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domingo, 20 de setembro de 2015

Quem nunca quis ser um astrônomo ?




A astronomia amadora, apesar de carregar o termo amador, muitas vezes associado a algo feito com desleixo ou improvisado, e algumas pessoas fora do nosso meio associam esse adjetivo com brincadeira e passatempo. Não deixa de ser um passatempo e uma brincadeira, mas que para uma boa parcela dos amantes do universo, essa brincadeira levada a sério resulta em fazer ciência.

Quando discutimos esse limite entre hobby e paixão pelo universo podemos verificar que em alguns nichos da astronomia, a contribuição dos chamados amadores é fundamental e respondem até, em alguns deles, pela grande maioria das descobertas e dados colhidos para estudos científicos, como é o caso de caçadores e descobridores de cometas e asteroides, observação de estrelas variáveis, registros atmosféricos de planetas do sistema solar, observação de eclipses solares e lunares, ocultação de estrelas por asteroides ocultações de planetas e estrelas pela Lua, trânsito de planetas (Vênus e Mercúrio) pelo disco solar, observação de manchas solares e até mesmo a descoberta de exoplanetas.

Astrônomos amadores, na grande maioria das vezes, bancam do próprio bolso seus equipamentos e materiais de pesquisa, assim como boa parte de seu conhecimento sobre o assunto necessita ser adquirido de forma autodidata, e também contamos com a experiência empírica de muitas noites em claro passando frio, sono e solidão. E esse aprendizado custa. Enquanto uma parcela da astronomia amadora gosta de atuar só, no fundo de seus quintais, observatórios privados ou áreas emprestadas para poder montar seus equipamentos, outra parcela se organiza em grupos e clubes de astronomia, dividindo equipamentos, conhecimento, tempo e estudos.

Inclusive se olharmos para o cenário da astronomia amadora brasileira e usarmos um intervalo desde o começo dos anos 2000 até hoje, podemos dizer com propriedade que evoluímos muito no acesso a informação, equipamentos e interação entre a comunidade da astronomia em todo o país. Atribuímos a esse desenvolvimento, a facilidade (Ainda que com caríssimos impostos e pouquíssimo incentivo público) na importação de equipamentos, a facilitação do acesso à internet que permitiu a facilitação do contato entre amadores de regiões distantes e facilitou muito o acesso a informações que antes demoravam a chegar, e quando chegavam eram restritas ou resumidas, aos amantes do cosmos.

Quem viveu a astronomia amadora no século passado, mesmo que nas últimas décadas (No meu caso vivenciei a última com interesse ao assunto), vai se lembrar que para se ter um telescópio no Brasil, ou se pagava uma pequena fortuna em algo limitado que vinha de fora, ou se construía no fundo do quintal seus espelhos e o colocava em tubo de PVC empoleirado em uma montagem dobsoniana, não tínhamos todas as opções, mesmo que ainda sobrecarregadas de tributos, que temos hoje. Astrofotografias eram feitas com filmes, e só se via o resultado de uma captura quando se revelava as fotos, isso se o estúdio não resolvesse cortar e jogar foras tais negativos com a justificativa que tinham queimado. Informações sobre eclipses, passagens de cometas, asteroides, chuvas de meteoros, e acontecimentos especiais, só eram possíveis para a grande maioria dos reles mortais quando saía na TV, ou publicado em revistas mensais como a Superinteressante (Em seus bons tempos). Se comunicar com amigos que tinham a astronomia como assunto comum, se morassem longe, só por cartas enviadas pelo Correio, e que muitas vezes demoravam semanas, ou até meses para chegar.

Por outro lado, a internet também trouxe lendas urbanas, notícias falsas e teorias malucas que dão calafrios em gente séria. E muitas delas se perpetuam, mesmo com todos os desmentidos e após furarem por anos seguidos. Quem não se lembra do Marte gigante que vem dar um oi pra Lua em agosto, os fins do mundo que já presenciamos várias vezes, seja por cometas, por calendários com produção descontinuada, asteroides, luas avermelhadas de vergonha por terem sido colocadas nessas lendas, e por aí vai?

Mas praticar astronomia amadora, antes de qualquer coisa, é uma forma de praticar valores. Olhar para o céu estrelado é uma forma de apreciar aquilo que somos, buscar respostas de onde viemos e para onde vamos, entender onde estamos e o que somos e tentar compreender o universo do qual somos um ínfimo pedacinho.

