Galáxia vista em matéria
A imagem superior é a visão tradicional da Via Láctea, observada em luz visível. Embaixo, a primeira imagem da nossa galáxia vista em neutrinos. [Imagem: IceCube/Science Communication Lab]
Foi o que revelou o primeiro mapa da nossa galáxia vista não através de energia eletromagnética, mas de matéria - neutrinos são férmions, a classe dos elétrons, prótons e quarks que formam os núcleos atômicos.
Por algum tempo chamadas de "partículas fantasmas", tamanha é a dificuldade de sua detecção, essas partículas invisíveis na verdade existem em grandes quantidades, mas interagem tão pouco com qualquer outra coisa que passam direto pela Terra sem serem detectadas.
Algumas delas, contudo, podem ser rastreadas por observatórios muito especiais, como o IceCube, que detecta os sinais sutis de neutrinos de alta energia vindos do espaço usando milhares de sensores enterrados em um quilômetro cúbico de gelo claro e intocado na Antártica.
Enquanto seus olhos se enchem de fótons tão logo você olhe em qualquer direção iluminada, os sensores conseguem detectar uma quantidade muito pequena de neutrinos, o que explica porque o mapa tem tão baixa resolução.
Mas olhar a Via Láctea em neutrinos trouxe uma surpresa.
Outro modo de visualização (em 360º) do mapeamento em neutrinos da Via Láctea. [Imagem: IceCube/Science Communication Lab]
Origem dos neutrinos
Além do desafio já enorme de meramente detectar neutrinos e distingui-los de outros tipos de partículas interestelares, é necessário determinar de onde eles vieram.
Quando os neutrinos interagem com o gelo abaixo do IceCube, esses raros encontros produzem padrões fracos de luz, que o IceCube consegue detectar. Alguns padrões de luz são altamente direcionais e apontam claramente para uma área específica do céu, permitindo que os pesquisadores determinem a origem dos neutrinos. Essas interações foram a base para a descoberta, em 2022, de neutrinos que vieram de outra galáxia, a 47 milhões de anos-luz de distância.
"Outras interações são muito menos direcionais e produzem 'bolas de luz' em cascata no gelo," conta a pesquisadora Naoko Kurahashi Neilson, da Universidade de Drexel, nos EUA, cuja equipe se incumbiu de desmontar essas bolas. Isso exigiu desenvolver um algoritmo de aprendizado de máquina que comparou a posição relativa, tamanho e energia de mais de 60.000 dessas cascatas de luz geradas por neutrinos captados pelo IceCube ao longo de 10 anos.
O algoritmo produziu uma imagem mostrando pontos brilhantes correspondentes a locais na Via Láctea que se suspeitava que emitissem neutrinos. Esses locais estavam em locais onde se acreditava que os raios gama observados eram subprodutos de colisões entre raios cósmicos e gás interestelar, que teoricamente também deveriam produzir neutrinos - o processo é conhecido como emissão difusa, ou seja, neutrinos gerados pela desintegração dos raios cósmicos galácticos.
Esta é uma imagem composta de uma foto da Via Láctea (luz visível) à qual foi sobreposta a imagem em neutrinos. Os neutrinos estão representados em azul. [Imagem: IceCube/NSF (Lily Le & Shawn Johnson)/ESO (S. Brunier)]
Via Láctea escura
Se os dados de localização batem com o que já sabíamos sobre nossa galáxia, sobre a origem dos raios cósmicos e dos neutrinos, também trouxe uma surpresa: A Via Láctea parece particularmente escura quando vista em neutrinos.
"O que é intrigante é que, ao contrário do caso da luz de qualquer comprimento de onda, nos neutrinos, o Universo supera as fontes próximas em nossa própria galáxia," disse Francis Halzen, da Universidade de Wisconsin, nos EUA.
Em outras palavras, o IceCube detectou muito mais neutrinos vindos de outras galáxias do que neutrinos vindos da nossa própria galáxia. De fato, dependendo do local, a Via Láctea é de 10 a 100 vezes mais escura em neutrinos do que a média das galáxias distantes.
Esta pode ser uma pista importante para resolver o mistério de exatamente onde e como os raios cósmicos de alta energia e os neutrinos são produzidos. "Uma implicação é que nossa galáxia não hospedou o tipo de fonte que produziu a maior parte dos neutrinos de alta energia nos últimos milhões de anos, que é aproximadamente o tempo desde a última atividade de jato do buraco negro da nossa própria galáxia," disse Ke Fang, outro membro da Colaboração IceCube.
Para mapear os contornos da Via Láctea em neutrinos em uma boa resolução, no entanto, será necessário esperar por muitos mais anos de coleta de dados. Embora o observatório IceCube registre bilhões de eventos a cada ano, apenas uma fração muito pequena deles (1 em 100 milhões de eventos registrados) é devido a neutrinos do espaço.
Fonte: Inovação Tecnológica
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