Pela primeira vez na radioastronomia, os cientistas detetaram radiação, em comprimentos de onda milimétricos, de uma explosão de raios-gama de curta duração. Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), M. Weiss (NRAO/AUI/NSF)
Recorrendo ao ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), os cientistas registaram pela primeira vez radiação milimétrica proveniente de uma explosão provocada pela fusão de uma estrela de neutrões com outra estrela. A equipe também confirmou este flash de luz como uma das explosões de raios-gama de curta duração mais energéticas alguma vez observadas, deixando para trás dos brilhos remanescentes ultravioleta mais luminosos alguma vez registados. Os resultados da investigação serão publicados numa edição futura da revista The Astrophysical Journal Letters.
"As explosões de raios-gama ("gamma-ray burst", ou GRB) são as explosões mais brilhantes e energéticas do Universo, capazes de emitir mais energia numa questão de segundos do que o nosso Sol emitirá durante toda a sua vida. GRB 211106A pertence a uma subclasse de GRBs conhecida como explosões de raios-gama de curta duração. Estas explosões - que os cientistas pensam serem responsáveis pela criação dos elementos mais pesados do Universo, como a platina e o ouro - resultam da fusão catastrófica de sistemas binários contendo uma estrela de neutrões.
"Estas fusões ocorrem devido à radiação de ondas gravitacionais, que removem energia da órbita das estrelas binárias, fazendo com que as estrelas espiralem uma em direção à outra", disse Tanmoy Laskar, que em breve começará a trabalhar como professor assistente de Física e Astronomia na Universidade do Utah, EUA. "A explosão resultante é acompanhada por jatos que se movem a uma velocidade próxima da velocidade da luz. Quando um destes jatos aponta na direção da Terra, observamos um curto pulso de raios-gama ou um GRB de curta duração".
No primeiro filme de um GRB de curta duração em comprimentos de onda milimétricos, vemos GRB 21106A como capturado com o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array). A luz milimétrica aqui vista aponta o local do evento para uma galáxia hospedeira distante em imagens capturadas utilizando o Telescópio Espacial Hubble. A evolução do brilho em comprimentos de onda milimétricos fornece informações sobre a energia e sobre a geometria dos jatos produzidos na explosão. Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), T. Laskar (Utah), S. Dagnello (NRAO/AUI/NSF)
Um GRB de curta duração geralmente dura apenas alguns décimos de segundo. Os cientistas procuram então um brilho remanescente, uma emissão de radiação provocada pela interação dos jatos com o gás circundante. Mesmo assim, são difíceis de detetar; apenas meia-dúzia de GRBs de curta duração foram detetados no rádio, e até agora nenhum tinha sido detetado em comprimentos de onda milimétricos. Laskar, que liderou a investigação enquanto bolseiro na Universidade de Radboud, Holanda, disse que a dificuldade está na imensa distância aos GRBs e nas capacidades tecnológicas dos telescópios. "
Os brilhos remanescentes dos GRBs de curta duração são muito luminosos e energéticos. Mas estas explosões ocorrem em galáxias distantes, o que significa que a luz delas proveniente pode ser bastante ténue para os nossos telescópios na Terra. Antes do ALMA, os telescópios milimétricos não eram suficientemente sensíveis para a deteção destes brilhos remanescentes".
Tendo ocorrido quando o Universo tinha apenas 40% da sua idade atual, GRB 211106A não é exceção. A luz desta explosão de raios-gama de curta duração foi tão fraca que, apesar das primeiras observações de raios-X com o Observatório Neil Gehrels Swift da NASA registarem a explosão, a galáxia hospedeira era indetetável naquele comprimento de onda e os cientistas não foram capazes de determinar exatamente a origem da explosão.
"O brilho remanescente é essencial para descobrir de que galáxia vem uma explosão e para aprender mais sobre a própria explosão. Inicialmente, quando apenas a contraparte dos raios-X tinha sido descoberta, os astrónomos pensaram que esta explosão poderia estar a vir de uma galáxia próxima", disse Laskar, acrescentando que uma quantidade significativa de poeira na área também obscurecia o objeto da deteção em observações óticas com o Telescópio Espacial Hubble.
Cada comprimento de onda acrescentou uma nova dimensão à compreensão dos cientistas deste GRB, e o milímetro, em particular, foi fundamental para desvendar a verdade sobre a explosão. "As observações do Hubble revelaram um campo imutável de galáxias. A sensibilidade inigualável do ALMA permitiu-nos identificar com mais precisão a localização do GRB nesse campo e acabou por ter origem noutra galáxia ténue, que se encontra mais longe. Isto, por sua vez, significa que esta explosão de raios-gama de curta duração é ainda mais poderosa do que pensávamos inicialmente, tornando-a uma das mais luminosas e energéticas de que há registo", disse Laskar.
Wen-fai Fong, professora assistente de Física e Astronomia na Universidade Northwestern, acrescentou: "Esta curta explosão de raios-gama foi a primeira vez que tentámos observar um evento deste tipo com o ALMA. Os brilhos remanescentes de GRBs de curta duração são muito difíceis de conseguir, por isso foi espetacular apanhar este evento tão brilhante. Após muitos anos a observar estas explosões, esta descoberta surpreendente abre uma nova área de estudo, uma vez que nos motiva a observar muitos mais com o ALMA e com outros telescópios, no futuro".
Joe Pesce, oficial da NSF (National Science Foundation) para o programa NRAO/ALMA, disse: "Estas observações são fantásticas a muitos níveis. Fornecem mais informação para nos ajudar a compreender as enigmáticas explosões de raios-gama (e a astrofísica das estrelas de neutrões em geral) e demonstram quão importantes e complementares as observações multi-comprimento de onda com telescópios espaciais e no solo são, na compreensão dos fenómenos astrofísicos".
E há ainda muito trabalho a ser feito em vários comprimentos de onda, tanto com novos GRBs e com GRB 211106A, o que poderá revelar surpresas adicionais sobre estas explosões. "O estudo dos GRBs de curta duração requer a rápida coordenação de telescópios em todo o mundo e no espaço, operando em todos os comprimentos de onda", disse Edo Berger, professor de Astronomia na Universidade de Harvard.
"No caso de GRB 211106A, utilizámos alguns dos telescópios mais poderosos disponíveis - o ALMA, o VLA (Karl G. Jansky Very Large Array) da NSF, o Observatório de raios-X Chandra da NASA e o Telescópio Espacial Hubble. Com o agora operacional Telescópio Espacial James Webb, e futuros telescópios óticos e radiotelescópios de 20-40 metros, tais como o ngVLA (next generation VLA), seremos capazes de produzir uma imagem completa destes eventos cataclísmicos e de os estudar a distâncias sem precedentes".
Laskar acrescentou: "Com o JWST, podemos agora obter um espectro da galáxia hospedeira e conhecer facilmente a distância e, no futuro, também podemos utilizar o JWST para capturar os brilhos remanescentes infravermelhos e estudar a sua composição. Com o ngVLA, seremos capazes de estudar a estrutura geométrica dos brilhos remanescentes e o combustível de formação estelar encontrado nos seus ambientes hospedeiros com um detalhe sem precedentes. Estou entusiasmado com estas próximas descobertas no nosso campo".
Fonte: Astronomia OnLine
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