Astrônomos americanos encontraram evidências de que algumas estrelas similares ao Sol escondem um terrível segredo: elas comeram seus planetas rochosos, como a Terra. Parece uma história extraída diretamente da mitologia grega. Reza a lenda que Cronos, o líder dos titãs e ancestral dos deuses olímpicos, engolia seus filhos assim que nasciam para evitar que usurpassem seu poder. Enredo semelhante parece ter acontecido num sistema binário composto pelas estrelas HD 20781 e HD 20782. Ambas do tipo G (anãs amarelas, como o Sol), elas giram em torno de um centro de gravidade comum, mas cada uma tem seus próprios planetas. A primeira, HD 20781, possui dois gigantes gasosos de tamanho comparável a Netuno em órbitas curtas (29 e 85 dias). Já a segunda, HD 20782, tem apenas um planeta conhecido — um gigante gasoso com duas vezes a massa de Júpiter, numa órbita muito achatada, com período de 592 dias. Localizado a 117 anos-luz da Terra, esse é o primeiro sistema binário descoberto em que as duas estrelas têm seus próprios planetas, o que confere singularidade ao achado — e uma oportunidade para os cientistas compreenderem o processo de formação planetária.
QUANDO TUDO DÁ ERRADO
Imagina-se que o ponto de partida para o nascimento de planetas em qualquer sistema seja um disco de gás e poeira, que de início induziria órbitas aproximadamente circulares nos objetos formados ali. Contudo, em sistemas binários (compostos por duas estrelas), as interações gravitacionais podem bagunçar o coreto. O gigante gasoso com órbita bem achatada em torno de HD 20782 é uma dica forte de que foi isso que aconteceu por lá. Quando um planeta gigante muda radicalmente de órbita, como aconteceu no caso em questão, mundos menores e rochosos (como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, no Sistema Solar) tendem a sofrer. Atraídos por um jogo gravitacional de cachorro grande, eles podem ser atirados em todas as direções — inclusive para dentro de suas estrelas-mães.
E a coisa não fica muito mais tranquila em torno de HD 20781, onde os dois planetas gigantes estão em órbitas menos ovais, mas muito próximas da estrela, o que é sinal de que eles migraram de fora para dentro do sistema (gigantes em tese só se formam bem mais longe do astro central). Mundos rochosos devem ter se estropiado nesse processo. Claude Mack, da Universidade Vanderbilt, e seus colegas decidiram então verificar se seria possível encontrar na química dessas estrelas sinais de que planetas como a Terra foram engolidos por elas. Primeiro eles fizeram um modelo teórico que permitisse simular em computador quais seriam as mudanças químicas na superfície estelar uma vez que planetas rochosos fossem mergulhados nela. Em tese, o processo deveria enriquecer a estrela — majoritariamente feita de hidrogênio e hélio — com alguns elementos mais pesados.
Depois, o grupo passou a fazer observações da assinatura de luz (do espectro, para os íntimos) das duas estrelas, em busca desses sinais químicos de canibalismo planetário. A ideia de usar esse sistema em particular é o fato de que as duas estrelas podem servir como comparativo uma da outra. Sendo binárias, quase com certeza elas se formaram na mesma nebulosa — tinham portanto as mesmas composições originais aproximadas. Diferenças entre uma e outra, portanto, podiam indicar efeitos provocados após sua formação, como o consumo de planetas. Pois bem. Os resultados dessa investigação foram publicados no último dia 7 no “Astrophysical Journal”. O veredito: HD 20781 parece ter engolido o equivalente a 20 vezes a massa da Terra em material rochoso. Já HD 20782 foi mais comedida, consumindo cerca de 10 vezes a massa terrestre em planetas rochosos.
APLICAÇÃO
Uma consequência interessante disso é que os astrônomos podem a partir de agora tentar usar o espectro das estrelas para identificar quais comeram e quais pouparam seus planetas rochosos. Naturalmente, é um procedimento que facilita a busca por mundos habitáveis (quiçá habitados). Uma pesquisa semelhante é atualmente conduzida pelo astrônomo peruano Jorge Melendez, da USP, que busca encontrar uma correlação entre a composição estelar e a arquitetura típica dos sistemas planetários. A ideia é encontrar sinais facilmente observáveis em estrelas que indiquem o potencial para localizarmos outros conjuntos de planetas parecidos com os do Sol. Ninguém esconde o fato de que o grande objetivo de todas essas pesquisas é entender quão comuns no Universo são os arranjos planetários que permitem a evolução da vida.
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