Há cerca de 20 anos atrás, nossa ideia de formação do Sistema Solar era um tanto simples. Os planetas rochosos, mas próximo do Sol, teriam se formado do material que sobrou da formação do Sol e, por estarem muito próximos dele, seria pobre em gelo. Basicamente partículas de silicatos que aos poucos foram se grudando, formando agregados maiores (os planetesimais) que ao se aglutinarem, formaram planetas. Já os gigantes gasosos se formaram de material mais rico em gelo, o que facilitou o crescimento dos planetesimais e por isso os maiores planetas do sistema estão nas regiões mais externas. Mas de um modo geral, os planetas estariam hoje nas mesmas posições onde se formaram.
E esse também seria o cenário para a formação de qualquer sistema planetário por aí afora.
A partir da década de 1990, todavia, a descoberta de planetas em outras estrelas começou a jogar areia nesse modelo. Planetas tão grandes como Júpiter foram encontrados em órbitas tão próximas da estrela hospedeira, quanto Mercúrio está do Sol. Esses exoplanetas foram chamados de ‘Júpiteres Quentes’, pois de acordo com observações recentes teriam mais de mil graus de temperatura. Outros planetas bizarros, como planetas rochosos duas ou três vezes maiores que a Terra (as super Terras) com temperaturas tão altas que daria para derreter rochas também forma encontrados.
Resumo da ópera: nosso Sistema Solar que deveria ser a regra para todos os outros mais parece ser a exceção.
A ideia corrente é que nos primórdios dos sistemas planetários, os planetas migrem de suas posições iniciais, causando um rearranjo nas órbitas dos outros. Principalmente os gigantes gasosos. Isso explicaria por que são encontrados tantos Júpiteres Quentes, eles simplesmente migraram, ou estão migrando pelo sistema. E isso traz muitas consequências para a evolução do sistema planetário; as migrações podem varrer material que formaria mais planetas, ou mesmo alterar as órbitas dos planetas já existentes, fazendo com que eles sejam ejetados do sistema, ou mergulhem na estrela hospedeira. Numa palavra: caos.
E o nosso Sistema Solar deve ter passado por isso.
Vários trabalhos têm mostrado ao longo da última década que nosso sistema teria nascido com mais um planeta gigante, entre Urano e Netuno com a mesma massa deles. Todos eles mais ou menos no mesmo plano, de modo que a inclinação de suas órbitas seja muito baixa. Além disso, todos eles possuem órbitas quase circulares. A exceção é Mercúrio, que possui uma inclinação mais acentuada e sua órbita é a mais ovalada entre os planetas.
Esse fato em particular tem intrigado os astrônomos há tempos, pois para que a órbita fosse assim tão diferente, algum outro corpo celeste deve ter causado uma perturbação importante. Ao longo dos anos, vários candidatos a esse objeto foram listados, tais como uma lua ou mesmo vários asteroides próximos ao Sol. Nada disso foi encontrado até hoje e parece que o culpado é outro: Júpiter.
Os modelos mais recentes de formação do Sistema Solar fazem uso da migração dos gigantes gasosos para o interior do sistema, como efeito do arrasto causado pelo gás remanescente da formação dos planetas. Mas em algum momento, a força gravitacional de Júpiter e Saturno combinadas teriam revertido esse movimento de migração. Nesse passeio pelo Sistema Solar, os dois planetas teriam alterado as órbitas dos planetas menores. Ocorre que se esse passeio fosse feito devagar, levando tipo algumas centenas de milhões de anos, as perturbações nas órbitas de Mercúrio, Vênus e a Terra teriam sido catastróficas. Caso isso tivesse ocorrido assim, Mercúrio teria sido ejetado, ou ainda, sua órbita estaria tão alongada que teria se colidido com Vênus em algum momento. Como então conciliar as migrações com a existência de Mercúrio e os demais planetas rochosos?
Júpiter teria dado mudado de órbita rapidinho, tipo um “pulinho”!
A ideia é que os cinco gigantes gasosos iniciais estariam mais compactados do que estão hoje. Nessa configuração eles foram ejetando milhões de planetesimais para regiões mais distantes do Sistema Solar. Hoje, esses planetesimais são os objetos do Cinturão de Kuiper, que tem Plutão como o membro mais famoso. Em algum instante dos primeiros 500 milhões de anos de vida do sistema, a complicada interação gravitacional entre esses cinco gigantes fez com o planeta que existia entre Urano e Netuno fosse ejetado do Sistema Solar. Além disso, fez com que a distância entre o Sol e Júpiter encolhesse em 45 milhões de km. Mas, ao invés de migrar de forma lenta, como esperado, isso teria se dado em apenas 100 mil anos! Quase um pulo para os padrões de evolução do Sistema Solar. Por isso esse modelo, proposto pelo astrônomo David Nesvony foi apelidado de ‘Júpiter Saltitante’.
Esse modelo, apesar de parecer improvável, consegue resolver o problema da estabilidade das órbitas da Terra e de Vênus, além de explicar várias características observadas para o Cinturão de Asteroides. E mais um ponto a favor do pulinho de Júpiter veio de um trabalho liderado por Fernando Roig, pesquisador do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
De acordo com as simulações de sua equipe, o pulinho de Júpiter e a ejeção do companheiro de Urano e Netuno, não só garantem a estabilidade das órbitas dos planetas rochosos, como também espichou e inclinou a órbita de Mercúrio para os valores observados hoje.
O pulinho de Júpiter pode parecer bizarro, mas ele vem ganhando consistência conforme as características observadas do Sistema Solar como um todo possa ser explicado por ele. Até mesmo a ideia do planeta ejetado não é tão estranha assim, ela já foi proposta por Rodney Gomes também do Observatório Nacional e mais recentemente, por Mike Brown que está, inclusive, caçando o bicho.
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