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terça-feira, 23 de março de 2021

Ventos estratosféricos muito fortes medidos pela primeira vez em Júpiter

 

 Esta imagem mostra uma concepção artística dos ventos na estratosfera de Júpiter perto do polo sul do planeta, com as linhas azuis a representarem as velocidades dos ventos. Estas linhas estão sobrepostas a uma imagem real de Júpiter, obtida pela câmara JunoCam instalada a bordo da sonda espacial Juno da NASA. As famosas faixas de nuvens de Júpiter estão localizadas na baixa atmosfera, onde os ventos foram medidos anteriormente. No entanto, detectar ventos logo acima desta camada atmosférica, na estratosfera, é muito mais difícil porque não existem nuvens nesta zona. Ao analisar os resultados da colisão de um cometa em 1994 e com o auxílio do ALMA, do qual o ESO é um parceiro, os pesquisadores conseguiram detectar ventos estratosféricos extremamente fortes, com velocidades de até 1450 km/h, perto dos polos de Júpiter. Crédito: ESO/L. Calçada & NASA/JPL-Caltech/SwRI/MSSS

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o Observatório Europeu do Sul (ESO) é um parceiro, uma equipe de astrônomos mediu diretamente, e pela primeira vez, ventos na atmosfera intermediária de Júpiter. Ao analisar o resultado da colisão de um cometa em 1994, os pesquisadores descobriram ventos muito fortes, com velocidades de até 1450 km/hora, perto dos polos de Júpiter, o que pode apontar para o que a equipe descreveu como um “monstro meteorológico único no nosso Sistema Solar”. 

Júpiter é famoso pelas suas distintas faixas vermelhas e brancas: nuvens rodopiantes de gás em movimento que os astrônomos tradicionalmente usam para rastrear os ventos na baixa atmosfera de Júpiter. Os cientistas observam também brilhos intensos, as chamadas auroras, perto dos polos do planeta gigante, que parecem estar associadas a ventos fortes na atmosfera superior. No entanto, até agora, os pesquisadores nunca foram capazes de medir diretamente os padrões do vento entre essas duas camadas atmosféricas, i.e., na estratosfera. 

Medir a velocidade do vento na estratosfera de Júpiter usando as técnicas normais de rastreamento de nuvens é impossível devido à ausência de nuvens nesta parte da atmosfera. No entanto, com a ajuda do cometa Shoemaker-Levy 9, que colidiu com o gigante gasoso de forma espetacular em 1994, os astrônomos tiveram a oportunidade de fazer estas medições utilizando uma técnica alternativa. O impacto deste cometa no planeta deu origem a novas moléculas na estratosfera de Júpiter, onde elas têm se movido com os ventos desde então. 

Uma equipe de astrônomos, liderada por Thibault Cavalié do Laboratoire d'Astrophysique de Bordeaux, na França, seguiu uma dessas moléculas — cianeto de hidrogênio (HCN) — para medir diretamente “jatos” estratosféricos em Júpiter. Os cientistas usam a palavra “jato” para se referirem a faixas estreitas de ventos na atmosfera, tal como as correntes de jato na Terra. 

“O resultado mais espetacular que obtivemos foi a detecção de jatos muito fortes, com velocidades de até 400 metros por segundo, localizados por baixo das auroras, perto dos polos”, diz Cavalié. Estas velocidades dos ventos, equivalentes a cerca de 1450 km/hora, correspondem a mais de duas vezes as velocidades máximas de tempestade alcançadas na Grande Mancha Vermelha de Júpiter e mais de três vezes a velocidade do vento medida nos tornados mais fortes da Terra. 

“Esta nossa detecção indica que estes jatos podem se comportar como um vórtice gigante com um diâmetro de até quatro vezes o tamanho da Terra e com cerca de 900 km de altura”, explica o co-autor do trabalho Bilal Benmahi, também do Laboratoire d'Astrophysique de Bordeaux. “Um vórtice deste tamanho pode bem ser um 'monstro meteorológico' único em nosso Sistema Solar”, acrescenta Cavalié. 

Os astrônomos já sabiam da existência de ventos fortes perto dos polos de Júpiter, mas situados muito mais alto na atmosfera, a centenas de quilômetros acima da área de foco deste novo estudo, que é publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics. Estudos anteriores previam que estes ventos na atmosfera superior diminuiriam em velocidade e desapareceriam muito antes de chegar às profundidades correspondentes à estratosfera. No entanto, “os novos dados do ALMA nos dizem o contrário”, disse Cavalié, acrescentando que o fato de descobrir estes ventos estratosféricos fortes perto dos polos de Júpiter constituiu uma “verdadeira surpresa”. 

A equipe utilizou 42 das 66 antenas de alta precisão do ALMA, localizadas no deserto do Atacama, no norte do Chile, para analisar as moléculas de cianeto de hidrogênio que se movem na estratosfera de Júpiter desde o impacto do cometa Shoemaker-Levy 9. Os dados do ALMA permitiram medir o desvio de Doppler — variações minúsculas na frequência da radiação emitida pelas moléculas — causado pelos ventos nesta região do planeta. “Ao medir estas variações, pudemos determinar a velocidade dos ventos, um pouco como podemos determinar a velocidade de um trem que passa pela variação na frequência do apito do trem”, explica o co-autor do estudo Vincent Hue, um cientista planetário do Southwest Research Institute, nos EUA. 

Além dos surpreendentes ventos polares, a equipe usou também o ALMA para confirmar a existência de fortes ventos estratosféricos em torno do equador do planeta ao medir diretamente, e também pela primeira vez, as suas velocidades. Os jatos descobertos nesta região do planeta têm velocidades médias de cerca de 600 quilômetros por hora. 

As observações ALMA necessárias para seguir os ventos estratosféricos nos polos e no equador de Júpiter necessitaram de menos de 30 minutos em termos de tempo de telescópio. “Os altos níveis de detalhe que conseguimos atingir em tão pouco tempo demonstram bem o extraordinário poder do ALMA”, disse Thomas Greathouse, cientista no Southwest Research Institute e co-autor do estudo. “Achei surpreendente obter a primeira medição direta destes ventos”. 

“Estes resultados do ALMA abrem uma nova janela no estudo das regiões aurorais de Júpiter, algo inesperado a apenas alguns meses atrás”, disse Cavalié. “Esta descoberta preparou também o terreno para as medições, semelhantes mas mais extensas, que serão feitas pela missão JUICE e o seu instrumento de ondas submilimétricas”, acrescenta Greathouse, se referindo ao JUpiter ICy moons Explorer da Agência Espacial Europeia, que se espera que seja lançado no próximo ano. 

O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, que deverá ver a sua primeira luz durante a segunda metade desta década, irá também explorar Júpiter. O telescópio será capaz de fazer observações extremamente detalhadas das auroras do planeta, dando-nos uma visão mais aprofundada da atmosfera de Júpiter.

Fonte: ESO

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