Quando começamos a entender que eu, você, meu cachorro, sua tartaruga, os extremistas que explodem coisas e pessoas, a água do Rio Amazonas, as árvores da sua rua, as paredes de sua casa, as luas de Marte, as manchas de Júpiter, os anéis de Saturno, a cauda do cometa Halley, as estrelas que vemos e tudo aquilo que já conhecemos no universo são feitos por átomos oriundos das estrelas, inclusive nós, nos damos conta que praticar astronomia é uma forma eficaz de conhecer a si próprio e a tudo que nos rodeia, além de ser uma imensa lição de humildade.

Toda vez que você levanta a cabeça de olha para o céu durante a noite para observá-lo, estará sendo protagonista em uma viagem ao passado, observando fantasmas de mundos que já existiram (Muitos nem existem mais), de onde aquele registro em forma de luz saiu a muito tempo. A cada segundo em que observamos o universo por nossos olhos, estamos vivenciando um momento único, que jamais foi visto, e que nunca mais será visto.

Toda vez que olhar para céu, sempre será diferente da vez anterior, mesmo que constelações pareçam iguais, nebulosas componham a mesma astrofotografia e o brilho da estrelas pareça igual, aquela luz que chega aos seus olhos equivalem a um momento diferente do objeto de onde ela saiu. Imagine a luz que parte de uma estrela rodeada de exoplanetas, situada a milhares de anos-luz do nosso planeta, sabendo sua velocidade nessa viajem, já pararam para pensar (que mesmo que em se tratando de astronomia, um único dia seja muito pouco tempo), quando olharmos para o céu no primeiro dia e recebermos essa luz em nossos, estaremos recebendo fótons que saíram dessa estrela quando ela e seus planetas passavam por um determinado momento de suas histórias, com condições específicas para cada planeta, e que ao olhar para essa mesma estrela na noite seguinte, estará recebendo fótons de um outro momento, onde tais condições podem ter sofrido uma alteração considerável desde a sua observação na noite anterior. Assustador? Eu chamaria de magnífico. Somos parte do universo vivendo uma simbiose com o Cosmos, e praticar astronomia é uma forma de contato que nos faz entender essa relação.

E praticar astronomia não é só observando o céu todas as noites com seu telescópio ou binóculo, quem tiver interesse em ser um astrônomo amador pode ser importante sem ter um equipamento, aliás, não enxergo uma escala de importância, pois desde o famoso caçador de cometas, até o iniciante que convida um vizinho para dar uma olhada nas crateras da Lua, estão sendo importantes, estão contribuindo para algo.

A astronomia amadora quando feita por amor, não busca fama, status ou lucro. Ela é uma ferramenta que proporciona conhecimento, faz amizades, transmite valores e proporciona a aproximação de pessoas com a ciência. Em tempos de redes sociais e fácil aproximação virtual entre pessoas, vemos as vezes alguns oportunistas usando o fascínio que a população tem pela astronomia afim de garimpar “likes”, mas o resultado desse trabalho quase sempre são notícias sensacionalistas e com conteúdo embolado, e não podemos generalizar, pois temos também em redes sociais, gente muito competente, que ensina e transmite conhecimento de uma forma acessível.

Já fora do mundo virtual, o trabalho dos amantes da astronomia proporciona acesso ao astros, para gente que jamais imaginou ter a oportunidade de colocar o olho em uma ocular e observar as crateras de Lua, ou os anéis de Saturno. Aliás, não existe pagamento melhor para um astrônomo amador, do que a emoção de uma criança ao observar um astro pela primeira vez, ou as lágrimas de um idoso que agradece por ter tido em uma observação pública, a chance de ver os anéis de Saturno, que acreditava ele, iria morrer sem ter uma oportunidade.

Quem está começando a se aventurar na prática astronômica, jamais deve se sentir acanhado ou inferior, pois todos aqueles hoje se destacam na astronomia amadora, já foram aprendizes e iniciantes. Aquele caçador de cometas famoso por ter seu nome naquele cometa tão esperado, provavelmente já teve dúvidas parecidas com a que você tem hoje, assim como o grande astrofotógrafo que hoje tem um equipamento de milhares de reais, e faz fotos fantásticas, não começou com esse equipamento e com toda certeza já borrou muitas imagens, aquele astrônomo amador bom de papo que junta uma rodinha de pessoas em torno dele, ou que frequenta palcos para dar palestra, já sentiu frio na barriga ao falar em público, e já ficou sem respostas para muita coisa.  A única coisa que separa o iniciante do experiente é a prática, o conhecimento e a experiência adquirida com o tempo, e que você, caso persista, estude e pratique, conseguirá alcançar.

Afinal, como parte do universo, você é parte da astronomia. E aproveite para olhar e apreciar o céu, é gratuito, único e importante.

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