De acordo com investigadores, se não fosse a vida, a Terra poderia não possuir os continentes que tem, tornando-se um planeta coberto quase totalmente por oceanos. Estes novos resultados sugerem que quaisquer continentes que os astrónomos possam um dia ver em mundos distantes podem potencialmente ser sinais de vida extraterrestre. A Terra é actualmente o único planeta conhecido no Universo que se sabe ter água no estado líquido à superfície. Há vida praticamente onde quer que haja água líquida na Terra, por isso um dos focos principais na busca por vida extraterrestre como a conhecemos é a região em torno de uma estrela onde não é nem muito quente nem muito frio para água líquida existir à superfície de um planeta, uma área conhecida como zona habitável. Embora a água cubra a maior parte da superfície da Terra, quase 30% do planeta está coberto por terra, sustentando uma estonteante variedade de vida. Os cientistas podem um dia ser capazes de dizer se planetas distantes são igualmente cobertos por terra, oceanos e nuvens procurando tons avermelhados, azulados ou acinzentados na cor desses mundos. Os cientistas já desenvolveram mapas de nuvens num planeta gigante que orbita uma estrela distante. Agora, os investigadores sugerem que a Terra teria sido um mundo de água com muito poucos continentes, se algum, sem a presença de vida.
Uma grande parte da pesquisa mostra que a vida teve um grande impacto na evolução da atmosfera e dos oceanos da Terra. As plantas e outras formas de vida fotossintética geram oxigénio, dando à Terra a única atmosfera conhecida no Universo com níveis significativos de oxigénio. A vida também influencia fortemente a quantidade de carbono presente na atmosfera e nos oceanos, sob a forma de dióxido de carbono e metano. Estes gases de efeito de estufa prendem o calor e podem afectar drasticamente o clima da Terra, que por sua vez tem um efeito sobre a quantidade de água da Terra no estado sólido. O oxigénio pode também, indirectamente, arrefecer o clima da Terra ao remover metano da atmosfera - na verdade, o aumento dramático de oxigénio na atmosfera da Terra há cerca de 2,4 mil milhões de anos, conhecido como Grande Evento de Oxigenação, pode ter arrefecido o planeta o suficiente para se tornar numa "bola de neve global".
"No entanto, sabe-se muito pouco sobre se a vida teve quaisquer efeitos no interior mais profundo da Terra," realça Tilman Spohn, autor do estudo e cientista planetário do Instituto de Pesquisa Planetária do Centro Aeroespacial Alemão em Berlim. Pesquisas anteriores notaram que os sinais mais antigos da vida até agora encontrados têm cerca de 3,5 mil milhões de anos, aproximadamente a mesma idade do aparecimento dos continentes, e sugeriram uma possível ligação entre estes eventos. Os cientistas então exploraram se a evolução da vida na Terra pode ter influenciado a evolução do planeta. Os investigadores focaram-se no intemperismo biológico, pelo qual a vida quebra rocha. Esta rocha quebrada é levada pelo vento ou pela água, sedimentos que eventualmente fazem o seu caminho até zonas de subducção, áreas onde uma placa tectónica da crosta da Terra mergulha para baixo de outra.
"Os líquenes que cobrem rochas fornecem humidade constante e isso pode enfraquecer a rocha, enquanto o ácido das bactérias pode dissolver rocha," afirma Spohn. Estes sedimentos têm até 40% de água na sua constituição. Isto significa que os sedimentos que sofrem subducção podem transportar grandes quantidades de água até ao manto que se encontra entre a crosta e o núcleo da Terra. Assim que estes sedimentos alcançam a pressão e calor encontrados a cerca de 100 km de profundidade, libertam a sua água, reduzindo a temperatura de fusão da rocha circundante. Isto faz com que a rocha derreta em maior quantidade e suba, eventualmente sendo expulsa através de vulcões como lava que acrescenta massa continental. Por outras palavras, embora a vida ajude a desgastar os continentes, também ajuda a construi-los.
