Pela primeira vez na história, astrônomos conseguiram fotografar um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea – um marco histórico, que pode esclarecer diversos mistérios do Universo.
Concepção artística do quasar P172+18, o mais distante já encontrado, a 13 bilhões de anos-luz. O buraco negro foi detectado pela instalação do Very Large Telescope (VLT) do European Souther Observatory (ESO) por conta dos imensos jatos de ondas de rádio que ele lança na direção da Terra.
Buracos negros e seus mistérios há muito cativam a imaginação e inspiram obras da cultura pop desde que Albert Einstein previu sua existência na Teoria da Relatividade Geral.
Hoje, mais de um século depois da hipótese de Einstein, o grande avanço tecnológico na observação do Espaço conseguiu, em 2019, observar e fotografar um buraco negro pela primeira vez. Agora, cientistas anunciaram uma foto do buraco negro no centro da nossa galáxia.
As primeiras fotos do buraco negro Sagitário A*
Primeira imagem do Sagitário A*, o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia. FOTO DE ESO COLLABORATION
Na última quinta-feira (12), o European Southern Observatory (ESO) anunciou a primeira foto do Sagitário A* (lê-se sagitário-a-estrela), o buraco negro supermassivo que está no centro da Via Láctea, a 27 mil anos-luz do nosso sistema solar.
A nova imagem, tiradas pelo Event Horizon Telescope (EHT), uma rede de radiotelescópios global, mostram a anatomia do buraco negro com massa superior a 4 milhões de sóis; seu tamanho é próximo ao da órbita do planeta Mercúrio em volta do Sol.
Embora não possamos ver o miolo do buraco negro, porque ele é completamente escuro, o gás brilhante ao seu redor revela uma região central, a sombra, cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel e composta de gás, poeira e estrelas que rodeiam o corpo cósmico superaquecidos.
Feitas com a combinação de oito observatórios espalhados pela Terra, as fotos são um verdadeiro marco histórico para a astronomia. Os cientistas já haviam visto estrelas orbitando em torno de algo invisível, compacto e muito massivo no centro da Via Láctea, o que sugeria, fortemente, que o objeto (o Sagitário A*) era um buraco negro. A imagem divulgada fornece a primeira evidência visual e direta disso.
“É um momento emocionante. É o nosso próprio buraco negro supermassivo”, disse Roberta Duarte, douroranda em astrofísica no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), em entrevista à National Geographic após o anúncio do ESO.
Ainda que as fotos sejam um grande avanço no estudo dos buracos negros, eles guardam diversos mistérios, os quais podem nos ajudar a entender, entre outras questões, a própria origem do universo.
O que é um buraco negro?
Astrônomos e físicos costumam definir os buracos negros como bolsões de matéria extremamente densos; objetos de massa tão incrível e volume minúsculo que distorcem drasticamente o tecido do espaço-tempo. “É uma região do espaço em que o campo gravitacional é tão forte que nem a luz consegue escapar”, explica Rodrigo Nemmen, astrofísico pesquisador do IAG-USP.
Segundo Nemmen, para começar a entender os buracos negros é preciso voltar à Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. No início do século 20, o físico propôs que o universo existia em uma geometria quadridimensional conhecida como espaço-tempo. “Einstein introduziu o entendimento de que o tempo não era absoluto, mas que também seria uma dimensão (como a profundidade, largura e altura), tornando-o relativo. Daí vem o nome da teoria”, contou Nemmen.
Mas só isso não era suficiente para explicar os fenômenos espaciais. Assim, o físico, em sua hipótese, também incluiu a gravidade como uma grandeza importante, que dependeria da massa dos objetos.
A presença de corpos com quantidade significativa de massa curvaria esse espaço-tempo, o que é chamado de campo gravitacional. Quanto mais massa, maior o campo (curvatura) e a distorção do tempo e do espaço. Na prática, isso significa que no Sol, por exemplo, o tempo flui mais devagar do que na Terra. “Com isso, Einsten conseguiu prever a existência dos buracos negros em 1916. Mas, naquela época, ele próprio não acreditava muito nos seus cálculos e lutava com a consequência inexorável da sua teoria”, diz Nemmen.
