa lista de falsos positivos colecionados pela SETI nas últimas cinco décadas. “Mas claro que não identificamos isso até algumas semanas mais tarde, e naquele momento ficamos muito empolgados. Não podíamos acreditar no tamanho da nossa sorte.”
Encerrado após cerca de 200 horas acumuladas de escuta de Tau Ceti e Epsilon Eridani, o Projeto Ozma fracassou em estabelecer contato com alienígenas. Mas despertou a atenção da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, o que motivou Pearman a promover a conferência de Green Bank. Naturalmente, Cocconi e Morrison foram convidados a participar.
Além de Pearman, Drake, Cocconi, Morrison e Sagan, estiveram presentes Dana Atchley, especialista em comunicações que colaborou com o Ozma; Melvin Calvin, bioquímico que identificou o papel da clorofila na fotossíntese e foi agraciado com o Prêmio Nobel em Química exatamente durante a reunião; Su-Shu Huang, astrônomo sino-americano que naquela época foi um dos primeiros a conduzir análises detalhadas dos tipos de estrelas capazes de permitir o surgimento da vida; John Lilly, médico e neurofisiologista que se engajou numa tentativa de compreender a linguagem dos golfinhos; Bernard Oliver, fundador da Hewlett Packard que nos anos 80 se tornaria o chefe do programa SETI na NASA; e Otto Struve, astrônomo russo-americano, diretor do Observatório de Green Bank e entusiasta da hipótese de vida inteligente fora da Terra.
A ORDEM DO GOLFINHO
No começo da reunião, depois que os convidados se sentaram e tomaram um cafezinho, Frank Drake foi à lousa e escreveu:
N = R* fp ne fl fi fc L
Mal sabia ele que estava escrevendo uma das mais famosas equações da história da ciência, que perdia em apelo somente para E = mc2, do inigualável Albert Einstein. Drake tinha ambições muito mais modestas. Para ele, a expressão matemática era praticamente conversa de bar. Sério. Reza a lenda que uma das primeiras vezes que essa sequência de fatores foi escrita aconteceu num pub defronte à Universidade do Arizona. O estabelecimento, chamado 1702, tem a tradição de deixar os clientes escreverem em suas paredes, e Drake não teria perdido a chance (pelo menos de acordo com os funcionários do bar).
O objetivo da equação era dar um norte ao primeiro encontro científico sobre civilizações alienígenas. “Conforme eu planejava a reunião, percebi alguns dias antes que precisaríamos de uma agenda. Então eu escrevi todas as coisas que alguém precisa saber para prever quão difícil será detectar vida extraterrestre. E olhando para elas ficou bem evidente que, se você multiplicasse todas, você obteria um número N, que é o número de civilizações detectáveis em nossa galáxia. Isso era focado na busca por rádio, e não em procurar formas de vida primitivas”, recontou o cientista, durante um debate promovido pela NASA em 2003.
A equação de Drake, como acabou conhecida, é basicamente uma sequência de probabilidades que ajudou – e ainda ajuda – pesquisadores ligados à busca por extraterrestres a compreender a complexidade da questão. Ela reúne, em forma matemática simples, estimativas de astronomia, biologia e sociologia. Para perceber isso, basta uma olhada no significado de cada um dos termos.
R* é a taxa anual de produção de estrelas na Via Láctea, a nossa galáxia.
fp é a fração de estrelas que têm planetas.
ne é o número de planetas habitáveis por sistema planetário.
fl é a fração de planetas habitáveis que efetivamente desenvolvem vida.
fi é a fração de planetas vivos que desenvolvem vida inteligente.
fc é a fração de planetas com vida inteligente que atingem o estágio tecnológico necessário para se comunicar por rádio com outras civilizações.
L é o tempo de vida médio de uma civilização capaz de se comunicar por ondas de rádio.
Nos dias subsequentes, Drake e seus colegas discutiram detidamente cada um dos termos. Como se podia esperar , quanto mais se avança na equação, mais complicado se torna estimar números para colocar nela.
