Procurando Sombras (Crédito: Douglas Bowden)
Um novo campo? Uma nova força? Ou o poder de nossa própria ignorância? A energia escura representa mais de dois terços do cosmos e persiste em nos manter especulando sobre sua natureza…
Já se passaram 16 anos desde que os cientistas notaram que há um misterioso agente fazendo com que o Universo se expanda aceleradamente. Nós ainda não sabemos qual é este agente. Ele se espalha por toda a parte e assim mesmo nós não conseguimos vê-lo. Esta entidade representa dois-terços do Universo, mas não temos a menor ideia de onde ela vem e do que é constituída.
Sean Carroll, físico teórico do CALTECH (California Institute of Technology – Pasadena), afirmou:
A Natureza ainda não está pronta para nos dar quaisquer pistas sobre isto.
Pelo menos, nós demos um nome para esta besta enigmática: Energia Escura. Agora a caçada vai realmente crescer. Ao final de 2014 os astrônomos irão começar uma nova pesquisa em todo o céu para buscar por sinais da energia escura não só entre as estrelas em explosão mas também em antigos aglomerados estelares. Um pacote de missões espaciais somado a uma pletora de poderosos telescópios terrestres irão logo se juntar a esta causa. Entrementes, alguns físicos perseguem uma ideia não ortodoxa: a que conseguiremos algum dia reproduzir a energia escura dentro de um experimento em laboratório. Por ora, nosso conhecimento do assunto é desesperadamente escasso.
Nosso entendimento atual é talvez limitado a 3 argumentos:
1° A energia escura ‘empurra’ o Cosmos
Nós notamos isto pela primeira vez em 1998 nas inesperadas faltas de brilho em certas explosões de supernovas que nos alertou que os eventos aconteceram mais longe do que esperávamos. Em determinado momento da história do Cosmos o Espaço passou a se expandir de forma mais rápida, acelerada, como se estive sendo empurrado por uma força repulsiva atuante contra a força atrativa da gravidade originada pela matéria.
2° Há muita ‘coisa’ no Universo
O movimento dos aglomerados galácticos nos contam quanta matéria há no Universo enquanto que a radiação de fundo de micro-ondas, que passou a fluir quanto o Universo se tornou transparente 380.000 anos após o Big Bang, nos permite estimar a densidade total de “matéria (massa) + energia” do Universo. O segundo número (a energia em si) é muito maior que o primeiro. De acordo com dados recentemente atualizados, incluindo as observações das micro-ondas primordiais através do observatório Planck da ESA (Agência Espacial Europeia), cerca de 68% do Universo é composto de um elemento ‘não material’, sob a forma de energia. Isto representa cerca de 1 joule por quilômetro cúbico de espaço cósmico.
3° A ‘Energia Escura’ fornece combustível excelente para as mentes criativas dos físicos
Os físicos especulam centenas de diferentes fantásticas formas de concebê-la. A mais insípida destas conjecturas é a constante cosmológica, e mesmo esta é uma ideia selvagem. Trata-se da densidade de energia inerente ao espaço, dentro da Teoria Geral da Relatividade de Einstein, que cria uma ‘gravidade repulsiva’. A medida que o espaço se expande, mais e mais esta energia aumenta, fazendo com que a repulsão se fortifique em relação a gravidade evanescente causada pelo crescente espalhamento da matéria dentro do Universo em expansão.
A física de partículas até parece fornecer uma explicação para a origem da energia escura, em partículas virtuais que aparecem de desparecem no espaço, devido à incerteza do vácuo quântico. O problema com esta ideia é que tais partículas teriam que ter uma energia demasiadamente grande, em cálculos simples, cerca de 10120 joules por quilômetro cúbico. Esta extraordinária discrepância deixa espaço para uma pletora de teorias alternativas.
A energia escura poderia ser a quintessência, um campo de energia hipotético que permeia o espaço, mudando ao longo do tempo e talvez se agrupando em lugares diferentes. Talvez seja uma forma modificada de gravidade que repele a matéria para distâncias muito grandes ou até mesmo uma ilusão devido a uma eventual posição anômala da Terra dentro do Cosmos. Outra hipótese sugere que a energia escura poderia ser uma forma de ondas de rádio com comprimentos de onda maiores que o próprio Universo Observável ou até mesmo algo mais exótico que isto.
Sean Carrol explicou:
Muitas pessoas inteligentes têm tentado sugerir algo melhor que a constante cosmológica ou mesmo tentar compreender porque a constante cosmológica tem o valor atualmente estimado. Para falar a verdade, eles falharam nisto.
Trevas Crescentes?
Uma forma de encarar o problema poderia ser conseguir descobrir se a energia escura muda ou não com o passar do tempo. Se negativo, tal constatação poderia excluir a constante cosmológica da equação: como uma propriedade inerente do próprio espaço, sua densidade deveria se manter constante. Na maioria dos modelos que exploram a quintessência, em contraste, a energia se torna lentamente diluída a medida que o espaço se estica, embora em alguns outros modelos a energia de fato se intensifique, fortalecida pela expansão do Universo.
Por outro lado, na maioria das teorias modificadas da gravidade a densidade da energia escura também é variável. Ela até pode crescer por algum tempo e depois decrescer, e vice-versa. O destino do Universo está selado por este balanço da energia escura. Se a energia escura se mantém estável, a maior parte do cosmos irá se acelerar para longe, deixando-nos em um pequeno universo-ilha para sempre, desconectado do resto do cosmos. Se a energia escura se intensifica ela poderia até eventualmente no futuro distante subverter toda a matéria em um “big rip” (o ‘grande rasgo’ ou a ‘grande ruptura’), ou mesmo tornar a fábrica de espaço-tempo instável aqui e agora.
Nossa melhor estimativa atual, baseada principalmente nas observações das supernovas é que a densidade da energia escura é relativamente estável. Há especulações de que a densidade da energia escura cresce bem lentamente, mas as incertezas quanto a isto são grandes demais para nós ficarmos preocuparmos com esta questão por agora.
O Censo da Energia Escura
O Censo da Energia Escura (DES – Dark Energy Survey), um projeto internacional que iniciou sua coleta de dados em 31 de agosto de 2013, tem por objetivo tornar isto mais claro. Os cientistas usam o telescópio de 4 metros Victor M. Blanco no Observatório Inter Americano de Cerro Tololo no Chile, atrelado a uma câmera especialmente projetada para trabalhar no espectro do infravermelho, cujo objetivo é o de capturar sinais da energia escura em uma larga fatia do céu.
Joshua Frieman membro da Universidade de Chicago, diretor deste projeto explicou:
Este não é o maior telescópio da Terra, mas possui um campo de visão bastante largo.
Para o início, o telescópio está medindo a luminosidade de supernovas. O brilho aparente de cada explosão estelar nos diz há quanto tempo o fenômeno ocorreu. Durante o tempo que a luz demorou para nos atingir, seu comprimento de onda pode ter sido esticado, desviado para o vermelho, pela expansão do espaço. Ao colocar estas duas medições juntas, nós vamos tentar plotar a expansão do Universo ao longo do tempo.
O Censo da Energia Escura irá também traçar um detalhado mapa estelar que marcará as posições de centenas de milhões de galáxias e suas distâncias em relação a nós. A ondas sonoras reverberando no Universo primordial deram uma escala característica aos vastos superaglomerados galácticos. Ao medirmos os tamanhos aparentes dos superaglomerados, nós conseguimos obter uma nova perspectiva da expansão histórica do Universo (veja no diagrama abaixo).
Evidências indicam que a misteriosa ‘energia escura’ se opõe ao puxão da gravidade e acelera a expansão do Universo. Supernovas: as supernovas Ia distantes são mais fracas do que é esperado, sugerindo que estão mais afastadas. CMB: se somente a gravidade atuasse no Universo este seria curvo. Isto não acontece, o Universo medido é praticamente plano. LENTES GRAVITACIONAIS: Imagens de galáxias distantes são menos distorcidas pela matéria intermediária que o esperado. Uma força repulsica atua inibindo o crescimento dos aglomerados galácticos. IMPRESSÔES ACÚSTICAS: ondas sonoras através do Universo primordial dão aos aglomerados galácticos uma escala típica. Os aglomerados mais afastados parecem menores do que é esperado e assim concluímos que estão mais afastados.
Olho vivo nos céus
O mapa irá também revelar a influências ‘escuras’ em escalas menores. Sabemos que a energia escura atua inibindo que as galáxias se agrupem para formar mais aglomerados. O censo irá contar os aglomerados diretamente e também seguirá seu crescimento usando o efeito conhecido como ‘lente gravitacional’, que ocorre quando os aglomerados curvam a luz dos objetos mais distantes que cruzam seu caminho. Estas várias medidas deverão nos dar uma posição de como a energia escura tem se modificado ou não ao longo do tempo. A pesquisa vai tentar reduzir a incerteza que temos atualmente nos resultados correntes por um fator de quatro vezes, informou Frieman.
Com a primeira análise programada para ser concluída até 2016, esta trará informações para discernirmos entre os diversos modelos teóricos existentes. Em alguns anos mais a frente uma grande frente de caçadores de energia escura começarão a atuar. O LSST (Large Synoptic Survey Telescope), um projeto liderado pelos EUA, vai abrir seus grandes olhos em 2021. Outros megatelescópios tais como o Telescópio de 30 Metros (Thirty Meter Telescope) no Havaí, o EELT (European Extremely Large Telescope) e o GMT (Giant Magellan Telescope), ambos no Chile, deverão estar em operação na mesma época.
Além disso, o gigantesco receptor de ondas de rádio cósmicas em uma rede baseada na Austrália e África do Sul, o Square Kilometre Array, irá traçar uma estrutura cósmica através das ondas de rádio que brilham nas nuvens moleculares de Hidrogênio. Em 2020, a Agência Espacial Europeia e a NASA planejam lançar a missão especial de investigação da Energia Escura denominada Euclides. Este observatório espacial irá observar lentes gravitacionais e agrupamentos galácticos nos primórdios do Universo. Algum tempo mais à frente o WFIRST (Wide-Field Infrared Survey Telescope) dos EUA irá se juntar nesta campanha.
