Em 2008, a Terra foi atingida por um meteorito. Ninguém prestou muita atenção porque esse foi dos milhares de meteoritos que nos atingem o tempo todo. Um telescópio acompanhou seu progresso, enquanto ela atravessava quilômetros de nitrogênio, oxigênio e dióxido de carbono e seu exterior aquecia enquanto ele viajava pelo ar denso. Uma violenta explosão se seguiu, a 37 quilômetros do solo, enviando seus fragmentos rapidamente para as areias do Deserto da Núbia, no Sudão.
A explosão e o colapso foram apenas os momentos finais de uma jornada de bilhões de anos vagando pelo sistema solar. Agora, um novo estudo publicado na revista Nature Communications conta a incrível história de origem do meteorito. Com base nos materiais encontrados dentro dos diamantes que ele carregava, os pesquisadores acreditam que ele pode ser o remanescente de um planeta perdido ou de um embrião planetário – um corpo que ainda estava em sua infância quando o caos do sistema solar ancestral o obliterou.
Essa descoberta surpreendente pode nos ajudar a descobrir uma das questões mais duradouras da astronomia, a da formação dos planetas. De acordo com pesquisadores da École Polytechnique Fedérale de Lausanne, os diamantes do asteroide, chamado Almahata Sitta, se formaram em pressões consistentes com os primeiros protoplanetas do Sistema Solar.
Planetas em formação
Existem muitos mistérios sobre a formação de planetas, mas com base em nosso próprio Sistema Solar e estudando o crescente número de exoplanetas, sabemos mais ou menos como isso acontece. Tudo começa com grãos de poeira no disco protoplanetário em torno de uma estrela jovem. Graças a forças eletrostáticas, esses grãos começam a se prender uns aos outros. Se grãos de poeira suficientes se acumulam gradualmente para formar aglomerados maiores, e então o suficiente desses aglomerados colidem e se fundem, a coisa toda entra em colapso gravitacional em um corpo mais sólido entre 1 e 10 quilômetros de tamanho – um planetesimal.
A maioria dos planetesimais mantém esse tamanho. Mas alguns, com a ajuda de seu campo magnético e órbitas não convencionais, colidem e se juntam, frequentemente em alta velocidade, formando objetos maiores entre o tamanho da Lua e o tamanho de Marte, com um núcleo fundido. Estes são chamados de protoplanetas, os “embriões” dos planetas – o antigo Sistema Solar tinha centenas deles. Com o tempo, eles colidiram repetidamente entre si, fundindo-se em massas cada vez maiores até formarem os planetas que conhecemos hoje. Os astrônomos acreditam que os asteroides que flutuam pelo Sistema Solar são os restos das repetidas colisões dessa época que levaram o material de volta ao espaço.
O Almahata Sitta foi um caso raro – a primeira vez que material de meteorito foi recuperado de um asteroide que havia sido rastreado do espaço e durante sua colisão com a Terra. Mas essa não é a única coisa que o torna especial. Ele também é um tipo raro de meteorito chamado ureilite, que tem uma composição incomum em comparação com outros meteoritos rochosos – contém muito carbono na forma de nanodiamantes.
Os ureilites podem ser formados de três maneiras diferentes: transformação do carbono em diamante através de impactos de alta velocidade; deposição de vapor químico dentro da nebulosa solar; ou a alta pressão estática dentro de um corpo maior, como um protoplaneta. Até agora, nenhuma evidência havia sido encontrada para confirmar qualquer um desses métodos.
Porém, os pesquisadores, liderados pelo cientista planetário Farhang Nabiei, estudaram os diamantes dentro do meteorito e encontraram cristais de diamante relativamente grandes, individuais, de até 100 micrometros. Diamantes deste tamanho não poderiam ter sido formados em um evento de impacto, devido à curta duração dele, o que não daria tempo para que grandes cristais se formassem. Os pesquisadores disseram também que a deposição de vapor químico não produziria cristais deste tamanho. Sobra, então, a alta pressão estática.
Protoplaneta
Os diamantes não são a parte mais importante desta história. Eles são apenas as embalagens que carregam coisas muito mais preciosas guardadas em seu interior. Enquanto um joalheiro pode ver um pouco de rocha presa dentro de um diamante como uma falha, para um geólogo isso é o melhor que pode acontecer. Por causa de sua forte estrutura cristalina, os diamantes podem preservar minúsculos pedaços de material que de outra forma desapareceriam sob as inexoráveis condições do universo ao longo do tempo.
