Muito antes de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte terem se formado, parece que o sistema solar interior pode ter abrigado uma série de super-Terras – planetas maiores que a Terra, mas menores do que Netuno. Se assim for, esses planetas já se foram há muito tempo – se despedaçaram e caíram no sol há bilhões de anos, em grande parte devido a uma grande jornada de ida e volta que Júpiter fez no início da história do sistema solar. Este cenário tem sido sugerido por Konstantin Batygin, cientista planetário do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), e Gregory Laughlin, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, em um artigo publicado na edição online da revista “Proceedings”, da Academia Nacional de Ciências (PNAS).
Os resultados de seus cálculos e simulações sugerem a possibilidade de uma nova imagem do início do sistema solar que ajudaria a responder a uma série de questões pendentes sobre a composição atual do sistema e da própria Terra. Por exemplo, o novo trabalho aborda por que nossos planetas terrestres têm massas relativamente baixas em comparação com os planetas que orbitam outras estrelas semelhantes ao sol. “Nosso trabalho sugere que a migração para dentro e para fora de Júpiter poderia ter destruído uma primeira geração de planetas e preparado o terreno para a formação dos planetas terrestres com depleção de massa que o nosso sistema solar tem hoje”, diz Batygin, que é professor assistente de ciência planetária. “Tudo isso se encaixa muito bem com outros desenvolvimentos recentes na compreensão de como o sistema solar evoluiu”.
A resposta está nos exoplanetas
Graças a pesquisas recentes de exoplanetas – planetas em sistemas solares diferentes do nosso -, sabemos que cerca de metade das estrelas parecidas com o sol na nossa vizinhança galáctica têm planetas em suas órbitas. No entanto, esses sistemas em nada parecem com o nosso. Em nosso sistema solar, há muito pouco dentro da órbita de Mercúrio; existe apenas um pouco de detritos – provavelmente asteroides próximos da Terra que se moveram mais para dentro -, mas certamente não há planetas. Isso está em nítido contraste com o que os astrônomos vêem na maioria dos sistemas planetários.
Estes sistemas normalmente têm um ou mais planetas que são substancialmente mais massivos que a Terra orbitando mais perto de seus sóis do que Mercúrio, mas muito poucos objetos a distâncias além. Na verdade, parece que hoje o sistema solar não é o representante comum do censo planetário galáctico. Em vez disso, somos um pouco isolados”, conta Batygin. “Mas não há nenhuma razão para pensar que o modo dominante de formação de planetas por toda a galáxia não teria ocorrido aqui. É mais provável que alterações posteriores tenham modificado sua composição original”.
Júpiter no centro de tudo
De acordo com Batygin e Laughlin, Júpiter é fundamental para a compreensão de como o sistema solar passou a ser do jeito que é hoje. Seu modelo incorpora algo conhecido como o cenário Grande Tack, que foi proposto pela primeira vez em 2001 por um grupo da Universidade Queen Mary, em Londres, e posteriormente revisitado em 2011 por uma equipe do Observatório de Nice, na França. Esse cenário diz que durante os primeiros milhões de anos de vida útil do sistema solar, quando os corpos planetários ainda estavam envolvidos em um disco de gás e poeira em torno de um sol relativamente jovem, Júpiter tornou-se tão grande e gravitacionalmente influente que foi capaz de fazer uma lacuna no disco.
E quando o sol puxou o gás do disco em direção a si mesmo, Júpiter também começou a se deslocar para dentro, como se tivesse sido levado em uma esteira rolante gigante. Júpiter teria continuado naquela esteira, eventualmente sendo despejado sobre o sol, se não fosse por Saturno”, explica Batygin. Saturno se formou depois de Júpiter, mas foi puxado para o sol a uma taxa mais rápida, permitindo que o primeiro se recuperasse. Uma vez que os dois planetas maciços chegaram perto o suficiente, eles permaneceram em um tipo especial de relacionamento chamado de ressonância orbital, no qual os seus períodos orbitais eram racionais – isto é, expressos como uma relação de números inteiros. Em uma ressonância orbital de 2 para 1, por exemplo, Saturno iria completar duas órbitas em torno do sol na mesma quantidade de tempo que levava para Júpiter dar esta volta apenas uma vez.
Em tal relação, os dois corpos começam a exercer uma influência gravitacional sobre o outro. Essa ressonância permitiu que os dois planetas abrissem uma lacuna mútua no disco, e eles começaram a jogar este jogo em que trocavam momento angular e energia com o outro, quase a uma batida”, continua Batygin. Eventualmente, esse vai e vem teria feito com que todo o gás entre os dois mundos fosse empurrado para fora, uma situação que teria invertido a direção de migração dos planetas e os enviado de volta para fora do sistema solar. Aí está a parte “tack” – “abordejar” em inglês – do cenário Grande Tack: os planetas migram para dentro e, em seguida, mudam de rumo drasticamente, algo como um barco circulando em torno de uma boia.