"Quando a superfície da Terra é reciclada em zonas de subducção, afecta processos no interior profundo," afirma o autor principal Dennis Höning, cientista planetário do Instituto de Pesquisa Planetária do Centro Aeroespacial Alemão em Berlim. A magnitude dos efeitos que o intemperismo biológico tem na erosão continental global está actualmente em debate, com estimativas que variam bastante. Para ver quais serão estes efeitos, Spohn e colegas desenvolveram modelos de produção continental e erosão que assumem que um mundo sem vida tem uma fracção da taxa de erosão continental actualmente estimada para a Terra.
Quando os cientistas correram o seu modelo de uma Terra com taxas actuais de erosão continental, simularam um planeta com um manto molhado que, após mais ou menos 4 mil milhões de anos, tinha uma superfície aproximadamente 40% coberta por continentes, mais ou menos semelhante à Terra real. No entanto, quando os investigadores correram o seu modelo com taxas de erosão continental 60% ou menos em relação aos valores actuais, que provavelmente se poderia constatar numa Terra sem vida, simularam um planeta com um manto seco que, após 4 mil milhões de anos, "tinha continentes que cobriam apenas cerca de 5% da sua superfície," afirma Spohn.
"Para mim, a maior surpresa foi a diferença pronunciada que vimos," realça Spohn. "Esperávamos ver uma diferença, mas não uma diferença tão grande". Höning, Spohn e os colegas Hendrik Hansen-Goos e Alessandro Airo relataram as suas descobertas na edição de 25 de Outubro da revista Planetary and Space Science. A evolução da fotossíntese, começando há pelo menos 3,4 mil milhões de anos atrás, pode ter tido um impacto especialmente grande sobre os continentes da Terra. "A invenção da fotossíntese permitiu com que a vida fosse muito mais produtiva, permitiu com que a biosfera dependesse de uma fonte de energia muito maior e com que crescesse muito rapidamente em massa, o que teria aumentado o efeito de intemperismo biológico," comenta Spohn.
Spohn realça que se o manto estivesse seco, talvez nem existissem placas tectónicas, manto este que conduz os movimentos das placas que formam a superfície do planeta e subjaz actividade tectónica como sismos e vulcões. "As placas tectónicas precisam de água para funcionar," comenta. O geofísico Norman Sleep da Universidade de Stanford no estado americano da Califórnia, que não fez parte deste estudo, acrescenta que a biologia pode ter outros efeitos no interior da Terra. Por exemplo, experiências laboratoriais mostraram que a actividade microbial pode ajudar a transformar a esmectite mineral mole em ilite muito mais forte e densa. Dado que a ilite é menos permeável à água que a esmectite, a actividade microbiana pode tornar a água mais disponível a maiores profundidades. Experiências preliminares que Spohn e a sua equipa levaram a cabo sugerem que este efeito pode aumentar ainda mais a diferença entre uma Terra cheia de vida e uma Terra sem vida.
Estes resultados sugerem que "se encontrarmos um planeta algures no Universo com uma cobertura continental similar à da Terra, pode ser um bom lugar para procurar vida," realça Höning. Ainda assim, Höning adverte que planetas maiores, como as super-Terras com até 10 vezes a massa do nosso planeta, evoluem de um modo bastante diferente, por isso estes resultados podem não lhes ser aplicáveis. Além disso, um exoplaneta com uma superfície quente, uma atmosfera espessa ou ventos fortes pode também ter grandes taxas de erosão mesmo sem vida.
"Todos estes factores têm que ser tidos em conta quando tentarmos modelar crescimento continental noutros planetas," comenta Hönig. As pesquisas futuras podem examinar a tendência de formação de fissuras em sedimentos nas zonas de subducção e os efeitos que podem ter na actividade no interior da Terra, realça Sleep. Também podem investigar se a actividade vulcânica nas zonas de subducção varia com os níveis de fluxo sedimentar, onde a lava dos vulcões cria novas terras.
Fonte: Astronomia On-Line
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