O pesquisador Farhang Nabiei – da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça – examinava a relação entre os diamantes e as camadas de grafite que os cercavam quando começou a se perguntar sobre os bolsões de substâncias presas no interior.
Uma coisa fascinante sobre os diamantes é que, conforme eles estão se formando, eles frequentemente absorvem os minerais presentes em seu ambiente de formação. Usando microscopia eletrônica de transmissão e espectroscopia de perda de energia eletrônica, a equipe analisou os diamantes do Almahata Sitta para ver quais eram estes minerais. Eles descobriram sulfeto de cromita, fosfato e ferro-níquel embutidos no diamante, com composições e morfologias que só poderiam ter ocorrido sob maior pressão do que 20 gigapascals – quase 200.000 vezes a pressão atmosférica do nível do mar.
“Uma peça importante do quebra-cabeça é que os diamantes são grandes e zonados, o que apoia fortemente a ideia de que eles se formaram no interior de um corpo (e não em um impacto, por exemplo)”, aponta Rebecca Fischer, cientista planetária da Universidade de Harvard, nos EUA, não envolvida no estudo. Fischer ressalta que a composição do material provavelmente só se formaria em altas pressões.
Aqui na Terra, a maioria dos diamantes é formada em torno de apenas 4,5 gigapascals. O resultado da equipe sugere que os diamantes do Almahata Sitta se formaram em um protoplaneta de tamanho entre Mercúrio e Marte. Embora esta seja a primeira evidência convincente para um corpo tão grande que, desde então, desapareceu, sua existência no início do Sistema Solar foi prevista por modelos de formação planetária”, escreveram os pesquisadores em seu artigo.
Na imagem abaixo, é possível ver um pedaço do meteorito e seus diamantes. A parte azul são os diamantes, o cinza é o grafite e os pontos amarelos são os pedaços de materiais absorvidos.
“Modelos dinâmicos há muito sugerem a presença de muitos corpos do tamanho de Lua a Marte no Sistema Solar interno no início do acréscimo de planetas terrestres, mas geralmente se acredita que eles foram incorporados aos planetas ou perdidos – engolidos pelo Sol ou ejetados do Sistema Solar, por exemplo “, diz Fischer. “Isso é realmente uma prova intrigante de que realmente temos amostras de um desses corpos em nosso registro de meteoritos, os ureilites”, acrescenta.
“Corpos do tamanho de Marte eram comuns, e, ou se acumulavam para formar planetas maiores, ou colidiam com o Sol, ou eram ejetados do sistema solar. Este estudo fornece evidências convincentes de que este corpo era um grande planeta ‘perdido’ antes de ser destruído por colisões”, concluem os autores.
Mais meteoritos
Ainda há muitas outras amostras de ureilites para examinar e testar para ver se elas se encaixam na teoria do “planeta perdido”. “Isso levanta a questão, há mais deles?”, diz Thomas Sharp, geólogo da Universidade Estadual do Arizona que não esteve envolvido na nova pesquisa, mas estuda meteoritos usando ferramentas similares de microscopia eletrônica. “Existem outras amostras com diamantes nelas que precisam de mais caracterização para determinar se elas se formaram em grandes corpos em oposição a eventos de choque?”.
“Nós criamos uma imagem com base em uma amostra específica de ureilite, agora estamos tentando olhar para as outras amostras e encaixá-las nesta imagem”, diz Nabiei. O pesquisador está ansioso para apresentar seu trabalho e conversar com outros pesquisadores sobre o artigo. Ele diz que originalmente planejava discutir essa pesquisa em uma reunião da União Geofísica Americana em dezembro do ano passado.
“Eu estava realmente animado para falar sobre isso com as pessoas e todos os cientistas de lá, mas isso não aconteceu”, diz Nabiei. Ele é iraniano, e teve negado um visto para os EUA. “Vou apresentar (a pesquisa) em Paris, mas, pelo menos por enquanto, os EUA estão fora dos limites para nós”, lamenta.
Nabiei continuará sua pesquisa na Suíça, usando minúsculos fragmentos para reunir alguns dos buracos mais abertos na história do nosso sistema solar.
“Estamos olhando para inclusões que possuem dezenas de nanômetros e, em seguida, estamos falando de planetas que possuíam milhares de quilômetros de diâmetro”, compara. “São como dois extremos do alcance de tamanho. Eu nunca poderia imaginar que, apesar da microscopia, eu pudesse falar sobre a formação planetária”.
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