O grupo, que se autoproclamou a Ordem do Golfinho – inspirado pelos trabalhos de Lilly, que sugeriam que esses cetáceos poderiam ser uma segunda espécie inteligente a emergir na Terra –, duelou com a equação em busca de uma resposta.
R* é o número que causa menos controvérsia e o único que já permitia uma estimativa mais ou menos segura em 1961, pois exige basicamente dividir o total de estrelas presentes na Via Láctea pela idade da galáxia. Mas a Ordem do Golfinho optou por uma estimativa conservadora, restringindo-se apenas àquelas estrelas similares ao Sol. Imaginava-se que só para essas estrelas o Sistema Solar – o único conhecido na época – pudesse ser um exemplo típico, o que teria implicações importantes na estimativa dos termos seguintes. Por isso, para aquele grupo pioneiro de cientistas, R* = 1 estrela por ano.
O termo fp era, na época, bem mais controverso, uma vez que nenhum planeta fora do Sistema Solar havia sido descoberto ainda. Os cientistas tinham de se escorar nas teorias disponíveis para explicar a formação dos nossos planetas e então extrapolar isso para as demais estrelas. O grupo preferiu mais uma vez ser conservador, imaginando que apenas de 20% a 50% das estrelas acabavam abrigando planetas – uma estimativa baseada na suposição de que somente estrelas solitárias, como o Sol, minoria na galáxia, tinham estabilidade suficiente para ter um sistema planetário. Estrelas binárias ou trinárias então eram tidas como inadequadas (conclusão que foi contestada por pesquisas recentes). Daí a estimativa de que fp ficava entre 0,2 e 0,5.
Para ne, a Ordem do Golfinho nem sabia por onde começar e não chegou a um consenso. Usando o exemplo fornecido pela Terra, eles podiam afirmar que um planeta por sistema seria adequado, mas até cinco poderiam ter condições para a vida. Segundo o grupo, ne ficaria em algum lugar entre 1 e 5.
E aí, conforme deixamos o campo da astronomia para mergulhar na biologia, os chutes começam a ser ainda menos calibrados. Ironicamente, quanto mais controverso, mais facilmente os membros da Ordem do Golfinho começaram a convergir para um número de consenso. Sem levar em conta quaisquer complexidades envolvidas nos processos que conduzem à origem da vida, eles se calcaram no registro fóssil terrestre para fazer sua estimativa. Os sinais mais antigos de vida na Terra remontam a quase 4 bilhões de anos atrás – a mesma época em que o ambiente planetário teria se estabilizado e se tornado favorável à atividade biológica. O fato de que isso se deu com relativa rapidez fez os cientistas imaginarem que, uma vez que as condições certas se apresentam, a vida logo aparece. De forma destemida, calcularam que fl = 1. Ou seja, em todos os lugares em que a vida pode surgir, ela acaba aparecendo.
O item seguinte diz respeito a vida complexa e inteligente. Enviesados pelo exemplo terrestre, que sabidamente possui uma civilização tecnológica e pode ter pelo menos mais um grupo de espécies inteligentes (os cetáceos, segundo as controversas pesquisas de Tully), os membros da Ordem do Golfinho imaginaram que a inteligência era um desfecho natural da evolução biológica. Para eles, fi = 1. Otimismo a toda prova.
Já o termo fc foi um dos que causaram maior debate entre os membros da Ordem do Golfinho. Segundo Morrison, a história humana sugeria que a emergência de sociedades tecnológicas poderia ser um fenômeno convergente. As antigas civilizações na China, no Oriente Médio e na América apareceram independentemente e seguiram linhas gerais de desenvolvimento similares. Ainda assim, ao fim das contas elas trilharam caminhos diferentes, e não estava claro quais seriam os impulsores dessas mudanças sociais e dos progressos tecnológicos.
Um exemplo: embora os chineses tenham desenvolvido tecnologias como a pólvora, a bússola, o papel e a imprensa bem antes dos europeus, isso não os conduziu à exploração do Novo Mundo, ao Renascimento ou à Revolução Industrial. Ou seja, a expansão de uma civilização não depende apenas de seu desenvolvimento tecnológico, mas também de um fator de escolha. Os chineses optaram por não navegar e colonizar o mundo, embora estivessem em posição para fazê-lo muito antes dos europeus.
