Como a vida, e a mecânica quântica, imitam a arte, a eterna dualidade partícula/onda pode ser ilustrada no melhor estilo do artista M.C.Escher.[Imagem: Alberto Peruzzo/Peter Shadbolt/Nicolas Brunner/Jamie Simmonds]
Dualidade onda/partícula
Dois grupos de físicos, trabalhando de forma independente, garantem ter chegado a um veredito final sobre a chamada dualidade onda/partícula.
De Newton a Maxwell, a luz foi sempre considerada como uma onda. Foi Einstein quem ganhou o Prêmio Nobel de Física demonstrando o efeito fotoelétrico, cuja explicação depende de que os fótons sejam vistos como partículas.
E daí pôde então surgir toda a mecânica quântica, que prevê que os fótons, os elementos fundamentais da luz, assim como qualquer outro "sistema quântico", podem ser partículas e ondas simultaneamente.
Contudo, as discussões sobre o assunto nunca foram suspensas porque o resultado - onda ou partícula - dependerá de como a medição é realizada. Meça um fóton de um jeito, e ele lhe dirá que é uma partícula. Altere a medição, e ele se transmutará em partícula.
Isso criou correntes entre os físicos que gostariam de encontrar uma resposta "mais fundamental" - uns defendendo que fótons são essencialmente partículas e outros defendendo que eles são essencialmente ondas.
O que essas correntes buscam é a "verdadeira natureza da luz", porque parece esquisito demais ter que assumir que uma "coisa pode ser duas coisas".
As duas correntes assumem que o fóton se transmutaria em sua segunda personalidade sob condições a serem ainda especificadas ou descobertas.
Partículas e ondas simultaneamente
Na verdade, a partícula pode estar até mesmo em infinitos lugares ao mesmo tempo - como uma onda. E não apenas "parecendo" com uma onda, mas efetivamente "sendo" uma onda.
O que dois grupos de físicos agora conseguiram fazer foi demonstrar experimentalmente que esse jogo tem mesmo que terminar empatado.
Pela primeira vez, os físicos conseguiram observar os fótons não como partículas ou como ondas, mas como partículas e como ondas, ao mesmo tempo.
Longe de ser uma curiosidade científica, o experimento terá largas implicações para todos os sistemas quânticos, entre os quais os qubits usados pela computação quântica, os processadores fotônicos e as comunicações por fibras ópticas.
Medição quântica
A observação da dualidade partícula/onda é baseada em uma proposta feita pelo físico John Wheeler, nos anos 1980.
O experimento consiste em dividir os fótons e depois reuni-los novamente.
Dividir uma onda é trivial, mas não deveria ser possível dividir um fóton-partícula. A medição emprega dois interferômetros, o primeiro dividindo a onda de luz e o segundo reunindo-a novamente, e vendo o que acontece.
Quando um fóton, disparado individualmente, atravessa o primeiro interferômetro, o resultado no segundo interferômetro continua sendo um padrão de interferência, algo típico de ondas que se mesclam, mas nunca de partículas - ainda que o fóton não possa ser dividido. Assim fica demonstrada a famosa dualidade.
Mas o que falta é ver como e quando um fóton "vira" partícula, ou "vira" onda.
Para isso, os dois grupos idealizaram variações do experimento de Wheeler que permitem que o fóton seja rastreado o tempo todo e medido continuamente.
Na parte de trás, as oscilações sinusoidais indicam uma interferência de um único fóton - um fenômeno tipo onda. Na parte da frente da ilustração não há oscilações, indicando um comportamento típico das partículas. Entre esses dois extremos, o comportamento do fóton metamorfoseia-se continuamente de onda para partícula, indicando a superposição desses dois estados. [Imagem: S. Tanzilli/CNRS]
Gato de Schrodinger indeciso
As duas equipes usaram configurações ligeiramente diferentes, mas ambas usaram pares de fótons entrelaçados, aqueles que Einstein chamou de fantasmagóricos, porque o que acontece com um afeta o outro, independentemente da distância que os separe.
Um dos fótons é observado e detectado em um interferômetro, enquanto o outro fóton "decide" se a medição será feita de forma a resultar em partícula ou em onda - lembre-se que o tipo da medição determina se o fóton responderá como partícula ou como onda.
Como o que acontece com um fóton sempre interfere com seu companheiro entrelaçado, os cientistas podem observar o fóton continuamente se metamorfoseando entre partícula e onda.
Isso porque os dois compõem a estranha situação conhecida como gato de Schrodinger - um gato guardado dentro de um caixa, com um frasco de veneno cuja abertura é determinada pelo comportamento da partícula quântica, estará vivo e morto ao mesmo tempo, porque a condição da partícula só será definida quando ela for medida, isto é, quando a caixa for aberta.
Mesmo se o fóton de controle decide como medir a partícula depois que ela já passou pelo primeiro interferômetro, ela continua "indecisa", mantendo sua natureza dúbia.
Em termos do gato de Schrodinger, isso significa que, mesmo depois que já deveria estar definido se o gato está vivo ou morto, continua sendo possível determinar se ele está vivo ou morto, ou se ele continua vivo e morto ao mesmo tempo.
Dualidade definitiva
Como, nos experimentos, a situação repete-se ao infinito, torna-se possível observar que o fóton assume constantemente as duas condições - ou seja, o fóton é mesmo uma partícula e uma onda, ao mesmo tempo.
A mecânica quântica acertou de novo, reforçando ainda mais seu jeitão esquisito, mas muito eficaz, de explicar a natureza.
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