O rover Perseverance da NASA capturou esta selfie perto da rocha apelidada de "Rochette", encontrada no chão da Cratera Jezero, no dia 10 de setembro de 2021, o 198.º dia marciano, ou sol, da missão. Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS
Os cientistas tiveram uma surpresa quando o rover Perseverance da NASA começou a examinar rochas no chão da Cratera Jezero, na primavera de 2021: dado que a cratera teve um lago há milhares de milhões de anos, esperavam encontrar rochas sedimentares, que se teriam formado quando a areia e a lama se estabeleceram num ambiente outrora aquático. Ao invés, descobriram que o chão era feito de dois tipos de rocha ígnea - uma que se formou no subsolo a partir do magma, a outra a partir da atividade vulcânica à superfície.
As descobertas estão descritas em quatro novos artigos publicados quinta-feira, dia 25 de agosto. Na revista Science, um fornece uma visão geral da exploração do chão da cratera, pelo Perseverance, antes de chegar ao antigo delta do rio da Jezero em abril de 2022; um segundo estudo na mesma revista detalha rochas distintas que parecem ter sido formadas a partir de um corpo espesso de magma. Os outros dois artigos científicos, publicados na revista Science Advances, detalham as formas únicas como o laser vaporizador de rochas e o radar que penetra o solo estabeleceram que as rochas ígneas cobrem o chão da cratera.
As rochas ígneas são excelentes cronometristas: cristais no seu interior registam detalhes sobre o momento exato em que se formaram.
O Perseverance obteve esta ampliação de um alvo rochoso apelidado "Foux" usando a sua câmara WATSON (Wide Angle Topographic Sensor for Operations and eNgineering), parte do instrumento SHERLOC na extremidade do braço robótico do rover. A imagem foi tirada a 11 de julho de 2021, o 139.º dia marciano, ou sol, da missão. Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS
"Um grande valor das rochas ígneas que recolhemos é que nos vão dizer mais sobre quando o lago estava presente em Jezero. Sabemos que esteve lá mais recentemente do que as rochas ígneas formadas no chão da cratera", disse Ken Farley do Caltech, cientista do projeto Perseverance e autor principal do primeiro dos novos trabalhos na Science. "Isto irá abordar algumas grandes questões: quando é que o clima de Marte foi propício a lagos e rios à superfície, e quando é que mudou para as condições muito frias e secas que vemos hoje?"
No entanto, devido ao modo como se forma, a rocha ígnea não é ideal para preservar os potenciais sinais da vida microscópica que o Perseverance procura. Em contraste, a determinação da idade da rocha sedimentar pode ser um desafio, particularmente fragmentos de rocha que se formaram em alturas diferentes antes da rocha ser depositada. Mas a rocha sedimentar forma-se frequentemente em ambientes aquosos adequados para a vida e é melhor na preservação dos antigos sinais de vida.
É por isso que o delta rico em sedimentos que o Perseverance tem vindo a explorar desde abril de 2022 tem sido tão tentador para os cientistas. O rover começou a perfurar e a recolher amostras de rochas sedimentares para que a campanha MSR (Mars Sample Return) possa, potencialmente, enviá-las para a Terra para serem estudadas por poderosos equipamentos de laboratórios demasiado grandes para levar para Marte.
Um segundo artigo publicado também na revista Science resolve um mistério de longa data sobre Marte. Há anos atrás, os orbitadores marcianos avistaram uma formação rochosa preenchida com o mineral olivina. Medindo aproximadamente 70.000 quilómetros quadrados, esta formação estende-se desde a orla interior da Cratera Jezero até à região circundante.
Os cientistas têm fornecido várias teorias sobre a razão pela qual a olivina é tão abundante numa área tão grande da superfície, incluindo impactos de meteoritos, erupções vulcânicas e processos sedimentares. Outra teoria é que a olivina se formou profundamente a partir de magma de arrefecimento lento - rocha derretida - antes de ser exposta ao longo do tempo pela erosão.
O rover Perseverance da NASA olha para uma extensão de rochas no chão da cratera Jezero em frente de um local apelidado de "Santa Cruz" no dia 16 de fevereiro de 2022, o 353.º dia marciano, ou sol, da missão.Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASU/MSSS
Yang Liu do JPL da NASA no sul do estado norte-americano da Califórnia, e colegas, determinaram que a última explicação é a mais provável. O Perseverance raspou uma rocha para revelar a sua composição; ao estudar a mancha exposta, os cientistas debruçaram-se sobre o grande tamanho dos grãos de olivina, juntamente com a química e textura da rocha. Usando o instrumento PIXL (Planetary Instrument for X-ray Lithochemistry) do Perseverance, determinaram que os grãos de olivina na área medem entre 1 e 3 milímetros - muito maiores do que seria de esperar para a olivina formada em lava de arrefecimento rápido à superfície do planeta.
"Este grande tamanho e a sua composição uniforme, numa textura rochosa específica, requerem um ambiente de arrefecimento muito lento", disse Liu. "Portanto, muito provavelmente, este magma em Jezero não estava em erupção à superfície".
Os dois artigos na revista Science Advances detalham as descobertas dos instrumentos científicos que ajudaram a estabelecer que as rochas ígneas cobrem o chão da cratera. Os instrumentos incluem o laser da SuperCam do Perseverance e um radar de penetração de solo chamado RIMFAX (Radar Imager for Mars’ Subsurface Experiment).
A SuperCam está equipada com um laser vaporizador de rocha que pode atingir um alvo tão pequeno quando a ponta de um lápis até 7 metros de distância. Estuda o vapor resultante usando um espectrómetro de luz visível para determinar a composição química de uma rocha. A SuperCam fez "zap" a 1450 alvos durante os primeiros 10 meses do Perseverance em Marte, ajudando os cientistas a chegar à sua conclusão sobre as rochas ígneas no chão da cratera.
Além disso, a SuperCam utilizou luz no infravermelho próximo - é o primeiro instrumento em Marte com essa capacidade - para descobrir que a água alterava minerais nas rochas do chão da cratera. No entanto, as alterações não foram generalizadas em todo o chão da cratera, de acordo com a combinação de observações laser e infravermelhas.
"Os dados da SuperCam sugerem que ou estas camadas rochosas foram isoladas da água do lago da Cratera Jezero ou que o lago existiu durante um período limitado de tempo", disse Roger Wiens, investigador principal da SuperCam na Universidade Purdue e no Laboratório Nacional de Los Alamos. O RIMFAX assinala outro "primeiro": os orbitadores marcianos transportam radares de penetração no solo, mas nenhum módulo à superfície de Marte os teve antes do Perseverance. Estando à superfície, o RIMFAX pode fornecer detalhes inigualáveis, e analisou o chão da cratera até 15 metros de profundidade.
Os seus "radargramas" de alta resolução mostram camadas rochosas inesperadamente inclinadas até 15 graus no subsolo. Compreender como estas camadas de rocha estão ordenadas pode ajudar os cientistas a construir uma linha temporal da formação da cratera Jezero.
"Sendo o primeiro instrumento deste tipo a operar na superfície de Marte, o RIMFAX demonstrou o potencial valor de um radar de penetração no solo como ferramenta para a exploração subterrânea", disse Svein-Erik Hamran, investigador principal do RIMFAX na Universidade de Oslo na Noruega.
A equipa científica está entusiasmada com o que encontrou até agora, mas está ainda mais com a ciência que se avizinha.
Fonte: Astronomia OnLine
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