Da mesma maneira, é impossível prever se uma civilização tecnológica, além de poder, decidirá efetivamente transmitir mensagens para as estrelas – um empreendimento para lá de especulativo. Por conta disso, a Ordem do Golfinho imaginou que apenas 10% a 20% de todas as civilizações tecnológicas se disporiam a tentar comunicação interestelar.
Restava o último – e mais importante – fator da equação: L, o tempo de vida médio de uma civilização comunicativa. Isso causava imensa apreensão entre os membros da Ordem do Golfinho. Drake acreditava que o número total de civilizações estava atrelado indissoluvelmente a seu tempo de vida. Se houvesse espécies inteligentes muito longevas, elas acabariam se acumulando pela galáxia, mesmo que sua ocorrência fosse bem rara. Inversamente, se civilizações comunicativas se autodestruíssem quase imediatamente após atingir esse estágio, mesmo que elas fossem comuns, provavelmente jamais encontraríamos outra, nem estaríamos por aqui por muito tempo para procurá-las.
Philip Morrison temia muito por isso, depois de ter trabalhado no Projeto Manhattan, que levou à criação das primeiras bombas atômicas, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele apontou durante a reunião que os humanos desenvolveram radiotelescópios e foguetes interplanetários mais ou menos na mesma época em que criaram as armas de destruição em massa. Talvez as sociedades alienígenas seguissem o mesmo caminho, tornando-se visíveis ao resto do Universo na mesma época em que adquiriam o poder de autodestruição. Morrison sugeriu que, se o tempo de vida médio de uma civilização comunicativa fosse de dez anos, provavelmente jamais encontraríamos alguém lá fora. Essa era, para ele, a principal razão para procurarmos ETs: caso encontrássemos algum, isso por si só seria motivo de esperança para os humanos. Pelo menos alguém lá fora teria conseguido sobreviver à “adolescência tecnológica”.
Carl Sagan era bem menos pessimista. Ele acreditava ser muito possível que uma civilização encontrasse estabilidade global e prosperidade antes ou mesmo depois de desenvolver armas de destruição em massa. Essas sociedades evoluiriam para explorar os recursos naturais de seu sistema planetário e poderiam ser virtualmente “imortais”, alcançando uma sobrevivência em escala astronômica – centenas de milhões a bilhões de anos.
Entre o pessimismo de Morrison e o otimismo de Sagan, a Ordem do Golfinho estimou o valor de L entre mil e 100 milhões de anos.
Adotando os valores mais pessimistas das estimativas da Ordem do Golfinho, temos a seguinte solução:
N = 1 x 0,2 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 1.000
N = 20 civilizações comunicativas na Via Láctea.
Trata-se de um valor baixo, que coloca a SETI em posição difícil. Afinal de contas, se por um lado havia alguém transmitindo lá fora, a chance de encontrarmos uma das 19 sociedades alienígenas (sendo a de número 20 a nossa!) em meio a 100 bilhões de estrelas era bem baixa.
Em compensação, usando as estimativas mais otimistas, teríamos:
N = 1 x 0,5 x 5 x 1 x 1 x 0,2 x 100.000.000
N = 50 milhões!
Quando um grupo de cientistas se reúne para estimar uma determinada quantidade e, após alguns dias de reunião, conclui que esse valor gira entre 20 e 50 milhões, temos de admitir que o pessoal não está muito seguro da resposta. De forma surpreendente, esse é sem dúvida um dos grandes apelos da equação de Drake. Ela não responde nada, só permite que cada um coloque suas próprias estimativas a fim de calcular o tamanho da nossa solidão cósmica. Mais que um cálculo sobre alienígenas, ela ficou famosa como uma expressão do tamanho de nossa ignorância. Apesar disso, diversos cientistas se arriscaram a realizar esse exercício desde 1961.
