Uma astrônoma brasileira radicada nos Estados Unidos está usando o Telescópio Espacial Hubble para desvendar a origem de galáxias como a Via Láctea, que abriga o nosso Sistema Solar. “Eu estou trabalhando na formação dos discos espirais parecidos com o da Via Láctea”, explica Duilia de Mello, pesquisadora da Universidade Católica da América e do Centro Goddard de Voo Espacial, da Nasa. “Nós estamos tentando estabelecer exatamente a época em que os discos se formaram. Ou seja, a ideia é descobrir em que época dos 13,8 bilhões de anos de existência do Universo começaram a surgir as galáxias espirais com as formas atuais. Para isso, Duilia e seus colegas trabalham sobre uma imagem que revela os segredos do passado cósmico. Seu trabalho consiste em basicamente usar o Hubble como uma máquina do tempo. Essa é uma coisa que sempre confunde as pessoas. Por que olhar para longe que vale a olhar para trás no tempo? A chave do mistério é a velocidade da luz. Imagine, para efeito de simplificação, que as partículas luminosas viajassem a modestos 10 km/h. Ou seja, um raio de luz atravessaria 10 quilômetros a cada hora de viagem. Aí você vê um avião passar pelo céu a 10 quilômetros de altura.
A luz que partiu da aeronave levou uma hora para sair de lá do céu e chegar no chão, certo? Isso significa que o avião que você está vendo como se fosse agora na verdade passou por cima de você uma hora atrás, e esse foi o tempo que levou para que a luz saísse dele e chegasse nos seus olhos. Você estaria vendo o passado, o que aconteceu no céu 60 minutos atrás. Claro, a luz na verdade viaja muito mais depressa que isso. Ela avança pelo vácuo do espaço a espetaculares 300 mil km/s. Ou seja, a cada segundo, um raio luminoso atravessa 300 mil quilômetros.
Isso significa que, para eventos terrenos (a Terra tem modestos 12 mil quilômetros de diâmetro), a luz parece viajar instantaneamente, sem causar essa confusão de tempo. Mas isso começa a mudar quando falamos de distâncias cada vez maiores. Olhar para a Lua, que está a 380 mil quilômetros da Terra, equivale a ver pouco mais de um segundo no passado. Ao olhar para o Sol, estamos vendo como ele era oito minutos atrás. Por consequência, quando olhamos para as profundezas mais distantes do espaço, vemos como o Universo era vários bilhões de anos atrás.
Campo profundo - Em 1995, o astrofísico americano Robert Williams se deu conta de que o Telescópio Espacial Hubble era o instrumento ideal para esse tipo de viagem no tempo. Apontado numa direção do espaço onde aparentemente nada se via durante vários dias, na esperança de capturar os raios de luz vindos de objetos muito distantes. Em lugar do nada, o Hubble registrou quase 3.000 galáxias distantes num pedacinho de céu equivalente ao tamanho de uma bola de tênis observada a cem metros de distância. Nascia assim o “Campo Profundo do Hubble”. Ele foi apenas o primeiro esforço nesse sentido.
Nove anos depois, veio o Campo Ultraprofundo do Hubble, obtido pelo mesmo método, mas com uma câmera mais poderosa. No ano retrasado, foi obtido o Campo Profundo Extremo do Hubble, que representa um pedacinho do Campo Ultraprofundo e revelou 5.500 novas galáxias, que remontam a até 13,2 bilhões de anos atrás. A novidade da imagem obtida agora pelo grupo do qual Duilia de Mello faz parte é que ela combina o Campo Ultraprofundo do Hubble (já velho de guerra), captado em luz visível, com novas observações feitas em ultravioleta — um tipo de luz que nossos olhos não são capazes de ver.
Berçário em foco - “A imagem ultravioleta revela os berços estelares, ou seja, o local onde nascem as estrelas nas galáxias”, diz Mello. “Esses berços possuem estrelas até 100 vezes mais massivas que o nosso Sol, que são muito quentes e por isso emitem no ultravioleta. As imagens anteriores [de campo profundo] não mostravam esses berços estelares que estão a uma distância de 5 bilhões a 8 bilhões de anos-luz. Sem os filtros ultravioletas que usamos agora não era possível vê-los. Como se pode imaginar, imagens como essa contêm tanta informação que os astrônomos passam muitos anos analisando-as. Duilia está trabalhando com uma estudante de doutorado, Emmaris Soto, no aspecto específico da formação das galáxias espirais, mas a dupla ainda não chegou a uma resposta definitiva sobre a questão. “Porém já temos bons indícios de que por volta de 7 bilhões de anos atrás houve um decréscimo na produção de estrelas e galáxias como a Via Láctea adquiriram o formato que têm hoje naquela época.”
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