Impressão de artista (não à escala), idealizando como o vento solar forma as magnetosferas de Vénus (topo), Terra (meio) e Marte (baixo).Crédito: ESA
A baixa gravidade do Planeta Vermelho e a falta de campo magnético tornam a atmosfera ultraperiférica um alvo fácil de ser levada pelo vento solar, mas novas evidências da nave Mars Express da ESA mostram que a radiação do Sol pode desempenhar um papel surpreendente na sua fuga. A razão pela qual as atmosferas dos planetas rochosos, no Sistema Solar interno, evoluíram de forma tão diferente durante mais de 4,6 mil milhões de anos, é fundamental para entender o que faz um planeta habitável.
Enquanto a Terra é um mundo de água rico em vida, o nosso vizinho mais pequeno, Marte, perdeu muito da sua atmosfera no início da sua história, transformando-se de um ambiente quente e húmido para as planícies frias e áridas que observamos hoje. Em contrapartida, o outro vizinho da Terra, Vénus, embora hoje inóspito, é de tamanho comparável ao nosso próprio planeta e tem uma atmosfera densa.
Uma das maneiras que muitas vezes se pensa que ajuda a proteger a atmosfera de um planeta, é através de um campo magnético gerado internamente, como na Terra. O campo magnético desvia as partículas carregadas do vento solar à medida que se afastam do Sol, esculpindo uma "bolha" protetora - a magnetosfera - ao redor do planeta.
Em Marte e Vénus, que não geram um campo magnético interno, o principal obstáculo para o vento solar é a atmosfera superior, ou ionosfera. Assim como na Terra, a radiação ultravioleta solar separa os eletrões dos átomos e moléculas nesta região, criando uma zona de gás ionizado carregado eletricamente: a ionosfera. Em Marte e Vénus, esta camada ionizada interage diretamente com o vento solar e o seu campo magnético para criar uma magnetosfera induzida, que atua para retardar e desviar o vento solar ao redor do planeta.
Durante 14 anos, a Mars Express da ESA tem procurado iões carregados, como oxigénio e dióxido de carbono, que fluem para o espaço, a fim de melhor compreender a taxa em que a atmosfera está a escapar do planeta. O estudo descobriu um efeito surpreendente, com a radiação ultravioleta do Sol a desempenhar um papel mais importante do que se pensava anteriormente.
Ilustração da fuga de iões de Marte. Como na Terra, a radiação ultravioleta separa os eletrões dos átomos e das moléculas (partículas azuis), criando uma região de gás eletricamente carregado - ionizado: a ionosfera. Esta camada ionizada interage diretamente com o vento solar e o seu campo magnético para criar uma magnetosfera induzida, que atua para retardar e desviar as partículas do vento solar ao redor do planeta.Crédito: ESA
"Costumávamos pensar que a fuga de iões ocorria devido a uma transferência efetiva da energia solar do vento através da barreira magnética marciana induzida para a ionosfera", diz Robin Ramstad, do Instituto Sueco de Física Espacial, e autor principal do estudo da Mars Express. Talvez de forma contraintuitiva, o que realmente vemos é que o aumento da produção de iões, desencadeada pela radiação solar ultravioleta, protege a atmosfera do planeta da energia transportada pelo vento solar, mas é muito pouca a energia realmente necessária para que os iões escapem por si mesmos, devido à baixa gravidade que liga a atmosfera a Marte."
Descobriu-se que a natureza ionizante da radiação do Sol produz mais iões do que os que podem ser removidos pelo vento solar. Embora o aumento da produção de iões ajude a proteger a atmosfera mais baixa da energia transportada pelo vento solar, o aquecimento dos eletrões parece ser suficiente para arrastar iões em todas as condições, criando um "vento polar". A fraca gravidade de Marte - cerca de um-terço da gravidade da Terra - significa que o planeta não consegue agarrar esses iões e estes escapam facilmente para o espaço, independentemente da energia extra fornecida por um forte vento solar.
Em Vénus, onde a gravidade é semelhante à da Terra, é necessária muito mais energia para despojar a atmosfera dessa maneira e os iões que saem do lado do Sol provavelmente cairiam de volta em direção ao planeta, no sotavento, a menos que se acelerassem ainda mais.
"Portanto, concluímos que, no presente, a fuga de iões de Marte é principalmente limitada em relação à produção e não limitada à energia, enquanto em Vénus é provável que seja limitada em termos de energia, dada a maior gravidade do planeta e alta taxa de ionização, por estar mais perto do Sol," acrescenta Robin. Por outras palavras, o vento solar, provavelmente, só teve um efeito direto muito pequeno sobre a quantidade de atmosfera de Marte que se perdeu ao longo do tempo e, em vez disso, apenas aumenta a aceleração das partículas que já por si se escapam."
A monitorização contínua de Marte, desde 2004, que cobriu a mudança na atividade solar do mínimo ao máximo, dá-nos um grande conjunto de dados que é vital para entender o comportamento a longo prazo da atmosfera de um planeta e a sua interação com o Sol," diz Dmitri Titov, cientista do projeto Mars Express da ESA. "A colaboração com a missão MAVEN da NASA, que tem estado em Marte desde 2014, também nos permite estudar mais detalhadamente os processos de escape atmosféricos."
O estudo também tem implicações para a busca de atmosferas do tipo da Terra noutros lugares do Universo. Talvez um campo magnético não seja tão importante para proteger a atmosfera de um planeta como a própria gravidade do planeta, a qual define o quão bem pode agarrar as suas partículas atmosféricas depois de terem sido ionizadas pela radiação solar, independentemente do poder do vento solar," acrescenta Dmitri.
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