Radiotelescópios do observatório ALMA, no Atacama, utilizados pelo Seti (ESO/José Francisco Salgado/Superinteressante)
O OTIMISTA E O PESSIMISTA
A solução mais entusiástica da equação de Drake parece ser a produzida pelo cientista russo Iosif Shlovskii e pelo astrônomo americano Carl Sagan, no clássico livro A Vida Inteligente no Universo, publicado em 1966.
Eles adotam uma interpretação mais ampla para R*, sugerindo que praticamente todas as estrelas – salvo aquelas muito grandes, com vida útil estimada em poucos milhões de anos – podem ser incluídas na equação de Drake. Arredondando os números (100 bilhões de estrelas na Via Láctea, nascidas nos últimos 10 bilhões de anos), eles chegam a R* = 10.
Para fp, eles atribuem o valor 1, pois estão certos de que o desfecho natural do nascimento de uma estrela é a produção de um sistema planetário (os estudos atuais parecem corroborar essa hipótese). Para ne, adotam o valor do Sistema Solar: 1 planeta habitável por sistema. Esse valor pode até ser considerado conservador para Sagan, que nunca abandonou a esperança de encontrarmos vida em Marte. Para fl, de novo o valor 1. Sempre que a vida pode surgir, ela surge, argumenta a dupla. Para fi, um falso pessimismo: 0,1. Ou seja, a cada dez planetas com vida, apenas um produz seres inteligentes. Pode parecer conservador, mas poucos biólogos concordariam com essa estimativa – muito exagerada, eles diriam. Para fc, eles também atribuem o valor de 0,1, indicando que nem sempre uma civilização tecnológica evolui para se tornar comunicativa.
Multiplicando tudo, temos N = 10 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 0,1 x L = 0,1 x L
Ou seja, sem estimar L, eles podem afirmar que a cada dez anos surge uma nova civilização comunicativa na galáxia! Se usarmos o entusiasmo de Sagan, que sugere que sociedades desse tipo podem sobreviver tranquilamente por 10 milhões de anos, temos que há 1 milhão de civilizações disparando sinais de rádio galáxia afora!
Mas para cada entusiasmado há um pessimista inveterado. Em 2000, o paleontólogo Peter Ward e o astrônomo Donald Brownlee escreveram o livro Sós no Universo?, sugerindo que planetas similares ao nosso – supostamente necessários ao surgimento de vida complexa e multicelular – seriam incomuns ao extremo, solapando quaisquer resultados otimistas para a equação de Drake.
Em seu livro, eles sugerem que diversos fatores são importantes, como a posição do sistema planetário na galáxia (nem muito perto do centro galáctico, onde há muita radiação, nem muito longe, onde há baixa quantidade de elementos pesados para a fabricação de planetas) e o tipo de estrela em torno do qual o mundo orbita (não pode ser grande demais, pois esgota seu combustível e explode antes que a vida tenha tempo de evoluir em planetas ao seu redor, e não pode ser pequena demais, caso em que o planeta localizado na estreita zona habitável da estrela estará travado gravitacionalmente, mostrando a mesma face para a estrela o tempo todo, com metade sob perpétua luz e metade sob uma sombra eterna).
Além disso, o planeta teria de manter estabilidade ambiental por um longo período de tempo, ter o tamanho certo para possuir atividade tectônica (que é fundamental para manter o ciclo do carbono e produzir um campo magnético que proteja a superfície de radiação cósmica) e adquirir uma lua de grande porte, capaz de estabilizar seu eixo de rotação. Essas coisas todas tornariam muito improvável encontrarmos um planeta similar à Terra com uma biosfera tão rica quanto a nossa, argumentam os cientistas.
Somente esses aspectos, que incidem sobre a equação de Drake nos termos nefl e fi, já tornariam qualquer discussão sobre a busca de outra civilização inócua. De acordo com Ward e Brownlee, a fração de planetas habitáveis que chegam a ter vida animal seria de 0,00000000001. Mesmo que você multiplique esse número por outros fatores bastante otimistas, ainda assim seria obrigado a concluir que devemos estar sozinhos na Via Láctea.
