Com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO, uma equipe de astrônomos obteve as imagens mais nítidas e detalhadas do asteroide Cleópatra. As observações permitiram que a equipe determinasse a forma tridimensional e a massa deste asteroide peculiar, que se parece com um osso de cachorro, com uma precisão maior do que nunca. Este trabalho de pesquisa nos dá pistas sobre como é que este asteroide e as duas luas que o orbitam se formaram.
Estas onze imagens são do asteroide Cleópatra observado a partir de diferentes ângulos à medida que gira sobre si mesmo. As imagens foram obtidas entre 2017 e 2019 em diversas ocasiões, com o instrumento SPHERE (Spectro-Polarimetric High-contrast Exoplanet REsearch) montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO.
“Cleópatra é realmente um corpo único do nosso Sistema Solar”, diz Franck Marchis, astrônomo do Instituto SETI em Mountain View, EUA, e do Laboratoire d'Astrophysique de Marseille, França, que liderou este estudo sobre o asteroide — que possui duas luas e uma forma incomum — publicado hoje na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics. “O estudo de objetos estranhos e aberrantes faz avançar bastante a ciência e eu penso que Cleópatra é precisamente um destes objetos, por isso entender este sistema múltiplo e complexo de asteroides pode nos ajudar a compreender melhor o nosso Sistema Solar.”
Cleópatra orbita o Sol no Cinturão de Asteroides, entre Marte e Júpiter. Os astrônomos o chamam de “asteróide de osso de cachorro” desde que observações por radar, obtidas há cerca de 20 anos, revelaram que este objeto possui dois lóbulos ligados por um “pescoço” grosso. Em 2008, Marchis e colegas descobriram que Cleópatra tem em sua órbita duas luas, chamadas AlexHelios e CleoSelene, em homenagem aos filhos da rainha egípcia.
Para saberem mais sobre Cleópatra, Marchis e a sua equipe usaram fotografias do asteroide tiradas entre 2017 e 2019 em momentos diferentes, com o instrumento SPHERE (Spectro-Polarimetric High-contrast Exoplanet REsearch) montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO. À medida que o asteroide ia rodando sobre si mesmo, foi possível observá-lo a partir de diversos ângulos e criar os modelos 3D mais precisos de sua forma até o momento. Estes modelos limitaram a forma de “osso de cachorro” do asteroide e o seu volume, descobrindo que um dos lóbulos é maior que o outro e determinando que o comprimento do asteroide é cerca de 270 km, ou seja, ou cerca de metade do comprimento do Canal da Mancha.
Em um segundo estudo, também publicado na Astronomy & Astrophysics e liderado por Miroslav Brož da Universidade Charles em Praga, República Tcheca, a equipe detalha como utilizou observações SPHERE para determinar com precisão as órbitas das duas luas de Cleópatra. Estudos anteriores já tinham estimado estas órbitas, mas as novas observações do VLT do ESO mostraram que as luas não estavam onde os dados antigos tinham previsto.
“Era importante resolver este problema”, explica Brož. “Porque se as órbitas das luas estiverem erradas, tudo estará errado, incluindo a massa de Cleópatra". Graças às novas observações e a modelos sofisticados, a equipe conseguiu descrever de forma precisa como é que a gravidade de Cleópatra influencia os movimentos das suas luas e determinar as órbitas complexas de AlexHelios e CleoSelene, o que, por sua vez, lhe permitiu calcular a massa do asteroide, descobrindo assim que esta é 35% menor do que o estimado anteriormente.
Combinando estes novos valores de massa e volume, os astrônomos puderam calcular um novo valor para a densidade do asteroide, a qual, sendo menor que metade da densidade do ferro, revelou ser menor do que o que se pensava anteriormente. A baixa densidade de Cleópatra, que se pensa ter uma composição metálica, sugere que este asteroide tem uma estrutura porosa e poderá ser pouco mais que um “monte de entulho”, o que significa, muito provavelmente, que se formou quando material se tornou a acumular após um enorme impacto.
A estrutura de monte de entulho de Cleópatra e a maneira como ele gira também dão indicações de como suas duas luas poderiam ter se formado. O asteroide gira quase a uma velocidade crítica (que corresponde à velocidade acima da qual começaria a se desfazer) e por isso até pequenos impactos podem arrancar pedras da sua superfície. Marchis e a sua equipe acreditam que essas pedras poderiam posteriormente ter formado AlexHelios e CleoSelene, o que significaria que Cleópatra é literalmente responsável pelo nascimento das suas luas.
As novas imagens de Cleópatra e os resultados que daí se obtêm apenas foram possíveis graças a um dos sistemas de óptica adaptativa avançada em uso no VLT do ESO, situado no deserto chileno do Atacama. A óptica adaptativa ajuda a corrigir as distorções causadas pela atmosfera terrestre que faz com que os objetos pareçam desfocados — o mesmo efeito que faz com que as estrelas “cintilem” quando observadas a partir da Terra. Graças a estas correções, o SPHERE foi capaz de obter imagens de Cleópatra — localizado a 200 milhões de quilômetros de distância da Terra quando está na sua posição mais próxima de nós — apesar do seu tamanho aparente do céu ser equivalente ao de uma bola de golfe situada a 40 km de distância.
O futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, com os seus sistemas de óptica adaptativa avançados, será ideal para obter imagens de asteroides distantes tais como Cleópatra. ”Mal posso esperar para apontar o ELT a Cleópatra, para vermos se tem mais luas e refinar as suas órbitas de modo a detectar pequenas variações”, acrescenta Marchis.
Fonte: ESO
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