Impressão de artista do encontro entre a Via Láctea e a mais pequena galáxia da Salsicha há 8-10 mil milhões de anos. O registo deste antigo encontro está ainda preservado nas velocidades e química das estrelas. Crédito: V. Belokurov (Cambridge, Reino Unido); com base na imagem do ESO/Juan Carlos Muñoz
Uma equipe internacional de astrónomos descobriu uma antiga e dramática colisão frontal entre a Via Láctea e um objeto mais pequeno, apelidado de galáxia da "Salsicha". Numa série de novos artigos científicos, os astrónomos dizem que o choque cósmico foi um evento que definiu o início da história da Via Láctea e reformulou a estrutura da nossa Galáxia, esculpindo tanto o bojo interno como o halo exterior. Os cientistas propõem que há cerca de 8 a 10 mil milhões de anos, uma galáxia anã desconhecida chocou com a nossa própria Via Láctea. A anã não sobreviveu ao impacto: desfez-se rapidamente e os destroços estão agora em nosso redor.
"A colisão rasgou a anã em pedaços, fazendo com que as suas estrelas se movessem em órbitas muito radiais," longas e estreitas como agulhas, comenta Vasily Belokurov da Universidade de Cambridge e do Centro de Astrofísica Computacional do Instituto Flatiron em Nova Iorque. Os percursos das estrelas levam-nas "muito perto do centro da nossa Galáxia. Este é um sinal revelador de que a galáxia anã entrou numa órbita realmente excêntrica e que o seu destino foi selado."
Os novos artigos científicos publicados na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, na The Astrophysical Journal Letters e no repositório arXiv.org descrevem as principais características desse extraordinário evento. Vários dos artigos foram liderados pelo estudante de Cambridge, GyuChul Myeong. Ele e colegas usaram dados do satélite Gaia da ESA. Esta nave espacial tem rastreado o conteúdo estelar da nossa Galáxia, registando as jornadas das estrelas enquanto viajam pela Via Láctea. Graças ao Gaia, os astrónomos sabem agora as posições e trajetórias das nossas vizinhas celestes com uma precisão sem precedentes.
Os percursos das estrelas da fusão galáctica deram-lhes a alcunha de "Salsicha Gaia", explicou Wyn Evan de Cambridge. "Nós desenhámos as velocidades das estrelas e a forma de salsicha simplesmente saltou à vista. À medida que a galáxia mais pequena se fragmentava, as suas estrelas foram lançadas para órbitas muito radiais. Estas estrelas 'salsicha' são o que resta da última grande fusão da Via Láctea."
A Via Láctea continua a colidir com outras galáxias, como a pequena galáxia anã de Sagitário. No entanto, a galáxia da Salsicha era muito mais massiva. A sua massa total em gás, estrelas e matéria escura era equivalente a mais de 10 mil milhões de vezes a massa do nosso Sol. Quando a Salsicha colidiu com a jovem Via Láctea, a sua trajetória penetrante provocou muitos danos. O disco da Via Láctea provavelmente ficou inchado ou mesmo fraturado após o impacto e precisou crescer novamente. E os detritos da Salsicha foram espalhados por todo o interior da Via Láctea, formando o "bojo" no centro da Galáxia e o "halo estelar" circundante.
As simulações numéricas da colisão galáctica podem reproduzir estas características, explica Denis Erkal da Universidade de Surrey. Nas simulações feitas por Erkal e colegas, as estrelas da galáxia da Salsicha entram em órbitas estendidas. As órbitas são ainda mais alongadas pelo crescente disco da Via Láctea, que incha e se torna mais espesso após a colisão.
As evidências desta remodelação galáctica podem ser vistas nos percursos das estrelas herdadas da galáxia anã, acrescenta Alis Deason da Universidade de Durham. "As estrelas da Salsicha giram todas praticamente à mesma distância do centro da Galáxia." Estas inversões de marcha fazem com que a densidade no halo estelar diminua drasticamente onde as estrelas mudam de direção. Esta descoberta foi especialmente agradável para Deason, que previu essa acumulação orbital há quase cinco anos. O novo trabalho explica como as estrelas caíram em órbitas tão estreitas.
A nova investigação também identificou pelo menos oito aglomerados grandes de estrelas, chamados enxames globulares, que foram trazidos para a Via Láctea pela galáxia da Salsicha. As galáxias pequenas geralmente não têm enxames globulares próprios, de modo que a galáxia da Salsicha deve ter sido grande o suficiente para abrigar uma coleção de enxames.
"Embora tenham havido muitas satélites anãs a cair sobre a Via Láctea ao longo da sua vida, esta foi a maior de todas," comenta Sergey Koposov da Universidade Carnegie Mellon, que estudou em detalhe a cinemática das estrelas da Salsicha e os enxames globulares.
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