E a coisa ainda piora. O prestigiado biólogo Ernst Mayr (1904-2005) considera o salto que parte de vida animal elementar para vida inteligente tão complicado quanto, se não for ainda mais dífícil. “A elaboração do cérebro dos hominídeos começou menos de 3 milhões de anos atrás, e a do córtex do Homo sapiens ocorreu apenas há cerca de 300 mil anos. Nada demonstra melhor a improbabilidade da origem de alta inteligência do que o fato de que milhões de linhagens filogenéticas fracassaram em atingi-la”, afirmou Mayr, em um célebre debate com Carl Sagan sobre o valor da pesquisa SETI, em 1995.
Mayr segue adiante para atribuir números a essa singularidade humana. “Se há 30 milhões de espécies vivas hoje, e se a expectativa média de vida de uma espécie é de 100 mil anos, então pode-se postular que houve bilhões, talvez até 50 bilhões de espécies desde a origem da vida. Apenas uma delas atingiu o tipo de inteligência necessária para estabelecer uma civilização.”
Adotando, portanto, uma probabilidade da ordem de uma em 1 bilhão para o surgimento de vida inteligente, somos novamente obrigados a concluir que não haverá transmissões de rádio alienígenas que possamos detectar.
Em resposta a Mayr, Sagan admite aquilo que qualquer olhada mais séria para a equação de Drake mostra: apesar de sua popularidade, ela realmente é pouco informativa.
“A noção de que podemos, por argumentos apriorísticos, excluir a possibilidade de vida inteligente nos planetas possíveis dos 400 bilhões de estrelas da Via Láctea soa estranha aos meus ouvidos. Ela me lembra uma longa série de preconceitos humanos que nos colocavam no centro do Universo, ou diferentes não só em grau mas em qualidade do resto da vida na Terra, ou mesmo afirmavam que o Universo foi produzido para nosso benefício. A começar por Copérnico, foi demonstrado que cada um desses preconceitos não tinha mérito. No caso da inteligência extraterrestre, admitamos nossa ignorância, coloquemos de lado argumentos a priori, e usemos a tecnologia que somos afortunados de ter para tentar de fato encontrar a resposta. Isso seria, penso eu, o que Charles Darwin – que foi convertido da religião ortodoxa para a biologia evolutiva pelo peso das evidências observacionais – teria defendido.”
E assim prossegue a pesquisa SETI, em busca de qualquer sinal de possíveis inteligências alienígenas que ajude a colocar estatísticas reais na equação de Drake. Enquanto isso não acontece, somos obrigados a lidar cientificamente apenas com os fatores mais conhecidos e usar os desconhecidos como elementos de contemplação. Assumidamente, Drake jamais presumiu responder quantas civilizações existem na Via Láctea. Sua equação foi só um instrumento – extraordinariamente bem-sucedido – para permitir que os cientistas refletissem sobre a natureza da vida e seu contexto no Universo.
Em resposta ao desafio central proposto pela equação, vários pesquisadores produziram versões alternativas que julgavam ser mais adequadas para uma estimativa concreta do nível de presença de inteligências na Via Láctea. Glen David Brin, da Universidade da Califórnia em San Diego, por exemplo, sugeriu em 1983 que a equação deveria levar em conta os efeitos de colonização interestelar por civilizações avançadas, cada uma com uma velocidade de expansão v e um tempo de vida L. O resultado é um conjunto de três equações ligadas entre si. Já o russo Aleksandr Zaitsev sugeriu, em 2005, que um novo fator deveria ser incluído, para levar em conta qual a fração das sociedades comunicativas – como nós – que de fato se engaja na transmissão de sinais a sistemas vizinhos. Os humanos têm sido notoriamente tímidos nesse aspecto, embora algumas mensagens específicas tenham sido direcionadas ao espaço cósmico. E esses são apenas dois exemplos. Mais recentemente, Nicolas Glade, da Universidade Joseph Fourier, na França, e seus colegas sugeriram a necessidade de um tratamento estatístico mais rigoroso e que levasse em conta o fator tempo para a obtenção de resultados relevantes com a equação de Drake.
Enquanto isso, outros astrônomos preferem “comer pelas beiradas” e abordar o problema a partir de observações que não dependam da colaboração de civilizações comunicativas. Para nossa felicidade, uma versão adaptada (e mais contida) da equação de Drake sugere que eles podem chegar a uma conclusão já na próxima década.
Uma proposta modesta
A astrofísica canadense Sara Seager começou a estudar atmosferas de planetas fora do Sistema Solar muito antes que elas pudessem ser investigadas por meios observacionais. Trabalhando com modelos teóricos, ela tenta compreender que forma podem ter os invólucros de ar dos estranhos e diferentes mundos que existem lá fora. Trata-se de uma pesquisa da maior importância, e uma das perguntas que a pesquisadora vem se fazendo é: que tipo de assinatura química poderia ser detectada num planeta que tivesse vida?
Olhando para a Terra, mesmo de uma imensa distância, astrônomos alienígenas poderiam concluir que há vida por aqui. Para isso, basta ver que nossa atmosfera está bem longe do equilíbrio químico, o que só pode ser justificado por algum tipo de atividade biológica. Os 20% de oxigênio molecular que compõem o nosso ar só estão lá porque formas de vida capazes de fotossíntese reabastecem constantemente a atmosfera com o precioso gás que habilita nossa respiração. Além disso, astrônomos extraterrestres poderiam encontrar sinais de quantidades representativas de vapor d’água na nossa atmosfera, indicando o importante fato de que se trata de um planeta “molhado”, com um ciclo hidrológico. Considerando a importância da água como solvente para reações químicas ligadas à vida (ao menos como a conhecemos), esse seria outro indício da biosfera terrestre.
Seager concentrou seus estudos, conduzidos no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), na investigação de assinaturas similares que pudessem ser detectadas em planetas fora do Sistema Solar, e finalmente está chegando o dia em que o ar desses estranhos mundos poderá ser estudado.
Ela faz parte do grupo de cientistas envolvidos com a missão TESS, a ser lançada pela NASA em 2017. Sigla para Transit Exoplanet Survey Satellite, o projeto deve caçar planetas rochosos – similares, ao menos em porte, à Terra – em torno de estrelas próximas, em todas as regiões do céu. De certa forma, trata-se de uma continuação do trabalho do satélite Kepler, sobre o qual já falamos um pouco, e muitos dos pesquisadores envolvidos com a espaçonave lançada em 2009 estarão a bordo do novo projeto. O objetivo é identificar os mil “melhores” planetas de pequeno porte, para a realização de futuras sondagens de sua atmosfera.
O estudo do ar de exoplanetas só pode ser feito de maneira indireta. Ele exige que o mundo a ser investigado passe à frente da sua estrela, de forma que parte da luz estelar atravesse a borda da atmosfera e carregue consigo as “assinaturas” dos gases que ela contém. Alguns planetas excepcionalmente favoráveis a esse tipo de observação já tiveram componentes da atmosfera identificados com o Telescópio Espacial Hubble, mas é tudo ainda muito incipiente. Para investigar a sério planetas de tipo terrestre, em órbitas favoráveis à vida, será preciso usar o sucessor do Hubble, o poderoso Telescópio Espacial James Webb, com lançamento marcado para 2018.
Quais as chances de, usando a dupla TESS e James Webb, sermos capazes de identificar um planeta com vida? Para responder a essa pergunta, Seager desenvolveu uma versão alternativa da equação de Drake. Veja como ficou:
N = N* Fq Fhz Fo Fl Fs
N é o número de planetas com bioassinaturas gasosas detectáveis: vida.
N* é o número de estrelas analisadas na amostra.
Fq é a fração de estrelas “quietas”, ou seja, com baixa atividade, o que favoreceria a identificação e o estudo subsequente do planeta, além de ajudar a preservar a vida nesses mundos.
Fhz é a fração de estrelas com planetas rochosos na chamada zona habitável, onde a superfície planetária é capaz de preservar água líquida.
Fo é a fração de sistemas observáveis.
Fl é a fração de planetas com vida.
