A mudança de um regime de expansão em desaceleração (na era dominada pela radiação e pela matéria) para um regime de expansão em aceleração (na era dominada pela energia escura) assemelha-se a uma transição de fase termodinâmica, de acordo com um artigo na Results in Physics escrito por cientistas afiliados à Universidade Estadual Paulista.
Os pesquisadores utilizaram o parâmetro de Grüneisen no estudo da expansão do universo, ligando a termodinâmica com a cosmologia. Suas descobertas sugerem que o resfriamento contínuo do universo está relacionado à sua expansão adiabática, e a variabilidade potencial da constante cosmológica desafia os modelos tradicionais. Crédito: SciTechDaily.com
A ideia de que o Universo está em expansão data de quase um século atrás. Foi apresentado pela primeira vez pelo cosmólogo belga Georges Lemaître (1894-1966) em 1927 e confirmado observacionalmente pelo astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953) dois anos depois. Hubble observou que o desvio para o vermelho no espectro eletromagnético da luz recebida dos objetos celestes era diretamente proporcional à sua distância da Terra, o que significava que os corpos mais distantes da Terra estavam se afastando mais rapidamente e o universo deveria estar se expandindo.
Descoberta da expansão acelerada
Um novo ingrediente surpreendente foi adicionado ao modelo em 1998, quando observações de supernovas muito distantes pelo Supernova Cosmology Project e pela High-Z Supernova Search Team mostraram que o Universo está acelerando à medida que se expande, em vez de ser abrandado por forças gravitacionais, como havia sido suposto. Esta descoberta levou ao conceito de energia escura, que se pensa ser responsável por mais de 68% de toda a energia do Universo atualmente observável, enquanto a matéria escura e a matéria comum representam cerca de 27% e 5%, respetivamente.
Aplicação da Termodinâmica em Cosmologia
“Medições de desvio para o vermelho sugerem que a expansão acelerada é adiabática [sem transferência de calor] e anisotrópica [variando em magnitude quando medida em diferentes direções]”, disse Mariano de Souza, professor do Departamento de Física da Universidade Estadual Paulista (Unesp). em Rio Claro, Brasil. “Conceitos fundamentais em termodinâmica permitem inferir que a expansão adiabática é sempre acompanhada de resfriamento devido ao efeito barocalórico [mudança térmica induzida pela pressão], que é quantificado pela razão de Grüneisen [Γ, gama].”
Em 1908, o físico alemão Eduard August Grüneisen (1877-1949) propôs uma expressão matemática para Γeff, o parâmetro efetivo de Grüneisen, uma quantidade importante em geofísica que ocorre frequentemente em equações que descrevem o comportamento termoelástico do material. Combina três propriedades físicas: coeficiente de expansão, calor específico e compressibilidade isotérmica.
Quase um século depois, em 2003, Lijun Zhu e colaboradores demonstraram que uma parte específica do parâmetro de Grüneisen chamada razão de Grüneisen, definida como a razão entre a expansão térmica e o calor específico, aumenta significativamente nas proximidades de um ponto crítico quântico devido ao acúmulo de entropia. Em 2010, Souza e dois colaboradores alemães mostraram que a mesma coisa acontece perto de um ponto crítico de temperatura finita.
Pesquisa recente usando o parâmetro Grüneisen
Já Souza e colegas pesquisadores da UNESP utilizaram o parâmetro de Grüneisen para descrever aspectos intrincados da expansão do Universo em artigo publicado na revista Results in Physics, apresentando parte da pesquisa de doutorado do primeiro autor Lucas Squillante, atualmente pós-doutorado no Supervisão de Souza.
“A dinâmica associada à expansão do Universo é geralmente modelada como um fluido perfeito cuja equação de estado é ω = p/ρ, onde ω [omega] é o parâmetro da equação de estado, p é a pressão e ρ [rho] é densidade de energia. Embora ω seja amplamente utilizado, seu significado físico ainda não havia sido discutido de forma adequada.
Foi tratado apenas como uma constante para cada era do Universo. Um dos resultados importantes da nossa pesquisa é a identificação de ω com o parâmetro efetivo de Grüneisen por meio da equação de estado de Mie-Grüneisen”, disse Souza. A equação de estado de Mie-Grüneisen refere-se à pressão, volume e temperatura, e é frequentemente usada para determinar a pressão em um sólido comprimido por choque.
Termodinâmica e a expansão anisotrópica do universo
Os autores mostram, utilizando o parâmetro de Grüneisen, que o resfriamento contínuo do Universo está associado a um efeito barocalórico que relaciona pressão e temperatura e ocorre devido à expansão adiabática do Universo. Nesta base, eles propõem que o parâmetro Grüneisen depende do tempo na era dominada pela energia escura (a era atual do universo).
Um dos aspectos interessantes desta pesquisa é o uso de conceitos de termodinâmica e física do estado sólido, como tensão e deformação, para descrever a expansão anisotrópica do Universo.
“Mostramos que o parâmetro de Grüneisen está naturalmente incorporado no tensor de tensão energia-momento nas famosas equações de campo de Einstein, abrindo uma nova forma de investigar os efeitos anisotrópicos associados à expansão do Universo. Isso não descarta a possibilidade de um Big Rip”, disse Souza.
A hipótese do Big Rip, apresentada pela primeira vez em 2003 num artigo publicado na Physical Review Letters, postula que se a quantidade de energia escura for suficiente para acelerar a expansão do Universo além de uma velocidade crítica, isso poderia rasgar o “tecido” do espaço. -tempo e destruir o Universo.
Energia escura e implicações teóricas
“Também na perspectiva do parâmetro Grüneisen, conjecturamos que a mudança de um regime de expansão em desaceleração [nas eras dominadas pela radiação e pela matéria] para um regime de expansão acelerada [na era dominada pela energia escura] se assemelha a uma transição de fase termodinâmica. Isso ocorre porque Γeff muda de sinal quando a expansão muda de desaceleração para aceleração. A mudança de sinal lembra a assinatura típica das transições de fase na física da matéria condensada”, disse Souza.
A energia escura é frequentemente associada à constante cosmológica Λ [lambda], originalmente introduzida por Einstein em 1917 como uma força repulsiva necessária para manter o Universo em equilíbrio estático. Mais tarde, Einstein rejeitou o conceito, segundo alguns relatos. Foi reabilitado quando se descobriu que a expansão do Universo estava acelerando em vez de desacelerar.
O modelo hegemônico, conhecido como Λ-CMD (Lambda-Cold Dark Matter), atribui à constante cosmológica um valor fixo. Ou seja, assume que a densidade da energia escura permanece constante à medida que o Universo se expande. No entanto, outros modelos assumem que a densidade da energia escura e, portanto, Λ, varia ao longo do tempo.
“Atribuir um valor fixo a lambda significa também atribuir um valor fixo a ômega, mas o reconhecimento de ω como o parâmetro de Grüneisen efetivo nos permite inferir a dependência do tempo para ω à medida que o Universo se expande na era dominada pela energia escura. Isso implica diretamente na dependência do tempo para Λ, ou constante de gravitação universal”, disse Souza.
O estudo pode levar a desenvolvimentos importantes na medida em que permite vislumbrar uma nova interpretação da expansão do Universo em termos de termodinâmica e física da matéria condensada.
Fonte: Scitechdaily.com
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