Fazer uma borboleta era o desafio autoimposto à aluna de 12 anos de um modesto colégio de freiras no subúrbio de Brás de Pina, no Rio de Janeiro.
O professor de ciências havia explicado naquela tarde como uma lagarta virava uma borboleta. Disposta a testar a ideia, a menina colocou um casulo dentro de um vidro de maionese, fez uns furinhos na tampa e esperou. Nasceu uma borboleta, como dissera o professor. Mas ela tinha as asas amassadas e não conseguia voar.
Arrasada, a menina cobrou explicações do professor. "Eu não sei o que aconteceu", ele disse. "Mas talvez tenha faltado água", arriscou.
Ela arrumou outro casulo no quintal e o depositou com cuidado no vidro de maionese. Colocou um pouco de água lá dentro e, ai sim, fechou com a tampa furada.
"Deu certo, eu consegui fazer uma borboleta", conta Duília de Mello. "Eu não duvidei da palavra dele, nem aceitei: eu fui lá, testei e consegui provar. Acho que foi a primeira vez que a minha curiosidade científica foi despertada", conta ela que, hoje, aos 50 anos, é astrofísica da Nasa, a agência espacial americana.
Nada mal para a menina de origem humilde, nascida em Jundiaí, no interior de São Paulo, e criada no subúrbio do Rio por um pai alcoólatra e uma mãe zelosa.
Agora, para que cada vez mais crianças consigam superar as adversidades e se interessar por carreiras científicas, Duilia está criando a ONG Mulher das Estrelas .
Projeto quer estimular clubes de ciências e competição entre escolas
A astrônoma já conta com a ajuda de 20 profissionais. A ideia é estimular a criação de clubes de ciências e as competições científicas entre as escolas, com a curadoria à distância desses especialistas, para fazer com que crianças de origem pobre por todo o Brasil possam ganhar asas e mirar estrelas.
"Quero poder ajudar às pessoas que não tiveram tanta sorte quanto eu, ou que não tiveram uma mãe tão empenhada como a minha", diz ela, em entrevista por telefone, de Washington.
Informalmente, ela afirma já fazer essa espécie de mentoria à distância. "Muitos desses estudantes me acham na internet, me mandam mensagens. Eu respondo a todas elas, explico como é a profissão."
Perdidos no Espaço
Já na pré-adolescência Duília foi fisgada pelo fascínio da ficção científica. Era fã de Jornada nas Estrelas e Perdidos no Espaço, clássicos da televisão dos anos 60.
"Sempre fui apaixonada pelo Universo e, desde pequena, queria entender como ele funcionava tão bem sendo tão complexo", contou.
"No fim dos anos 1970 eu vivia vidrada nas descobertas das naves espaciais da Nasa, Pioneer 10 e 11, que estavam visitando Júpiter e Saturno. Naquela época não tínhamos internet, e o acesso à informação era bem restrito, principalmente para quem era de classe média baixa, como nós. Lembro de uma revista Manchete com uma grande reportagem sobre Júpiter. Fiquei impressionadíssima."
Cientista era fascinada por ficção científica na adolescência
Enquanto o pai de Duília lutava contra o alcoolismo e tentava ganhar algum dinheiro para sustentar a família - primeiro como caminhoneiro, depois com um negócio de locação de mesas de totó (pebolim) -, a mãe dedicou a vida a fazer com que os quatro filhos estudassem. E conseguiu.
"Mas quando eu dizia que queria fazer astronomia, todo mundo falava que eu era maluca, inclusive minha mãe", lembra Duília.
Muitos professores tentaram convencê-la a seguir carreiras "mais sólidas", como medicina ou engenharia. Mas foi um professor de História quem acabou batendo o martelo: "É melhor ela ser uma astrônoma feliz que uma engenheira frustrada."
Após a graduação na UFRJ, Duília fez um mestrado no Instituto Nacionais de Pesquisas Espaciais (INPE) e um doutorado na USP.
Carreira na Nasa
Há 13 anos ela trabalha na Nasa - o que acabou acontecendo como um desdobramento natural de seus trabalhos no mestrado e no doutorado - quando foi cursar o pós-doutorado no Instituto do Telescópio Espacial Hubble.
Ela é pesquisadora do Goddard Space Flight Center (centro que gerencia as comunicações com os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional) e especialista na análise de imagens do telescópio Hubble.
Na Nasa, Duília foi responsável pela descoberta da supernova SN 1997D e participou também da descoberta das chamadas bolhas azuis - as estrelas órfãs, sem galáxias.
"Em 2008, detectamos umas bolhas azuis, estrelas solitárias que vivem entre as galáxias, que são formadas fora das galáxias. Tanto podem ser pequenos aglomerados de estrelas como galáxias anãs, que podem acabar engolidas pelas galáxias vizinhas. Enfim, é um mecanismo interessante de pensar a evolução das galáxias" explica Duília.
Em 2013 ela foi escolhida como uma das dez mulheres que mudam o Brasil em ranking elaborado pela Barnard College, da Universidade de Columbia (EUA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário