Não há átomos aqui. Em vez disso, existem buracos negros que se juntam para formar versões bizarras de moléculas. Uma vez que os buracos negros se acalmam, você tem algo parecido com um sólido, mas que age como se fosse um líquido.
Bem-vindo ao universo supergosma. Esta realidade hipotética deriva da teoria da corda, a qual permite um grande número de possíveis universos, cada um com diferentes leis físicas.
Pode soar como não mais do que o devaneio de um físico. A supergosma não pode ser criada em nosso universo, e a teoria de cordas, em geral, é notoriamente difícil de provar. Ainda assim, a ideia poderia ser útil, já que esses conceitos podem ajudar os cientistas a resolverem problemas reais da natureza do vidro.
O universo supergosma possui diversas forças além daqueles que experimentamos, o que significa dizer que nele existem partículas que nunca vimos antes. Isso além da supersimetria, por isso todas as partículas têm superparceiros com a mesma massa. Isto impede a formação de átomos, porque a supersimetria não permite configurações complexas o suficiente envolvendo as partículas.
A multiplicidade de forças dá a esses buracos negros muitas cargas diferentes, deixando-os assumir o papel de átomos que se agregam para construir moléculas. Alguns deles podem até ser complexos o suficiente para formar a base para a vida.
“A maneira como nós obtemos moléculas diferentes de buracos negros é alterando detalhes microscópicos da teoria das cordas”, conta Jacob Barandes, da Universidade de Harvard, Estados Unidos. “Se existem muitos desses buracos negros pequenos e eles são lançados ao ar e tocados, eles apresentam um comportamento de gosma”. Deixe os buracos negros relaxarem gravitacionalmente em seus componentes básicos e você terá uma supergosma.
Mas como isso nos ajuda a entender o vidro? Para os nossos olhos, o vidro parece sólido. Porém, a nível molecular, ele se assemelha a um líquido, com as moléculas não organizadas como uma estrutura de cristal, mas dispostas de forma desordenada. O problema é que ninguém sabe como o vidro se mantém neste estado dual. “É surpreendente que até hoje não exista um bom modelo teórico do processo de transição do vidro”, considera Tarek Anous, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
É aí que entram as “moléculas” de buracos negros. Os pesquisadores Anous, Barandes e outros colegas propuseram a teoria da supergosma pela primeira vez em 2011, quando também descreveram como as moléculas de buraco negro poderiam oferecer uma maneira mais fácil de compreender o comportamento do vidro.
“Há uma série de características do caso do buraco negro que tornam matematicamente mais fácil de estudar o assunto”, afirma Barandes. “A física é exótica, mas a matemática é simples”. Na semana passada, no MIT, Anous apresentou resultados de pesquisas que proporcionam novas razões para acreditar que a analogia procede, e que o comportamento do vidro é, de fato, muito bem imitado pela supergosma.
Porém, nem todos os físicos que pesquisam sobre o assunto estão prontos para abraçar a gosma. “Há tanta compreensão que precisa ser feita em relação à estrutura do vidro com a química do mundo real”, opina John Maur, da empresa de vidro Corning, em Nova York, EUA. “Eu acho que os melhores esforços estão voltados para a compreensão do verdadeiro vidro, feito de átomos reais”.
Para além da discussão sobre o vidro, poderia esta supergosma dar origem à vida baseada em buracos negros? Anous acredita que sim. “Não há nenhuma razão para que você não possa arbitrariamente criar coisas complicadas com a supergosma, como a vida”, considera. Isso levanta uma questão filosófica.
Na teoria das cordas, qualquer coisa que você quer que aconteça pode se tornar realidade se você escolher o universo apropriado. Isso suscita um enigma: por que vivemos em nosso universo, e não em um diferente? Se você alterasse qualquer uma das constantes fundamentais em nosso universo, nós não estaríamos aqui para observá-lo.
Ou seja, não sabemos por que o universo é tão bem adaptado para nós. Torna-se tentador pensar a razão pela qual nosso universo é especial, e isso traz certo desconforto aos físicos. “Então, a responsabilidade dessa explicação recai sobre os físicos”, diz Anous.
A supersimetria quase nos dá uma resposta satisfatória. Alguns teóricos sugerem que universos com um baixo grau de supersimetria – o que provavelmente inclui o nosso próprio – são os únicos que podem dar origem a átomos, moléculas e à vida complexa. Nesse caso, entretanto, haveria um grande número de universos com vida, e o nosso não seria tão especial.
Agora, cientistas descobriram que a supergosma aparentemente poderia também dar origem a átomos, além de existir em um universo altamente supersimétrico, o que acaba com a explicação acima. Segundo Anous, a gosma também significa que nós não somos especiais, e nos apresenta um novo enigma: “Podemos nos perguntar: por que nós não estamos em uma supergosma?”, conclui.
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