Existem vários tipos de estrelas no universo, muitas não muito
diferente do nosso Sol. Mas algumas são muito — muito — grandes, mas nem todas
são densas. As gigantes vermelhas são relativamente leves, difusas e muito
brilhantes, mas as gigantes azuis são muito mais quentes e massivas. Além
disso, elas explodem. Pode parecer um destino trágico, mas temos sorte que isso
aconteça, pois é assim que elementos da tabela periódica são espalhados pelo
universo.
Os astrônomos sabem um bocado de coisas sobre as estrelas gigantes, mas
ainda há muito para ser descoberto. Como sempre acontece na ciência, cada
pergunta respondida traz novas questões e mistérios empolgantes, aguardando
quem possa decifrá-los. Mas afinal, por que existem estrelas gigantes? Elas já
“nascem” assim? E como “morrem”?
Para falar sobre essas dúvidas, o Canaltech conversou com Elvis
Cantelli, mestre em Astronomia e doutorando pelo IAG-USP. Ele nos contou
algumas das coisas que já se sabe sobre essas grandalhonas e o que ainda é um
desafio para a ciência.
Muito maiores que o Sol
(Imagem: Reprodução/Paul G. Beck/KU. Leuven)
Como o próprio nome sugere, essas estrelas são de proporções realmente
gigantescas. A classe de estrelas gigantes mais comum é a de gigantes
vermelhas, e o motivo é bem simples: elas são a fase final da evolução de
qualquer estrela de baixa massa e de massa intermediária. Elas variam bastante
de tamanho e podem ter entre dezenas a centenas de vezes o raio do Sol. Alguns
casos excepcionais têm números que podem assombrar qualquer um — a hipergigante
VY Canis Majoris, por exemplo, tem 2.100 vezes o tamanho do Sol em diâmetro!
Essas gigantes vermelhas já são velhas, estão em um estágio evolutivo
mais avançado que as azuis. Elas ficam enormes nessa fase porque quando
extinguem o combustível disponível no núcleo, começam a entrar no processo em
que a queima de hidrogênio passa para uma casca externa. Com isso, o núcleo vai
contraindo e as cascas externas se expandindo, como uma maneira de conservação
do equilíbrio hidrostático. Como consequência, elas ficam mais frias e, por
isso, ficam mais avermelhadas.
Pois é, ao contrário do que poderíamos imaginar, o vermelho indica que
a estrela é mais fria, e o azul aparece quando a estrela é muito mais quente.
As gigantes azuis são objetos relativamente escassos, extremamente luminosos,
pesados (com massa a partir de 8 vezes a do Sol), e com temperaturas que podem
chegar a 20 mil K ou mais. Como são muito massivas, o tempo de vida delas é bem
mais curto e geralmente encerram seu ciclo em uma explosão de supernova.
A principal diferença entre as duas é a fase evolutiva. Enquanto as
vermelhas estão no final de suas vidas, as gigantes azuis ainda são jovens e
estão na sequência principal, ou seja, queimando hidrogênio em seus núcleos.
Mas toda a massa e calor dessas estrelas cria ambientes muito extremos, e elas
encerram o ciclo bem mais rápido que as anãs. É justamente por essa rapidez com
que encerram suas vidas que não vemos muitas delas por aí. Não que sejam raras,
mas estão disponíveis em menor quantidade em relação às vermelhas.
Por outro lado, as gigantes vermelhas são muito mais comuns e bem
compreendidas pelos astrônomos. Ainda bem, porque pode demorar bastante para
que uma delas se forme. Por exemplo, o nosso Sol — que é uma anã amarela e um
dia entrará na fase de gigante vermelha — já tem 4,5 bilhões de anos e ainda
restam aproximadamente 5 bilhões de anos pela frente antes de se inchar e ficar
grande o suficiente para engolir Mercúrio, Vênus, e talvez a Terra.
Há outros tipos mais difíceis de se encontrar, como as gigantes
brancas, que nada mais são do que um estágio evoluído das gigantes azuis. Ou
seja, não são mais da sequência principal, pois a fusão do hidrogênio em seus
núcleos cessou, e elas agora estão usando hélio como combustível.
O que não sabemos
sobre estrelas gigantes
Com os instrumentos de última geração, como o CHEOPS, Hipparcos e Gaia
(todos da ESA, a Agencia Espacial Europeia), o entendimento sobre elas evoluiu
bastante. Por exemplo, até cerca de três anos atrás, não se sabia se planetas
podem se formar na órbita de estrelas massivas, mas graças ao CHEOPS, sabemos
que sim: o WASP-189 b foi descoberto em 2020 ao redor de uma gigante azul e é
um dos mundos mais quentes e extremos já encontrados. Ainda assim, há muitas complicações no estudo dessas estrelas, o que é
um grande problema, porque, para compreender os mecanismos da evolução estelar,
é preciso saber o máximo possível sobre as mais massivas. Isso é fundamental
para entender como funciona o universo, afinal, as estrelas são os “caldeirões”
cósmicos, onde se fabrica grande parte dos elementos naturais da tabela
periódica.