Mais perguntas
Em um modelo anterior desenvolvido por Bradley Hansen na Universidade da Califórnia em Los Angeles, os planetas terrestres convenientemente acabam em suas órbitas atuais com suas massas atuais sob um conjunto específico de circunstâncias – uma na qual todos os blocos de construção planetárias do sistema solar interno, ou planetesimais, acabam por preencher um anel estreito se estendendo de 0,7 a 1 unidade astronômica (1 unidade astronômica é a distância média do Sol à Terra), 10 milhões de anos após a formação do sol. De acordo com o cenário Grande Tack, a aresta exterior do anel teria sido delineada por Júpiter conforme ele se movia em direção ao sol. Mas e a borda interna? Por que os planetesimais se limitariam ao anel no interior? Batygin diz que esse ponto não foi abordado. A resposta, contudo, poderia estar em super-Terras primordiais.
O buraco vazio do sistema solar interno corresponde quase exatamente ao bairro orbital onde super-Terras são normalmente encontradas ao redor de outras estrelas. Por isso, é razoável especular que esta região foi “limpa” no sistema solar primordial por um grupo de planetas de primeira geração que não sobreviveram. Cálculos e simulações de Batygin e Laughlin mostram que conforme Júpiter se movia para dentro, ele puxou todos os planetesimais que encontrou ao longo do caminho para ressonâncias orbitais e levou-os até o sol. Porém, à medida que esses planetesimais se aproximavam do sol, suas órbitas também se tornavam elípticas.
“Você não pode reduzir o tamanho de sua órbita sem pagar um preço, que acaba sendo uma elipticidade aumentada”, aponta Batygin. Essas novas órbitas, mais alongadas, fizeram com que os planetesimais, principalmente aqueles da ordem de 100 km de raio, varressem regiões anteriormente impenetráveis do disco, desencadeando uma cascata de colisões entre os detritos. Na verdade, os cálculos da Batygin mostram que, durante este período, todos os planetesimais teriam colidido com outro objeto pelo menos uma vez a cada 200 anos, violentamente quebrando-os e enviando-os decompostos para o sol em uma taxa aumentada.
Os pesquisadores fizeram uma simulação final para ver o que aconteceria com uma população de super-Terras no interior do sistema solar se elas estivessem por perto quando esta cascata de colisões começou. Eles rodaram a simulação em um sistema extra-solar conhecido como Kepler-11, que dispõe de seis super-Terras, com uma massa combinada 40 vezes maior que a da Terra, orbitando uma estrela parecida com o sol. O resultado? O modelo prevê que as super-Terras seriam guidas para o sol por uma avalanche de planetesimais em decomposição durante um período de 20 mil anos. É um processo físico muito eficaz. Você só precisa do equivalente à massa de algumas Terras em material para conduzir dezenas de planetas com massas terrestres para o sol”, garante o cientista do Caltech.
Uma parcela do sistema original
Batygin observa que, durante esse longo processo, uma fração dos planetesimais que Júpiter carregava com ele teria voltado a realizar órbitas circulares. Apenas cerca de 10% do material que Júpiter teria varrido precisaria ser deixado para trás para dar conta da massa que agora compõe Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. A partir desse ponto, levaria milhões de anos para esses planetesimais se agruparem e, eventualmente, formarem os planetas terrestres – um cenário que se encaixa muito bem com as medidas que sugerem que a Terra se formou de 100 a 200 milhões de anos depois do nascimento do sol. Como o disco primordial de hidrogênio e gás hélio teria sumido há muito tempo neste momento da história, isso também poderia explicar por que a Terra não tem uma atmosfera de hidrogênio. “Nós fomos formados a partir deste detritos voláteis e empobrecidos”, esclarece Batygin.
E isso nos diferencia da maioria dos exoplanetas. O pesquisador acha que eles – que são em sua maioria super-Terras – teêm atmosferas de hidrogênio substanciais, porque se formaram em um momento na evolução de seu disco planetário no qual o gás ainda seria abundante. “Em última análise, o que isto significa é que planetas como a Terra realmente não são intrinsecamente muito comuns”, diz ele.
O documento também sugere que a formação de planetas gasosos gigantes, como Júpiter e Saturno – um processo que os cientistas planetários acreditam ser relativamente raro – desempenha um papel importante em determinar se um sistema planetário acaba ficando parecido com nosso ou com os sistemas mais típicos ao nosso redor, com suas super-Terras. À medida que caçadores de planetas identificarem sistemas adicionais que abrigam os gigantes gasosos, Batygin e Laughlin terão mais dados contra os quais eles podem verificar sua hipótese. Assim, eles poderão ver o quão frequentemente outro planeta gigante migratório deu início a cascatas colisionais em seus sistemas planetários, lançando super-Terras primordiais em suas estrelas hospedeiras.
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