Algoritmos classificam 160 mil agrupamentos de bilhões de estrelas a partir de imagens obtidas por telescópio robótico brasileiro
Galáxia Antena, de formato difícil de classificar. ESA / Hubble & NASA
Uma equipe internacional liderada por astrofísicos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) classificou o formato de cerca de 164 mil galáxias visíveis no céu do hemisfério Sul com o emprego de dois algoritmos de inteligência artificial desenvolvidos no país. O primeiro analisou as imagens e identificou objetos que poderiam comprometer a categorização das galáxias de acordo com seus contornos, como a presença de um corpo extremamente luminoso no campo de visão.
Atribuiu ainda a cada imagem qual era sua probabilidade de ser útil para determinar a forma de uma galáxia. O segundo algoritmo fez a classificação em si desses enormes agrupamentos de bilhões de estrelas a partir da distribuição e concentração dos menores pontos luminosos (pixels) que compõem as imagens. Foram usados no estudo registros das galáxias obtidos pelo telescópio robótico brasileiro T80S, em funcionamento no Chile desde 2016.
Cerca de 98% das galáxias foram classificadas em duas grandes classes: 69% como espirais e 29% como elípticas. Os outros 2% foram compostos de galáxias cuja categoria não foi possível determinar por diferentes motivos: apresentavam formato irregular, exibiam estruturas híbridas que as situavam como pertencentes às duas grandes categorias ou não se encaixavam em nenhuma classificação conhecida.
Os resultados foram apresentados em um estudo aceito para a publicação no periódico científico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “Nossos testes de validação indicam que o grau de acerto com nosso método que usa técnicas da inteligência artificial para classificar galáxias é de 98,5%”, comenta o astrofísico Clécio Roque de Bom, do CBPF. O pesquisador criou os dois algoritmos usados no trabalho e é o autor principal do artigo.
A configuração de uma galáxia contém pistas sobre sua história e seu processo de formação. As mais comuns são as do tipo espiral, como a Via Láctea. Sua parte central, denominada bojo, abriga uma concentração de estrelas, geralmente mais velhas. Do bojo projetam-se fileiras de estrelas novas, fomentadas pela presença de gás frio, que traçam no espaço linhas curvas abertas – belas estruturas informalmente denominadas braços.
Desprovidas de grandes quantidades de gás, as galáxias elípticas normalmente não formam estrelas novas e se caracterizam por exibir uma estrutura mais simples e monótona. Apresentam uma forma redonda ou ovalada e são formadas majoritariamente por estrelas velhas. “As elípticas estão geralmente na região central dos aglomerados de galáxias, enquanto as espirais ficam mais em sua periferia”, comenta Bom.
Exemplos das duas principais classes de galáxias, a espiral NGC 2525 (à dir.) e a elíptica Messier 59. ESA / Hubble & NASA | ESA / Hubble & NASA, P. Cote
Do manual ao automático
Há poucas décadas, os astrofísicos faziam a classificação de galáxias e de outros objetos de forma manual. Olhavam uma a uma as imagens à sua disposição e chegavam a um veredito. Com a enorme quantidade de registros de corpos celestes obtidos por diferentes mapeamentos do céu visível, esse processo artesanal foi substituído, ao menos como primeira abordagem, por classificações automatizadas.
Os avanços na informática e mais recentemente nas áreas de inteligência artificial e de aprendizado de máquina permitem, agora, processar e analisar milhões de imagens de forma muito rápida. “Com os algoritmos, o tempo de classificação de uma galáxia é de milésimos de segundo”, diz a astrofísica italiana Arianna Cortesi, do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV-UFRJ), outra autora do estudo.
“Dois parâmetros são muito importantes para que isso seja possível: a resolução e a profundeza das imagens.” Em outras palavras, o código do algoritmo só consegue “enxergar” os braços e outras estruturas das galáxias porque trabalha com registros de boa qualidade desses objetos celestes.
O telescópio T80S trabalha majoritariamente para o levantamento Southern Photometric Local Universe Survey (S-Plus). A iniciativa tem como objetivo mapear metade do céu do hemisfério Sul, inclusive algumas regiões fora do campo de visão de outros levantamentos. O T80S tem um espelho de apenas 80 centímetros, mas uma câmera com campo de visão muito amplo, ideal para varrer vastas áreas do céu em pouco tempo.
Outra particularidade do telescópio é contar com um filtro que produz imagens em 12 bandas fotométricas distintas dos corpos celestes observados. “A maioria dos levantamentos conta com imagens de quatro a seis bandas dos objetos mapeados”, comenta a astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), idealizadora do T80S e coordenadora do S-Plus.
“Nossas imagens contêm muita informação e a inteligência artificial é uma ferramenta importante para nos auxiliar nas análises.” Até agora, o levantamento do S-Plus catalogou e divulgou imagens de 21 milhões de objetos celestes. Cerca de 200 pesquisadores, dos quais 60% brasileiros, participam do projeto. O T80S foi construído e opera com financiamento majoritário da FAPESP.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) também contribuíram para a entrada em operação do telescópio.
Fonte: Revistapesquisa.fapesp.br
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