1. Distância das estrelas gigantes
Os astrônomos têm ótimos meios para calcular as distâncias de objetos
no universo. O principal método para medir a distância entre a Terra e estrelas
da Via Láctea é o paralaxe, que usa medidas trigonométricas. O conceito é
simples: as estrelas próximas de nós parecem se mover mais em relação às
estrelas de fundo mais distantes, que têm um movimento muito menor.
Mas às vezes a tarefa pode não ser tão simples. Se as estrelas
estiverem muito distantes, a paralaxe (o ângulo formado pelo movimento
aparente) pode ser muito pequena para uma medição precisa. Cantelli nos
explicou que “quando a gente vai para distâncias maiores, por exemplo cerca de
milhares de anos-luz, a gente começa a encontrar só as gigantes. Quanto mais
distante, menos estrelas anãs, e sobra as gigantes vermelhas e azuis. E quanto mais
longe, menor a paralaxe, a estrela “dança” muito menos e o brilho fica mais
fraco. Então temos mais dificuldade de dizer onde ela está exatamente”.
A menor paralaxe mensurável a partir do solo é cerca de 0,01 segundos
de arco, então há um limite bem evidente de distância que podemos calcular com
essa técnica. Por outro lado, as estrelas gigantes muito próximas, tem o
problema o oposto. “É difícil até mesmo para o Gaia detectar porque elas formam
um borrão luminoso no detector que atrapalha tudo”.
Essas dificuldades se tornam um grande problema para os que estudam as
estrelas, porque é através da distância que os cientistas podem medir a
luminosidade total emitida, a massa dos objetos que a orbitam, o tamanhos
físico, entre outras características. Foi para resolver esse problema, entre
outros, que a ESA enviou as missões Hipparcos e Gaia, planejadas para mapear a
Via Láctea a partir da órbita terrestre.
A Hipparcos obteve muito sucesso em medir as distâncias para um total
de 100 mil estrelas, incluindo algumas bem mais distante do que poderíamos
medir a partir do método paralaxe em solo. A Gaia, por sua vez, está gerando
mapas da Via Láctea.
2. Temperatura das estrelas gigantes
Estrelas gigantes são um alvo comum dos astrônomos porque, dentro
delas, literalmente, há detalhes importantes para serem revelados. Mas sempre
houve dificuldade em estimar suas temperaturas, não só pelo problema da
distância, mas também devido às suas atmosferas complexas e turbulentas.
Sem medir temperatura com precisão, não há como dizer quando elas vão
explodir em supernovas — e todos queremos saber quando finalmente poderemos
testemunhar uma supernova. Recentemente, um estudo sugeriu que os astrônomos
podem procurar linhas espectrais de ferro nas gigantes vermelhas como um bom
indicador de temperatura delas. A certeza sobre a eficácia da técnica vai
depender de futuros testes.
3. Velocidade radial
Outra dificuldade é quando se tenta determinar a velocidade radial, ou
seja, velocidade de afastamento. A velocidade radial de uma estrela (ou de
outro objeto celeste luminoso) é praticamente a única detectável em grandes
distâncias e pode ser medida através do exame espectroscópio, isto é, da
análise dos comprimentos de onda observados em seu espectro. Quanto maior for a
resolução do espectro, maior será a precisão na medida da velocidade radial.
Mas no caso das gigantes azuis, a técnica pode ser mais difícil, tanto
que “as velocidades radiais de estrelas gigantes azuis determinadas pelo Gaia
são muito poucas", disse Cantelli. “Quanto mais frias, mais linhas
espectrais você enxerga, e quanto mais quentes, ou seja, mais massivas na
sequência principal [que é o caso das azuis, como vimos antes], as linhas vão
sumindo e as que sobram não são muito boas para determinar velocidade radial”.
4. Supergigantes e hipergigantes vermelhas
Existem estrelas hipergigantes que ultrapassam o diâmetro que vemos nas
gigantes “comuns”, e ainda não está muito claro o porquê. Cantelli nos contou
que “elas geralmente estão em um estágio transitório. As gigantes azuis passam
por muitos processos, alguns que a gente não entende direito, inclusive
processo de perda de massa, e muitas delas ficam “ping-pongueando” entre o ramo
das gigantes e o da sequência principal azul. Então, a gente não entende muito
bem como essas estrelas supermassivas se comportam”.
Entretanto, há algumas pistas. Cantelli disse que esse “ping-pong”
transitório “tem muito a ver com a metalicidade delas. Quanto mais ricas em
elementos, quanto maior a variedade química, mais elas ficam opacas e tendem a
absorver mais luz. Então, o vento estelar tende a agir mais na matéria da
estrela, então ela perde mais massa. A perda de massa também influencia muito
no jeito que ela vai evoluir, então elas transitam muito entre o ramo da
gigantes e o ramo superior da sequência principal”. “As hipergigantes vermelhas
podem ser o estágio evoluído das por gigantes azuis”.
Cantelli também nos lembrou que só pelo fato de serem gigantes ou
hipergigantes vermelhas, já significa serem um estágio evoluído. No caso das
hipergigantes, resta saber qual tipo de estrela evoluiu para se tornar o que
elas são.
5. Como as estrelas gigantes se formam?
Eis uma pergunta que à primeira vista parece simples de responder, mas
na verdade é motivo de debate na comunidade científica. Claro, já está bem
compreendido que as vermelhas se formam após o ciclo de fusão nuclear de uma
estrela de baixa massa ou de massa intermediária, mas as azuis têm uma história
mais complicada. “O exato processo de formação não é muito bem compreendido,
ainda tem algum debate”, disse Cantelli.
Estrelas se formam em grandes nuvens de poeira e gás, conhecidas como
regiões de formação estelar. Essas nuvens, em alguns pontos mais concentrados,
iniciam um processo em que acabam colapsando em suas próprias gravidades. Isso
nos leva novamente ã questão da metalicidade, segundo Cantelli. “Com maior
riqueza de elementos químicos [nas nuvens], eles [os elementos] conseguem
resfriar as coisas mais rapidamente, dissipando o calor para fora em forma de
radiação, impedindo que coisas grandes se formem”.
Então, teoricamente, basta remover a metalicidade das nuvens para
formar estrelas gigantes azuis. Só que essa situação é difícil de se encontrar
no universo de hoje, porque as supernovas que já explodiram ao longo dos
últimos 13 bilhões de anos costumam espalhar metais fundidos dentro de outras
estrelas grandonas. Esses metais estão presentes em toda a parte, incluindo as regiões
de formação estelar — ainda bem, pois é por isso que temos os metais aqui, em
nosso planeta.
Por outro lado, no universo primordial, havia metalicidade muito baixa,
“então era muito mais fácil formar estrelas gigantes, bem mais fácil”, explica
Cantelli. “Você tinha matéria colapsando e não tinha uma pressão de radiação
(que basicamente é temperatura expulsando para fora). Os elétrons dos átomos
não iam interagir com aquela reação tão fortemente, só tinha basicamente
hidrogênio e hélio. Então você tem muito menos estados possíveis de energia
interagindo com essa radiação que vem das partes mais quentes e as coisas
colapsam para dentro de uma maneira mais fácil”.
Hoje em dia com metalicidade mais alta, “é um pouquinho difícil a gente
conseguir dizer como que vai se formar uma estrela massiva, de certa forma a
gente assume que é um processo de ‘pura sorte’, porque a gente sabe exatamente
quais são as perfeitas condições exatas”. Por sorte, Cantelli quer dizer que se
trata de um acaso, uma condição muito específica, meio que acidental, talvez
uma perturbação na nuvem, “para conseguir ativar algum processo que calhe de
formar estrelas de alta massa”.
Segundo Cantelli, “tem muitas simulações que mostram como isso
acontece, mas não é exatamente compreendido como elas se formam. Não tem um
processo totalmente estabelecido de como é que se forma gigantes [azuis] em
comparação ao processo que formam as estrelas de baixa massa”.
Hipóteses não faltam, contudo. Alguns cientistas suspeitam que estrelas
massivas nascem quando objetos menores colidem. A maioria das estrelas grandes
vive em aglomerados, e quanto mais estrelas um aglomerado tiver, mais massivas
elas serão. Mas por quê? É pouco provável que as estrelas gigantes estejam
colidindo entre si, mas muitas delas têm perto de si outras bem menores, de
pouca massa. Pode ser que elas sirvam de alimento para as gigantes crescerem.
Essa hipótese levanta outras questões, como o fato de nem todas as
estrelas gigantes pertencerem a aglomerados. Cantelli nos disse, entretanto,
que essas gigantes azuis errantes muito provavelmente se formaram em
aglomerados e foram expulsas por um “chute” gravitacional. “Elas podem ser
ejetadas pelas próprias perturbação dinâmicas. Se em sistemas de três corpos já
é não dá para medir o que vai acontecer, imagina um sistema de 100 corpos,
sistema de 1000 corpos, é impossível saber o que vai acontecer”.
6. Quão massiva pode ser uma estrela gigante?
Essa é uma pergunta que começou a ser melhor respondida pela astronomia
moderna. No início do século XX, alguns astrônomos disseram ter descoberto
estrelas com 2.500 massas solares. No entanto, os astrônomos hoje sabem que as
estrelas ultramassivas medidas naquela época são, na verdade, aglomerados com
muitas estrelas menores bem pertinho umas das outras. Ou seja, os cientistas
estavam medindo a massa total dos aglomerados porque não havia instrumentos
sensíveis o suficiente.
Ainda assim, determinar o peso das estrelas muito massivas é difícil.
Calcula-se através de grandes aglomerados que, estatisticamente, não existe
nenhuma estrela com uma massa maior que 150 a 200 massas solares. Os astrônomos
conseguiram medir a massa de algumas delas através da observação direta das
órbitas de estrelas binárias, o que é o método mais confiável por enquanto.
Além da observação direta, os astrônomos também tentam encontrar algum
limite físico teórico além do qual nenhuma estrela pode atingir antes de
explodir em uma supernova. Essa questão permanece em aberto, mas se esse limite
existir, a próxima pergunta será “por quê?”
Estrelas maiores que o Sol
Agora que já vimos o quão as estrelas gigantes são misteriosas para a
ciência, vamos conhecer algumas das maiores já descobertas. Em comparação com
os planetas do nosso “bairro cósmico”, o Sistema Solar, o Sol é enorme e contém
99,8% da massa total do nosso sistema. Ele tem aproximadamente 1,4 milhão de km
de diâmetro, equivalente a quase 110 vezes o tamanho do nosso planeta — caberia
de um milhão de “Terras” dentro do Sol. Apesar disso, ele é uma estrela
pequena, uma anã amarela.
Claro, não subestimamos o nosso Sol. A cada segundo, ele funde
aproximadamente 600 milhões de toneladas de hidrogênio para hélio, o que
resulta em toneladas de matéria em energia. Mas em comparação com as gigantes e
supergigantes, ele não está nem perto de ser uma das mais “parrudas” do
universo. Ao menos não por enquanto — quando ele chegar ao fim de seu ciclo de
fusão nuclear, se tornará uma gigante vermelha!
Obviamente é impossível dizer quais são as maiores estrelas do
universo, pois não podemos conhecer todas elas. Mas daquelas que podemos
distinguir isoladamente, há algumas peso-pesado que parecem insuperáveis. Eis
algumas delas.
1. VY Canis Majoris
Essa é uma hipergigante vermelha tão brilhante quanto 300 mil sóis, e
com 2.100 vezes maior que o Sol em diâmetro. Ela é tão grande que caberia quase
três bilhões de planetas iguais à Terra. Como vimos nesta matéria, a VY Cma
está nos estágios mais evoluídos e não deve durar muito mais tempo. Aliás, sua
massa é depositada em uma galáxia próxima a ela.
Essa estrela já foi muito mais brilhante no céu noturno, há cerca de
200 anos, mas desde então é muito difícil observá-la. no início deste ano,
pesquisadores usaram o Telescópio Espacial Hubble para ver como um objeto
desses poderia sumir do mapa celeste, e descobriram enormes nuvens de poeira
denunciando os estágios finais da estrela. Pode ser que ela exploda, ou que
simplesmente colapse direto em um buraco negro.
2. WOH G64
É outra hipergigante vermelha e possui um raio correspondente a mais de
1.500 vezes o do Sol. Anteriormente, a medição era de 2 mil vezes o raio do
Sol, o que mostra como é difícil fazer essas medições com precisão. Além disso,
ela não chega a ter 10 milhões de anos mas está curiosamente perto do fim de
sua vida.
3. V354 Cephei
Essa estrela está classificada na categoria de supergigante, também
possui um aspecto avermelhado, e localiza-se na Via Láctea a cerca de 9.000
anos-luz de distância da Terra. Seu diâmetro é 1.520 vezes maior que o do Sol.
4. NML Cygni
Outra hipergigante vermelha, uma das maiores conhecidas com cerca de
1.650 raios solares. É também uma das supergigantes mais luminosas e fica a
cerca de 5.300 anos-luz da Terra.
5. UY Scuti
Essa supergigante vermelha variável pulsante está a 5.100 anos-luz da
Terra e já foi considerada a possível maior estrela conhecida, com raio entre
1.708 e 192 raios solares. Entretanto, estimativas mais recentes, baseadas em
uma determinação direta da distância, dão um raio menor de 755 vezes o raio do
Sol.
6. R136a1
Essa estrela não é tão grande quanto as mencionadas acima — tem apenas
30 vezes o raio do Sol. Entretanto, esta gigante azul é a estrela mais densa já
observada, com massa 265 vezes maior que a do Sol. Com essa relação tamanho e
massa, conclui-se que ela tem volume 27 mil vezes maior que o do Sol.
Fonte: Canaltech