A empreitada através do espaço será desafiadora, mas o alvo ainda poderá nos iludir. Digamos que encontremos o cenário onde a energia escura se mantém praticamente constante ao longo do tempo? Tal constatação iria suportar a tese da constante cosmológica, contudo não irá negar totalmente as hipóteses sobre os campos de quintessência que apresentam uma densidade praticamente constante. Mesmo que nós descubramos se a energia escura está crescendo ou decrescendo, nós talvez não consigamos dizer com certeza se estas variações são causadas pela quintessência ou algum tipo de variação exótica da gravidade.
A Quinta Força?
Tal leva alguns físicos a sugerir que devemos plantar algumas armadilhas para capturar esta ‘besta cósmica’ aqui na Terra.
Clare Burrage, Universidade de Nottingham, UK, disse:
Se introduzirmos um novo campo de força ou partícula como um candidato a energia escura então este irá também atuar como o portador de um novo tipo de força. Algo como a quintessência poderia produzir uma 5ª força fundamental, separada da gravidade, do eletromagnetismo e das forças nucleares [forte e fraca]. O mesmo se aplica as formas propostas de ‘gravidade modificada’. Entretanto, nós ainda não conseguimos medir uma 5ª força aqui dentro do nosso Sistema Solar.
Os físicos teóricos contornam este ponto crítico colocando um mecanismo que enfraquece a 5ª força em ambientes comparativamente densos, tais como a nossa vizinhança solar. O projeto denominado GammeV experiment, no laboratório Fermilab em Illinois, está agora procurando por um particular campo de energia escura chamado de camaleão. Até agora o experimento GammeV não encontrou nada, mas Clare Burrage pretende procurar por um campo mais amplo de energia escura, aumentando a sensibilidade do experimento.
Junto com Edmund Copeland da Universidade de Nottingham e Ed Hinds do Imperial College of London, Clare pretende expor isto usando uma nuvem de átomos em temperaturas criogênicas chamados de ‘condensado de Bose-Einstein’, os quais oscilam juntos em uma onda quântica coletiva. Espera-se que a energia escura diminua levemente a frequência destas oscilações. O time planeja dividir o condensado em duas metades e colocar um objeto denso próximo de uma das metades. Se o objeto massivo afetar a energia escura próxima então as ondas nas duas metades irão ficar fora de sincronismo. Depois, quando colocadas juntas novamente as duas partes irão exibir algum tipo de interferência, o que será detectado no experimento.
Efeitos Elétricos
Na Universidade de Washington em Seattle, USA, o experimento com o pêndulo de torsão Eöt-Wash (Eöt-Wash torsion pendulum experiment) está investigando outras formas de repulsão cósmica. Em uma das teorias, dimensões extras do espaço com menos de 1 milímetro de espessura podem atuar como hospedeiras da energia escura. Tal também irá aumentar a força da gravidade em tais escalas. Um tipo da suposta quintessência denominada symmetron iria então gerar uma força extra similar em pequena escala, um fraco efeito que as oscilações dos pêndulos de Eöt-Wash poderão eventualmente expor.
Paralelamente, Michael Romalis na Universidade de Princeton e Robert Caldwell no Dartmouth College em Hanover, New Hampshire, propuseram em 2013 que se os prótons e os elétrons comuns podem ser afetados fracamente pela quintessência então o campo magnético terrestre deveria gerar uma pequena carga elétrica. Este efeito é potencialmente simples para ser detectado, embora o aparato a ser projetado para realizar esta medição teria que necessariamente ser muito preciso (arxiv.org/abs/1302.1579).
Sean Carroll destaca que nos talvez possamos ver algum outro efeito eletromagnético no espaço. Se fótons interagissem com a energia escura então sua polarização poderia ser de alguma forma afetada na sua viagem através do Universo. Quando a equipe que trabalhou no Observatório Espacial Planck anunciar suas medidas da polarização dos fótons da radiação de fundo de micro-ondas dentro dos próximos anos então “pode ser factível que eles [cientistas do Planck] irão anunciar a detecção da quintessência”, Sean Carrol afirmou. A seguir, por uma década ou duas, teremos que aguardar enquanto os telescópios investigam para que lado a energia escura atua, para depois nos conscientizarmos se o espaço a nossa volta está fadado ou não a colapsar em algum novo e perigoso status.
Poucos imaginam que a caçada vai terminar cedo. Stephen Hsu da Universidade do Oregon, Eugene, EUA, confessou:
A energia escura é um dos maiores mistérios conhecidos e eu não espero estar por aqui quando nós finalmente consigamos resolvê-lo.
Depois de 16 anos quebrando a cabeça dos cientistas ainda não temos pistas sobre a verdadeira identidade da energia escura. Mas, se olharmos pelo lado positivo, nós temos algumas pistas de onde as verdadeiras evidências porventura estarão.
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