Fs é a fração com assinaturas espectroscópicas detectáveis.
Seager afirma que a equação serve para qualquer amostra de estrelas e qualquer pesquisa bem definida. Além disso, ela elimina os termos mais controversos da versão original de Drake, que falam sobre a emergência de vida complexa, inteligência e sociedades comunicativas. Em resumo, é preciso chutar bem menos para obter uma resposta cientificamente significativa.
Com sua versão revisada, a astrofísica passa então a estimar todos os termos para chegar a um valor para N, se concentrando na pesquisa de estrelas anãs vermelhas — menores e mais numerosas que as de tipo solar.
Anã Vermelha (NASA/Superinteressante)
O primeiro termo, N*, é o número de estrelas anãs vermelhas que poderão ser investigadas pelo TESS. Estimativas giram entre 30 mil e 50 mil, e Seager opta pela margem mais conservadora: 30 mil.
Os dados do satélite caçador de planetas Kepler permitem estimar quantas dessas estrelas têm planetas do tipo rochoso (entre uma e duas vezes o diâmetro da Terra) na zona habitável, região do sistema em que o planeta pode abrigar água em estado líquido na superfície. Seager optou por cruzar esses dados com os do nível de atividade estelar, selecionando apenas as consideradas de baixa atividade. Portanto, ela calcula que Fq x Fhz (número de estrelas “quietas” com planetas na zona habitável) seja igual a 0,15.
Para estimar a fração de planetas efetivamente observáveis, Seager combina tanto a probabilidade de o sistema estar alinhado apropriadamente com a Terra para permitir sua observação, como a capacidade do James Webb de estudar sua atmosfera. Daí ela estima que a chance é de 1 em 1.000. Portanto, Fo é igual a 0,001.
E aí vem um chute. Como só conhecemos um planeta com vida, não temos a menor ideia de qual a probabilidade de um outro mundo desenvolver uma biosfera. Por isso, para Fl, Seager adota uma postura otimista e crava o valor 100%, 1, o que significa dizer que, sempre que um planeta tem condições adequadas para a vida, ela se desenvolve. É uma estimativa defensável (dado o fato de que a vida se desenvolveu na Terra assim que foi possível), mas ainda assim ela admite: “Esse fator é puramente especulativo.”
Por fim, ela estima a chance de que um planeta com vida deixe sinais de atividade biológica em sua atmosfera. Na Terra, isso obviamente acontece. Mas Seager opta por um número até certo ponto conservador, sugerindo que em apenas metade dos casos a vida produz traços detectáveis de sua existência na atmosfera. Fs, portanto, seria 0,5.
Ao final temos:
N = 30.000 x 0,15 x 0,001 x 1 x 0,5
N = 2,25
Moral da história: é preciso investigar 15 mil estrelas anãs vermelhas para encontrar um planeta com sinais de vida.
Um aspecto interessante é que, na época em que a equação de Drake foi originalmente escrita, as anãs vermelhas não eram consideradas um bom lugar para abrigar planetas com vida. Hoje, esse conceito está mudando, o que abre perspectivas muito interessantes. Uma estrela como o Sol tem tempo de vida estimado em cerca de 10 bilhões de anos. Já uma anã vermelha, bem menor, pode durar por trilhões de anos. Para dar uma ideia da escala, 1 trilhão de anos é cerca de cem vezes a idade atual do Universo. Com todo esse tempo disponível para a evolução, até os mais pessimistas podem imaginar que, em algum momento, vida inteligente pode dar as caras. Principalmente porque as anãs vermelhas são o tipo mais abundante entre as estrelas, respondendo por 76% do total da Via Láctea.
Se Seager e seus colegas encontrarem um planeta com vida ao redor de uma anã vermelha, não só darão a resposta científica definitiva sobre a existência de extraterrestres como aumentarão bastante a chance estatística de haver alienígenas inteligentes. Mas, enquanto eles não chegam lá, não custa nos admirarmos com a complexidade da biologia, que faz um monte de gente duvidar do fato de que ela seja de fato um fenômeno comum no Universo.

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