À esquerda, os percursos traçados pelos troianos de Marte em redor de L4 e L5 (cruzes) em relação ao planeta (disco vermelho) e ao Sol (disco amarelo). O círculo pontilhado indica a distância média entre Marte e o Sol. À direita, ampliação da inserção (retângulo) que mostra os percursos dos 8 troianos em L5: 1998 VF31 (marcado "VF31" a azul), Eureka (vermelho), e os 6 objetos identificados como membro da família. Os discos indicam os tamanhos relativos dos asteroides. Eureka, o maior membro, tem cerca de 2 km de comprimento.Crédito: Apostolos Christou
O planeta Marte partilha a sua órbita com um punhado de asteroides pequenos, os chamados troianos. Agora, uma equipa internacional de astrónomos, usando o VLT (Very Large Telescope) no Chile, descobriu que a maioria desses objetos partilha uma composição comum; são provavelmente restos de um mini-planeta que foi destruído por uma colisão há muito tempo atrás. As descobertas foram divulgadas num artigo que será publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society este mês de abril.
Os asteroides troianos movem-se em órbitas com a mesma distância média ao Sol do que um planeta, presos dentro de "refúgios seguros" e gravitacionais 60º à frente e atrás do planeta. O significado especial destes locais foi desvendado pelo matemático francês do século XVIII, Joseph-Louis Lagrange. Em sua honra, são agora conhecidos como "pontos de Lagrange"; o ponto que antecede o planeta é L4; o que sucede o planeta é L5. Conhecem-se cerca de 6000 troianos na órbita de Júpiter e cerca de 10 na de Neptuno. Pensa-se que remontem aos primeiros tempos do Sistema Solar, quando a distribuição de planetas, asteroides e cometas era muito diferente da que observamos hoje.
Marte é, até agora, o único planeta terrestre que se sabe ter companheiros troianos em órbitas estáveis. O primeiro troiano marciano foi descoberto há mais de 25 anos atrás no ponto L5 e denominado "Eureka" em referência à famosa exclamação do antigo matemático grego Arquimedes. A contagem atual é de nove, um fator de menos 600 em relação aos troianos de Júpiter, mas mesmo até esta amostra relativamente insignificante mostra uma estrutura interessante não vista em qualquer outra parte do Sistema Solar.
Espectro da família de asteroides Eureka (385250) e 2001 DH47 (vermelho) e (311999) 2007 NS2 obtido com o espectrógrafo X-SHOOTER do VLT no Chile. O espectro de 5261 Eureka é visto a azul. Os três espectros são muito parecidos, indicando uma composição comum que é também rara entre asteroides. Crédito: Galin Borisov
Para começar, todos os troianos, exceto um, seguem Marte no seu ponto de Lagrange L5. Além do mais, as órbitas de todos menos um dos 8 troianos em L5 estão agrupadas em redor do próprio Eureka. A causa para esta distribuição desigual de objetos ainda não foi determinada, apesar de existirem um par de possibilidades. Num cenário, uma colisão quebrou um asteroide percursor no ponto L5, e os fragmentos constituem o grupo que observamos hoje. Outra possibilidade é que um processo chamado fissão rotacional fez com que Eureka girasse mais depressa, eventualmente libertando pequenos pedaços de si próprio para uma órbita heliocêntrica.
Qualquer que seja a razão, o grupo sugere fortemente que os asteroides nesta "família Eureka" fizeram parte de um único objeto ou de um corpo progenitor. Embora as evidências circunstanciais desta hipótese sejam fortes, o teste está em desvendar se os asteroides partilham uma composição comum ou não. Felizmente, isto pode ser feito por telescópio, medindo a cor da luz solar refletida pela superfície dos asteroides - por outras palavras, obtendo o seu espectro.
Com este objetivo, uma equipa internacional de astrónomos liderados por Apostolos Christou e por Galin Borisov do Observatório e Planetário Armagh, na Irlanda do Norte, Reino Unido, usou o espectrógrafo X-SHOOTER acoplado ao telescópio "Kueyen", a Unidade 2 do VLT do ESO no Chile, no início de 2016, para registar o espectro de dois asteroides que pertencem à família Eureka, 311999 e 385250. Graças à análise dos espectros, descobriram que ambos os objetos são "gémeos" de Eureka, em termos de composição, confirmando assim a relação "genética" entre os asteroides.
Também é a primeira vez que se descobre que os asteroides são compostos principalmente por olivina, um mineral que normalmente se forma dentro de objetos muito maiores sob condições de alta pressão de temperatura. A implicação é que estes asteroides são provavelmente relíquias de material do manto de mini-planetas ou "planetesimais" que, como a Terra, desenvolveram uma crosta, um manto e um núcleo através do processo de diferenciação, mas que há muito foram destruídos por colisões.
Christou salienta que "existem muitas outras famílias na cintura de asteroides entre Marte e Júpiter, e até entre os troianos de Júpiter, mas nenhuma é dominada por asteroides de olivina." Isto está relacionado com o chamado problema do manto em falta: isto é, se acrescentarmos a massa de minerais diferentes na cintura de asteroides, particularmente aqueles cujos fragmentos se pensa terem pertencido a outros maiores e diferenciados, há um deficit de material do manto em comparação com material da crosta rochosa e do núcleo.
Embora a descoberta desta família dominada por olivina não forneça uma solução final para o problema do manto em falta, mostra que o material do manto estava presente perto de Marte no início da história do Sistema Solar. Christou explica: “os nossos achados sugerem que este material participou na formação de Marte e, quem sabe, do seu vizinho planetário, a nossa Terra."
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