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sábado, 26 de abril de 2014

O fluxo escuro é real?

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Se o universo não for homogéneo e isotrópico em larga escala, violará o Principio Cosmológico, como já se discutiu aqui, no contexto das abundâncias primordiais de lítio e na possibilidade de vivermos num “grande vazio local”. Procura afastar-se assim a necessidade da existência de energia escura: numa região do espaço-tempo com subdensidade de massa-energia em relação à vizinhança, tudo parecerá ter uma crescente aceleração para as regiões de maior curvatura do espaço-tempo. Há grandes vazios cósmicos, como o de Eridano, mas são compatíveis com as observações da radiação de micro-ondas de fundo cósmico (CMBR, na sigla inglesa). No nosso Grupo Local de galáxias, observamos também que a galáxia de Andrómeda irá colidir com a nossa no futuro distante. Esta velocidade ou movimento peculiar local não invalida, porém, que, em larga escala, o universo esteja em expansão nas regiões onde a gravidade não domina, como no Grupo Local.

Se o Universo se expandisse mais numa direção do que noutra, isso implicaria falta de homogeneidade cósmica, com vastas consequências para a energia escura. A ideia é similar à existência de uma corrente num rio: pode nadar-se mais depressa na direção da corrente do que contra ela. Se vivermos num eixo preferencial, então a energia escura será apenas uma ilusão devida a este fluxo “escuro”, como lhe chamou o astrónomo Alexander Kashlinsky. Desde 2008, a equipa de Kashlinsky publicou estudos da CMBR em amostras de mais de 700 enxames galácticos, identificados pela sua emissão de raios X.

O efeito de Sunyaev-Zel’dovich (SZ) baseia-se no espalhamento inverso de Compton, no qual a CMBR pode sofrer “azulamento” por interação com eletrões energéticos provenientes de gás intergaláctico quente. O efeito SZ térmico é mais fácil de observar do que o SZ cinemático, também conhecido como efeito de Ostriker-Vishniac (OV), pois este último resulta do deslocamento em larga escala dos eletrões numa direção preferida. Observando um grande número de enxames, procurou-se assim amplificar o efeito OV, que nunca tinha sido medido antes. Os resultados têm sido muito badalados, pois apontam para uma enorme aceleração preferencial dos enxames na direção de uma área de cerca de 20 graus entre as constelações do Centauro e da Vela.

As explicações mais dramáticas para o fluxo escuro apontam para estruturas existentes (ou efeitos de estruturas que terão existido) para além do nosso universo observável, que serão remanescentes de períodos anteriores à última superfície de espalhamento (quando o universo se tornou transparente à luz, cerca de 380 mil anos depois do Big Bang). Seja qual for a causa deste putativo fluxo escuro, a ser real, ele representará uma enorme falta de homogeneidade no universo primitivo, a explicar talvez pelas teorias inflacionárias.

Estas observações do efeito OV são anisotropias secundárias sobre as anisotropias principais da CMBR (estas devidas a flutua­ções de densidade de massa-energia “gravadas” no universo primitivo), que importa filtrar e tratar muito bem estatisticamente. Os críticos do fluxo escuro apontam para falhas no tratamento dos erros experimentais, dizendo que se está a dar demasiado peso aos erros dos detetores, ao mesmo tempo que se não contabilizam bem os erros das anisotropias principais da CMBR. Estas seriam a causa principal do aparente fluxo escuro: ao não serem corretamente levadas em conta nos dados, levariam a um efeito que parece estatisticamente importante, embora essa seja uma conclusão errada. A equipa de Kashlinsky alargou entretanto o seu estudo a amostras com ainda mais enxames, situados a maiores distâncias, afirmando estar a tratar bem os erros experimentais.

Espera-se que a grande qualidade dos dados sobre a CMBR fornecidos pela sonda Planck (da Agência Espacial Europeia) permita encerrar parte da polémica. Não é a primeira vez que se discute a existência (sempre refutada) de um eixo preferencial no universo, um “eixo do mal” (nome de um artigo sobre a CMBR publicado em 2005, com co-autoria de João Magueijo). Em 2011, uma equipa de astrónomos chineses, estudando a energia escura com base na luminosidade de 557 supernovas do tipo Ia, encontrou também um aumento mais elevado da aceleração do universo na direção da constelação de Vulpecula, por comparação com outros eixos.

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