Como buracos negros se formam
A maioria dos buracos negros surgem dos restos condensados de uma estrela massiva, ou seja, o que sobra após a morte de uma estrela grande, com a massa de pelo menos três sóis do tamanho do nosso. Segundo Nemmen, as estrelas são mantidas por reações de fusão nuclear – o que significa que fundem o hidrogênio em hélio em seus núcleos –, um processo no qual elas perdem uma pequena quantidade de massa, que se converte em enorme quantidade de energia. É daí que vem o seu brilho natural.
Com o tempo, esse combustível acaba, e as estrelas morrem. Antes de isso ocorrer, o equilíbrio favorece a gravidade, e o núcleo começa a entrar em colapso. Algumas estrelas, cuja massa é igual ou menor que o nosso Sol, terminam sua evolução como anãs brancas.
Mas, em estrelas maiores – com massa superior a 10 sóis –, a probabilidade é que a sua morte cause um colapso gravitacional, explodindo em uma supernova e deixando para trás um buraco negro.
Tipos de buracos negros
Os buracos negros são categorizados pelo tamanho. Primeiro, temos os buracos negros estelares, entre três a 100 massas solares. “Esse é o tipo mais comum encontrado no Universo e normalmente é visto orbitando uma estrela menos massiva ou até outro buraco negro, em uma dança gravitacional”, diz Roberta Duarte.
Recentemente, um desses buracos negros estelares foi encontrado a apenas 1,5 mil anos-luz da Terra – o mais próximo do nosso planeta. Batizado de Unicórnio, ele também é o menor já registrado, com apenas três massas solares de tamanho.
Em seguida, estão os buracos negros intermediários, cuja massa varia de 100 a 10 mil sóis. E, por fim, temos os supermassivos, maiores de 10 mil massas solares, categoria em que o Sagitário A* se encaixa. Segundo Nemmen e Duarte, são esses os buracos negros que se pode encontrar no centro das galáxias. “A hipótese é que boa parte das galáxias tenha um [buraco negro] supermassivo no centro delas", explica Duarte. "Isso é colocado desde a década de 1960, quando pudemos observar quasares no centro de galáxias muito distantes.”
Os quasares, que a astrofísica menciona, são buracos negros supermassivos extremamente ativos, cuja taxa de acreção – a velocidade com a qual ele se alimenta de matéria medida em massas solares por ano – é alta. "Os quasares são observados apenas no universo muito antigo, que está bem longe da gente", acrescenta Nemmen."A forma como ele se alimenta é intensa, fazendo com que o gás e matéria que o rodeiam seja tão brilhante que chegam a ofuscar a galáxia inteira em que estão."
Porque é importante pesquisar buracos negros
Vendo a foto borrada do Sagitário A*, ou do M87 – buraco negro supermassivo no centro da galáxia Messier 87 e o primeiro a ser fotografado – podemos nos perguntar o porquê de tanto alvoroço por algo que nem conseguimos enxergar direito.
Para os astrofísicos, apesar das descobertas ainda não impactarem diretamente a nossa vida, entender melhor os buracos negros, principalmente os supermassivos, pode ser a chave para responder perguntas sobre a origem e a história do universo. “Buracos negros são os corpos mais estranhos e encantadores do cosmos", afirma Nemmen. "Eles, literalmente, distorcem as noções de espaço e tempo em uma existência tão complexa quanto o universo em si.”
De acordo com Duarte, as fotos dos buracos negros – que ela enfatiza serem extremamente nítidas, considerando a distância dos fotografados – possibilita observar a gravidade em seu extremo, algo que ainda entendemos muito pouco. “Qual é o melhor lugar para entender a gravidade do que um objeto que é feito dela?”, questiona a astrofísica.
Para ela, estudar os buracos negros pode nos possibilitar resolver questões que ainda nem existem, assim como os estudos da física polonesa Marie Curie sobre radioatividade, em 1898, ajudaram no desenvolvimento de tratamentos para o câncer, mesmo não sendo seu objetivo inicial. “Quem sabe, entender a gravidade não nos ajuda a resolver questões cruciais para viagens mais rápidas ou até energia limpa? A ciência funciona assim.”
Fonte: nationalgeographicbrasil.com
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